Sentado na primeira fila de um treinamento de supervisores, em 2016, Sean Boeger, sargento da polícia de Stamford, levantava a mão toda vez que o instrutor perguntava quem havia lidado com determinadas experiências específicas, entre as quais estavam homicídios, acidentes fatais e mortes de crianças.
Durante seus quase 30 anos como policial, Boeger, de 48 anos, ajudou na operação de resgate de corpos no Marco Zero [de Nova York], após o 11 de setembro. Quando 20 crianças foram mortas por um atirador solitário em 2012, na Escola Elementar Sandy Hook, em Newtown, Connecticut, a apenas 65 quilômetros de Stamford, Boeger se voluntariou para ajudar o pequeno departamento de polícia daquela cidade. Ele cobria os turnos da meia-noite, enquanto os policiais aproveitavam para recuperar as forças.
O instrutor do treinamento desencadeou algo em Boeger. Até aquela aula, ele nunca havia parado para pensar no efeito de testemunhar tantos traumas. Enquanto dirigia para casa naquela noite, ele também se lembrou de outro incidente, quando atendeu a um caso de uma criança pequena que caiu de uma janela do oitavo andar.
“Eu me senti sobrecarregado, meio em pânico”, ele lembrou. “Acho que fiquei mais em choque com as coisas que nunca havia analisado de forma mais atenta, e também com o impacto traumático que isso teve em mim. Porque a gente não para para pensar sobre isso.”
Então, Boeger fez algo que nunca havia cogitado antes: ele procurou a ajuda de John Revell, um capelão que recentemente estava frequentando com regularidade seu departamento.
“Não sei o que está acontecendo comigo, mas sinto que preciso falar com você”, Boeger lembra de ter dito a Revell, a quem ele chama de “Rev”. Revell o convidou para vir até a casa dele, interrompendo seu jantar com a família, e os dois passaram uma hora ou mais conversando. Isso abriu a porta para um relacionamento de longo prazo e uma eventual apreciação pela presença consistente do Rev no departamento.
Dado o aumento do estresse que a polícia vem enfrentando em todo o país, os capelães são mais necessários do que nunca para auxiliar os policiais em seu trabalho. Eles estão servindo departamentos de polícia não apenas comparecendo a cerimônias e a funerais do departamento, mas também construindo relacionamentos com os policiais e oferecendo aconselhamento para os incidentes traumáticos que eles enfrentam com tanta frequência.
Após a morte de George Floyd, em 2020, as crescentes tensões raciais e os pedidos de reforma [da polícia] têm aumentado a pressão em torno do comportamento e do desempenho dos responsáveis pela aplicação da lei, nos últimos quatro anos. Uma pesquisa do Police Executive Research Forum [Fórum Executivo de Pesquisa da Polícia] descobriu que, de 2020 a 2021, os departamentos de polícia em todo o país viram um aumento de 45% na taxa de aposentadoria e um aumento de quase 20% nas demissões, em comparação com o ano anterior.
Devido à exposição recorrente a incidentes marcados por alto nível de estresse, que envolvem até mesmo risco de morte, os policiais dos EUA em particular sofrem com problemas como altas taxas de depressão, suicídio (e ideação suicida), uso de álcool, divórcio e violência doméstica, de acordo com um estudo de 2023, publicado no Journal of Police and Criminal Psychology. Os policiais morrem mais de suicídio do que qualquer outra causa, incluindo armas de fogo ou acidentes de trânsito.
Mas muitas pesquisas, inclusive um estudo de 2023, sugerem que o acesso a capelães beneficia a saúde mental dos policiais e que a espiritualidade contribui para a resiliência diante dos sintomas de TEPT (Transtorno de Estresse Pós-Traumático).
Nas décadas passadas, a maioria dos capelães eram pastores locais. Mas, nos últimos anos, houve um aumento significativo no uso de capelães treinados especificamente para atender policiais ou que têm experiência na aplicação da lei, tanto em agências de polícia grandes quanto pequenas nos Estados Unidos e em vários outros países.
