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Em tempos de polarização, Jesus ordena: “Guarde a espada!”

Guest Writer

Jesus usou seus momentos finais com os discípulos para curar a orelha de um oponente — e modelar o caminho do amor.

Christianity Today October 16, 2024
Illustration by Mallory Rentsch Tlapek / Source Images: WikiMedia Commons

Nota da edição em português: este artigo foi escrito como comentário ao atentado ao candidato à presidência dos Estados Unidos, Donald Trump, em julho de 2024. Mesmo tendo como pano de fundo o cenário estadunidense, acreditamos que o artigo traz reflexões importantes também para o público brasileiro.

Nas narrativas do Evangelho, um destacamento de soldados veio prender Jesus, antes da crucificação. Tentando detê-los, o apóstolo Pedro levantou a espada para defender seu Mestre do perigo, mas errou o alvo, atingindo um dos soldados — ironicamente — na orelha. Jesus respondeu [ao ato] usando um de seus últimos momentos de cunho pessoal com seus seguidores, para ensiná-los sobre os perigos da violência política e religiosa.

Jesus repreendeu Pedro com uma frase muito citada: “Guarde a espada! Pois todos os que empunham a espada, pela espada morrerão” (Mateus 26.52). Conforme Jesus ensinou, violência só gera mais violência, criando uma espiral que pode tragar indivíduos, movimentos e, às vezes, até mesmo repúblicas.

Mas Jesus fez mais do que emitir um enunciado de conteúdo político. Ele curou o soldado que viera até ele para lhe fazer mal (Lucas 22.51).

Este mesmo soldado e seus companheiros beligerantes prosseguiriam com a prisão, e Jesus se tornaria vítima de tortura e morte patrocinadas pelo Estado. A cura, portanto, não foi um esclarecimento sobre a política do soldado. Jesus não o curou porque acreditava que as ações contra ele mesmo fossem justas. A cura foi um reconhecimento da humanidade de seu inimigo, pois há momentos em que devemos deixar de lado a política e ver que nossos oponentes são gente como a gente, são seres igualmente portadores da imagem de Deus.

Após a tentativa de assassinato do ex-presidente Donald Trump, nos encontramos em um momento como esse. Independentemente de nossa filiação partidária, a atitude apropriada é lamentar o ataque, lamentar a morte daquele pai que estava na multidão e morreu defendendo sua família e orar por todos os que foram afetados por esse ato injustificável de violência.

Para os cristãos, porém, orar é a parte fácil. Já ser honesto sobre o estado da nossa nação é mais difícil.

É desonesto de nossa parte fingir que isso era inimaginável. Já vimos muita morte neste país para agir como se algo estivesse além da compreensão: sofremos com homens armados atirando em crianças nas escolas e em fiéis nas igrejas e sinagogas; em pessoas em casas noturnas, supermercados e câmpus de universidades; e em jovens negros que saíram para fazer atividade física. Perdemos o direito de fingir que é impensável que alguém mire [uma arma] em um político. Há um ódio perigoso borbulhando por todos os cantos do país e, na Pensilvânia, ele transbordou para a campanha eleitoral, com resultados trágicos.

A violência política também está presente há muito tempo em nossa retórica. Nosso discurso nas mídias sociais é uma terra devastada. A guerra civil apresenta-se sempre como pano de fundo constante das discussões, pois vemos concidadãos que discordam de nós como pessoas totalmente malignas. Aprendemos a ver nossos adversários políticos como uma massa uniforme de desajustados que ameaçam tudo aquilo que prezamos — como um perigo para a república.

Não me entenda mal. Existem altos riscos na política. Existem ideias políticas perigosas. Existem entre a população alguns que querem minar a democracia. As políticas têm consequências no mundo real, e agora não é hora de fingir o contrário.

Mas nem toda opinião divergente chega a esse nível. Nossos amigos e vizinhos que discordam de nós são muito mais do que apenas uma soma de todas as piores ideias existentes no lado oposto ao nosso. No entanto, nos tornamos estranhos uns para os outros e, nessa separação, a discórdia floresceu. É fácil denunciar a violência quando ela finalmente vem à tona; é mais difícil admitir que ela está ao nosso redor já há algum tempo, crescendo nas lacunas criadas por nossa alienação.

Não é fácil apontar quando começou o medo que hoje sinto por nosso país. Lembro-me de um primeiro sinal dele, enquanto assistia à posse do ex-presidente Barack Obama, em 2009. Meu filho, agora adolescente, era um bebê na época, mas eu o acordei e o coloquei na frente da televisão. Eu queria poder lhe contar [no futuro] que assistimos juntos à posse do primeiro presidente negro da nossa nação. Eu estava cheio de esperança, mas também com medo de que ele pudesse ser assassinado.

