O refrão “He is for you” [Ele é por você] não é fácil de traduzir para o espanhol. Na versão em inglês da música “The Blessing”, do grupo Elevation Worship, essa frase se repete e vai construindo um crescendo a cada repetição. Mas, na letra em espanhol, a frase foi traduzida por “Él te ama”, ou seja, “Ele te ama”.
“Fico feliz que os tradutores tenham feito isso”, disse o músico e tradutor Sergio Villanueva, que pastoreia uma congregação hispânica na Wheaton Bible Church, em Illinois. “Para transmitir essa ideia em espanhol — ‘Ele é por você’ — teríamos que usar muito mais palavras. O espanhol é uma língua bonita, mas usamos mais palavras e palavras mais longas.”
Essa escolha de tradução no cântico “The Blessing” (“La Bendición”, em espanhol) reflete um interesse crescente entre artistas de adoração de língua inglesa em fazer traduções, isto é, versões de suas músicas que sejam bem pensadas, fáceis de serem cantadas e informadas pela cultura.
Frequentemente, os artistas são propensos a usar traduções que sejam o mais próximas possível de uma tradução palavra por palavra. Mas, à medida que compositores influentes e megaigrejas aumentam seu alcance, equipes de tradutores estão ajudando a produzir novas versões de músicas de adoração populares que sejam fiéis à versão original, mas sem tentar replicar palavras que não sejam tão acessíveis ou tão expressivas em outra língua.
“Temos de honrar a intenção do compositor original, mesmo que isso signifique alterar exatamente o que as palavras dizem”, disse Villanueva, que já fez traduções para Keith e Kristyn Getty, Sovereign Grace Music e Kari Jobe.
O ritmo da tradução e da distribuição internacional de músicas de adoração feitas em língua inglesa acelerou nas últimas quatro décadas, mas de forma não consistente.
Na década de 1980 e início dos anos 90, a Integrity Music passou a lançar gravações em espanhol, começando com Maranatha!, álbum de 1981 intitulado Quiero Alabarte (Quero Te Louvar). A Hosanna! Music criou um público internacional, por meio de suas vendas diretas de cassetes ao consumidor.
À medida que a música de adoração contemporânea decolou como gênero distinto, no final dos anos 90 e início dos anos 2000, canções de artistas importantes como Matt Redman, Hillsong e Tim Hughes encontraram um público global entusiasmado.
O crescimento do cristianismo evangélico no Sul Global coincidiu com a proliferação internacional das músicas de adoração contemporâneas; em 2020, havia, no mundo inteiro, mais cristãos falando (e cantando) em espanhol do que em qualquer outra língua.
Villanueva lembrou que o álbum More Than Life, de 2004, da Hillsong United, repercutiu nas igrejas latino-americanas e ampliou o perfil do grupo na região. “Naquele tempo, cada um fazia sua própria tradução. Havia inúmeras versões de ‘Here I Am to Worship’ [Aqui estou para adorar’]. Cada um tinha a sua”, disse ele.
O álbum também ganhou popularidade no Canadá, quando Jonathan Mercier, ex-pastor criativo da Hillsong Church Paris, fez parte de um grupo de jovens em Cornwall, Ontário. Na época, ele frequentava uma igreja batista de língua francesa, que cantava hinos tradicionais franceses. Quando o álbum Mighty to Save, da Hillsong United, foi lançado, em 2006, Mercier traduziu ele mesmo algumas das músicas para um acampamento de jovens que falavam francês. Quando faziam as traduções por conta própria, segundo ele, as congregações tinham autonomia para elaborar novas letras que se adaptassem ao seu idioma e ao seu contexto cultural.
À medida que a Hillsong se expandiu, na década de 2000 — após o sucesso de “Shout to the Lord” [Aclame ao Senhor], na voz de Darlene Zschech —, a organização começou a fazer traduções para o espanhol, o francês e outros idiomas. A música das megaigrejas já havia entrado no mercado americano por meio da Integrity, que lançou “Shout to the Lord” pela Hosanna! Music, em 1996.
Mercier se lembra de ter lido algumas dessas primeiras versões para o francês, durante um estágio no braço editorial da Hillsong. “Não dava para cantar as versões que existiam”, disse ele. “Elas eram muito literais.”
