Às vezes falo em voz alta, quando estou sentada na poltrona perto da mesinha de livros de manhã ou quando estou sozinha no carro, dirigindo. Se alguém entra na sala, fico um pouco envergonhada com essa exteriorização da minha oração. Mas acho que falar com Deus em voz alta é algo que ajuda a me concentrar. E está se tornando um hábito entre amigos.
Como acontece com qualquer conversa entre amigos, os tópicos que compartilho com Jesus variam de tarefas práticas a esperanças específicas, bem como perguntas mais profundas. “Você pode me lembrar de passar no correio?”. “Sou muito grata pela professora da quarta série de Rhodes este ano”. “Eu estou me sentindo sozinha hoje. Você me ajudaria a saber que está aqui comigo e a acreditar nisso?”.
Eu me pergunto se Davi falava em voz alta, quando estava compondo seus salmos pela primeira vez. Ouvi dizer que os salmos foram cantados por muitas gerações, antes de serem registrados por escrito. Sou grata pelas orações escritas e pelos hinos que me dão palavras para expressar o que está em meu coração e me ensinam a orar. Mas a arte de conversar com Deus de forma espontânea e audível parece uma prática distante. Você acha que é absurdo considerar Deus um amigo que anda conosco dessa maneira tão trivial?
Acredito que exista um modesto vislumbre desse desejo de Deus em ser nosso amigo no seu generoso convite em Deuteronômio 6.6-7: “Que todas estas palavras que hoje lhe ordeno estejam em seu coração. Ensine-as com persistência a seus filhos. Converse sobre elas quando estiver sentado em casa, quando estiver andando pelo caminho, quando se deitar e quando se levantar”.
Austin Miles, autor de vários hinos, lançou este convite para nós de forma um pouco diferente: “Venho ao jardim sozinho / Enquanto as gotas de orvalho ainda umedecem as rosas […] E ele anda comigo, e ele fala comigo / E ele me diz que sou dele”.
Como é uma conversa cotidiana entre amigos? Meu professor de literatura da faculdade certa vez usou uma caneta vermelha, para me treinar a escrever com um ponto de vista consistente, que ajudasse o leitor a entender claramente a história. Se o objetivo é entender, então, certamente faremos bem em seguir esse conselho.
Mas, talvez, ser plenamente humano signifique admitir que nosso ponto de vista é inerentemente complexo, misterioso e está sempre mudando. Como um prisma sob a luz do sol, nossas almas e histórias refletem a luz de Deus em milhares de direções ao mesmo tempo. E, diferentemente das aulas de literatura, no caso da oração é bom lembrar que nossas palavras não são classificadas com uma caneta vermelha.
Na amizade com Deus, um ponto de vista fluido nos ajuda a enxergar além do entendimento, e vislumbrar a beleza infinita de Deus. Ao falarmos abertamente com Jesus sobre os acontecimentos, os sentimentos e os relacionamentos do nosso dia, somos atraídos para um verdadeiro companheirismo e nossos corações são movidos a adorar.
Um dos meus salmos favoritos é o Salmo 62. Nele, como em grande parte da literatura poética das Escrituras, vemos súbitas mudanças de ponto de vista na voz do autor. Davi finca sua bandeira no versículo 1: “A minha alma descansa somente em Deus”. Em seguida, relata os atos fiéis de Deus nos dois primeiros versículos e, mais adiante, no versículo 5, Davi persuade a própria alma novamente a crer e a descansar: “Descanse somente em Deus, ó minha alma”.
No versículo 8, ele se vira e exorta seu povo a fazer o mesmo: “Confie nele em todos os momentos, ó povo; derrame diante dele o coração”. Por fim, Davi pessoalmente reafirma Deus, nas últimas linhas: “contigo, Senhor, está o amor leal.” (v. 12).
Deus revela suas impressões digitais em nossa vida de mil maneiras diferentes. Sua redenção se estende a cada molécula do universo, e toca a ciência, a literatura, a arte, a psicologia, a matemática e a história. Todas as coisas foram feitas por ele e para ele. Nele tudo subsiste (Cl 1.16-17) e ele age em todas as coisas para o bem supremo daqueles que o amam (Rm 8.28).
A convite de Deus e com a ajuda do Espírito Santo, que possamos derramar nosso coração para ele, em todos os momentos — em voz alta no carro, ao redor da mesa de jantar ou em uma brincadeira divertida na floresta. Que nossas palavras fluam de volta para ele, honestas e sem filtros.
Embora falar casualmente e em voz alta com Deus o dia todo possa ser uma prática social um tanto estranha, Davi nos lembra que também é uma antiga tradição de sanidade do evangelho, que alinha nosso coração ao consolo eterno da amizade com Deus.
Sandra McCracken é cantora e compositora; ela mora em Nashville. Siga-a no Twitter @Sandramccracken.
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