Uma das maiores redes, The International Conference of Police Chaplains [Conferência Internacional de Capelães Policiais], representa cerca de 2.500 capelães policiais em 15 países. O North American Mission Board [Conselho de Missão da América do Norte], uma organização da Convenção Batista do Sul, patrocina mais de 500 capelães que atuam nas áreas de segurança pública e primeiros socorros.
Embora Boeger, como muitos policiais, não se considere particularmente um homem religioso, sua experiência com o Rev e o programa de capelania local o convenceram do valor da capelania. O encontro com Rev propiciou a ele um apoio externo muito necessário — simplesmente ter alguém que o ouvisse e o ajudasse a não se sentir sozinho, segundo palavras dele mesmo.
“Não que [o Rev] tivesse poderes mágicos ou alguma técnica especial; a questão é ter alguém que nos entende”, disse Boeger. “A maioria das pessoas quer falar [sobre seu trauma] e expressar [o que sente], só que elas nem sempre percebem que só o que precisam é falar sobre isso e ter alguém para ouvi-las que não fique julgando. É meio simplista, mas não é um trabalho fácil.”
Revell também não vê seu papel como uma solução mágica. É sobre construir relacionamentos. “Em situações desse tipo, o que eu mais faço é ouvir”, disse ele. “Eu faço perguntas e dou [aos policiais] uma chance de se aliviarem do fardo que carregam.”
Em algumas jurisdições, capelães da polícia são contratados para celebrar cerimônias ou para atender a grandes episódios de crise, como algum evento com muitas vítimas. Mas Revell e sua equipe seguem o que eles chamam de “capelania de implantação”, que imita a capelania militar, enviando ministros para as linhas de frente domésticas. A ideia cristã por trás disso, segundo Revell, é o ministério encarnacional.
Revell, que tem 68 anos, dirige a Life Line Chaplaincy [Capenalania Linha da Vida] e é acolhido como capelão oficial de quatro departamentos de Connecticut, incluindo o departamento estadual, e como capelão de plantão, não oficial, de vários outros.
Nessas funções, os capelães da polícia não aparecem apenas depois que um policial morre no cumprimento do dever ou para dar suporte a policiais que participaram de cenas terríveis. Eles também cuidam da vida pessoal dos policiais: o nascimento de um filho natimorto, a morte de um dos pais, o apoio contínuo ao cônjuge e, às vezes, dizer algumas palavras no funeral de um policial.
“Especialmente no caso de policiais, não se pode simplesmente escolher uma pessoa aleatória e desabafar todas essas coisas”, disse Boeger. “Quando a pessoa se abre com alguém, está colocando um fardo sobre [quem a ouve].”
Para o tenente da polícia de Stamford, Doug Deiso, um capelão como o Rev propicia um aspecto espiritual reconfortante ao trabalho dos policiais. “As pessoas que trabalham com a aplicação da lei são personalidades do tipo A e acham que podem lidar com os problemas sozinhas”, disse Deiso. “Mas com ele [Rev], as coisas nem sempre são levadas de forma séria ou severa. Você pode dar um abraço nele. E quando ele chega e vê que estou ocupado, não tenta me encurralar num canto [me pressionar].”
Certamente, o papel de um capelão também envolve auxiliar os policiais em seu campo de atuação, sujeito a altíssimo nível de estresse. Revell, por exemplo, se faz presente pegando “carona” nas viaturas e acompanhando os policiais em serviço, agendando bate-papos no café da manhã e comparecendo regularmente à sede do departamento. Ele também responde a incidentes de emergência para atender policiais, quando algum chefe de polícia solicita.
“Com o passar do tempo, há um acúmulo de traumas e de estresse na carreira de quem presta os primeiros socorros e atendimentos”, disse Boeger. “Se você trabalha em uma área de muita turbulência, vai acumular microtraumas ao longo dos anos.”