Quando Obama saiu do carro para caminhar pela Pennsylvania Avenue, fiquei pensando: Volte para aquele automóvel. O lado de fora não é seguro. Voltei a sentir esse mesmo medo quando ouvi pela primeira vez a notícia da tentativa de assassinato de Trump. As coisas não estão seguras neste país, e há muito tempo. Cada eleição parece mais tensa, mais divisiva e até mais perigosa.

Existe um caminho para sairmos dessa espiral mortal? Sim. Devemos renunciar à violência que põe em risco todo o tecido social. Jesus estava certo no Getsêmani, quando descreveu o ódio e o assassinato como um contágio social que se espalha de pessoa para pessoa. É tolice pensar que uma doença que infecta toda a realidade que vivemos juntos não chegará às nossas eleições. Uma nação que não pode proteger suas crianças em idade escolar não pode proteger seus candidatos à presidência. Uma nação que não pode controlar seu ódio virtual não controlará seu ódio em carne e osso.

Palavras nem sempre são violência. Violência é violência, mas “o homem bom tira coisas boas do bom tesouro que está em seu coração, e o homem mau tira coisas más do mal que está em seu coração, porque a sua boca fala do que está cheio o coração” (Lucas 6.45).

Devemos começar a agir como um povo capaz de promover eleições livres e transparentes, enraizadas em princípios e em argumentos respeitosos e de boa-fé. Todos os candidatos devem conduzir o restante de suas campanhas com o objetivo de restaurar a confiança pública. Toda eleição é importante, mas os últimos meses desta corrida eleitoral em particular podem dar o tom para as próximas décadas.

Trump, o presidente Joe Biden [que, na época do atentado, era o candidato democrata] e quaisquer outros candidatos de outros partidos devem participar de outro debate nas próximas semanas, para darem aos Estados Unidos a chance de vê-los apresentar sua visão para o país. Eles devem mostrar seus planos para a nação e defender por que merecem nossos votos. Chega de debates sobre quem é melhor no golfe. O futuro da república está em jogo.

Todo americano que se importa com o futuro da democracia deveria votar, seja em um desses dois candidatos ou em um candidato de um terceiro partido. Um comparecimento recorde às urnas reafirmaria nosso compromisso com os princípios que prezamos. Mesmo neste estágio avançado, seria uma promessa de [tentar] encontrar um caminho melhor.

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Pedro não foi o único crente da igreja primitiva que usou de violência. Paulo, que escreveu um quarto do Novo Testamento, esteve envolvido no assassinato do primeiro mártir cristão, Estêvão (Atos 7). A mudança de coração de Paulo ocorreu quando ele estava a caminho para prender mais daqueles que, na época, eram seus oponentes. Seu encontro com Jesus o fez rejeitar a violência como meio de conseguir o que queria, e ele passou o resto de sua vida viajando pelo Império Romano para mudar vidas sem a ajuda de armas humanas. Ele nunca converteu uma única pessoa sequer pelo poder da espada. Em vez disso, ele usou argumentos. Precisamos fazer nosso país argumentar com civilidade novamente, usando os dados, a razão — e o amor.

Em uma das passagens mais famosas de Paulo, 1Coríntios 13, ele descreveu o amor como algo que é paciente, bondoso, que não é egoísta nem orgulhoso, que não se ira facilmente. Ele falou de um amor que não guarda rancor dos erros. Ele o chamou de a maior de todas as virtudes, e tinha em mente o amor que poderíamos mostrar uns aos outros como cristãos (Gálatas 6.10, João 13.35).

O amor pelos outros continua sendo um elemento central dos ensinamentos cristãos (Lucas 10.25-37). Dada a atmosfera de ódio sempre crescente, faríamos bem em recuperar esse amor como um princípio operacional dentro da igreja e permitir que ele transbordasse para o mundo. Esse pode ser o nosso testemunho mais crucial neste momento.

Esau McCaulley (@esaumccaulley) é o autor de How Far to the Promised Land: One Black Family’s Story of Hope and Survival in the American South [O quanto falta para chegar na Terra Prometida? A história de esperança e sobrevivência de uma família negra no sul dos Estados Unidos] e do livro infantil Andy Johnson and the March for Justice [Andy Johnson e a marcha por justiça]. Ele é professor associado de Novo Testamento e teologia pública no Wheaton College.

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