Embora a capelania seja um sólido recurso para os departamentos de polícia, não é o único fator que pode ajudar os policiais a lidar com a situação. Hoje, as academias de polícia estão ensinando os policiais sobre como reagir bem e lidar melhor com os fatores de estresse do trabalho. Mas, como duas décadas atrás isso não estava disponível, a cultura policial ainda está passando por uma mudança. Expressar sentimentos é visto como um sinal de fraqueza, já disseram vários policiais. Sobretudo as policiais sentem essa pressão de serem vistas como profissionais fortes e que não expressam emoção.
Os departamentos de polícia sempre se preocuparam com a saúde física, mas, nos últimos anos, têm tratado cada vez mais da saúde mental e dos traumas, disse Rodney Valdes, policial estadual de Connecticut e coordenador de programas de apoio entre pares e capelania do estado.
“Somos feitos de mente, corpo e espírito/alma”, disse Valdes. “Estamos cuidando do corpo e da mente, mas frequentemente negligenciamos a terceira parte — o espírito. Como podemos introduzir a espiritualidade em uma cultura policial, que é bastante anti[religião]?”
Esse tipo de lesão ao espírito, que ocorre após participar ou testemunhar algum episódio que fere a consciência — como algum comportamento cruel ou crime — é hoje conhecido nos círculos de capelania como lesão moral. Pode acarretar profunda vergonha, culpa ou até mesmo desespero. Os capelães têm um papel único a desempenhar no tratamento dessas feridas, de maneiras que um médico ou um terapeuta pode não ser capaz de fazer.
Os departamentos de polícia nem sempre recebem bem os capelães. Mesmo com a conscientização crescente em torno do apoio emocional, é difícil ganhar confiança, e os policiais têm dificuldade para perceberem que precisam receber cuidados espirituais ou holísticos. Revell passou anos com vários chefes de polícia consecutivos, conquistando a confiança deles para si mesmo e para seu trabalho fazendo-se presente e passando tempo nos departamentos de polícia.
Hoje, além da capelania, recursos complementares — como programas de suporte peer-to-peer [uma rede de apoio mútuo entre policiais e compartilhamento de experiências] e de assistência a funcionários — também oferecem aconselhamento. Nesta primavera, Revell organizou uma conferência inaugural de bem-estar para prestadores de primeiros socorros, com cerca de 300 participantes.
Revell e muitos outros veem sua liderança espiritual meramente como humilde obediência ao comando bíblico de “carregar os fardos uns dos outros” (Gálatas 6.2).
“Eles [os policiais] são forçados a enfrentar toda essa escuridão. É fácil ficar sobrecarregado em meio a tantas trevas”, disse Revell. “Meu objetivo é ser uma fonte de luz para eles. O alvo é que vejam a luz de Cristo, de forma tangível, em minha capacidade de caminhar com eles.”
Não é apenas a persistência de Revell que causa impacto, acrescentou Deiso, mas também sua política de portas abertas — e o chili e os cookies que a esposa dele faz.
Para Boeger e Deiso, essa vocação do capelão de estar presente já é apoio suficiente.
“A coisa mais importante para mim é que [o Rev] ficou ao meu lado, quando tivemos pessoas perdendo suas vidas”, disse Deiso. “Ele ficou ao meu lado na chuva, no frio, e em nenhum momento reclamou disso. Ele chorou por nós e conosco. Eu já o vi enfrentar um clima de cinco graus durante funerais. E ele fez isso por muitas horas. Isso é impactante.”
Kara Bettis Carvalho é editora de ideias da Christianity Today. Este artigo recebeu apoio de uma bolsa do Chaplaincy Innovation Lab [Laboratório de Inovação da Capelania], da Brandeis University, em parceria com o Templeton Religion Trust.