Mercier, assim como Villanueva, descobriu que os compositores das músicas tendiam a favorecer versões que tentavam preservar exatamente as mesmas palavras, muitas vezes à custa do lirismo e da fluidez da letra.
“A tradução é uma arte”, disse Mercier, que já traduziu mais de 100 músicas para a Hillsong. “Algumas músicas realmente são fáceis de traduzir; já outras exigem muito trabalho criativo e interpretação.”
Villanueva diz que, quando os compositores confiam o cuidado da letra aos tradutores, a música sempre sairá beneficiada. O trabalho de um tradutor é, em partes iguais, linguístico, musical e teológico. A economia das palavras pode ser crítica.
“Imagine que você more em uma casa grande e esteja se mudando para um apartamento”, disse ele. “Você tem duas opções: pode tentar manter todos os móveis e morar em um espaço apertado ou pode abrir mão de algumas coisas.”
A decisão de traduzir “He is for you” por “Él te ama” [“Ele te ama”], na música “The Blessing”, ilustra os benefícios de uma abordagem musical ampliada e da flexibilidade por parte dos compositores originais, disse Villanueva.
A frase “He is for you” [Ele é por você] evoca a proteção e a defesa de Deus em nosso favor. Ela ressalta a mensagem da música sobre a bênção e o favor de Deus serem algo que é ativamente concedido. “He loves you” [Ele te ama] tem um tom diferente. Mas não tem problema, na opinião de Villanueva. A frase não tem um correspondente direto em espanhol, e a bênção de Deus flui do amor dele por nós. Essa tradução é uma escolha lógica.
O grande envolvimento de um tradutor pode criar complicações econômicas. Mercier supervisionou a tradução e as gravações em francês para o Hillsong Global Project, uma série de compilações, feita em 2012, de nove álbuns de adoração em nove idiomas diferentes, entre eles o espanhol, o francês, o alemão, o português, o mandarim e o russo.
Em alguns casos, Mercier aparece nos créditos como compositor. Em outros, não. O reconhecimento e a compensação são inconsistentes.
“A questão dos royalties é complicada, por causa dos contratos com os compositores originais”, disse Mercier. “Os compositores originais precisariam concordar em abrir mão de uma parte dos royalties [pagos] por suas músicas.”
Mercier não se preocupa muito com isso. Seu trabalho é pago por sua igreja, como é o caso de muitos tradutores. Mas as traduções para uma megaigreja global como a Hillsong têm potencial de gerar receitas substanciais, e o trabalho de tradução é cada vez mais supervisionado pelas organizações.
Algumas optaram por pagar aos tradutores uma quantia fixa. Villanueva faz parte do conselho editorial que supervisiona o processo de tradução da Sovereign Grace Music e recebeu créditos pela composição de uma série de músicas, incluindo aquelas que ele traduziu para o álbum de 2012 de Kari Jobe, Donde te Encuentro [Onde te encontro]. Segundo Villanueva, em muitos casos ele ganhou mais ao receber uma quantia fixa do que jamais receberia em royalties.
A exportação das músicas de adoração do mundo de língua inglesa intensificou-se com a globalização e a ascensão do streaming. Músicas de Hillsong, Kari Jobe, Chris Tomlin e Elevation aparecem nas setlists de domingo, em igrejas do mundo todo. Alguns se perguntam se o atual ritmo de exportação é saudável ou se beira o colonialismo cultural.
“Tenho a tendência de suspeitar de traduções”, disse Marcell Silva Steuernagel, professor assistente de música sacra na Southern Methodist University, que iniciou sua carreira como líder de louvor no Brasil. “A cultura nunca se propaga de forma neutra.”
Ainda assim, diz Silva Steuernagel, é preciso ser pragmático e pastoral.
“Quando lidero o louvor no Brasil, não estou tentando me livrar da Hillsong. Essa é uma proposta impossível”, disse ele, “e que pode cortar vínculos com pessoas que valorizo.”
Villanueva também enxerga que há espaço para músicas de adoração importadas e adaptadas. Mas acrescentou que adorar em sua própria língua é algo excepcionalmente poderoso, sem igual.
“Nada se compara à língua natal em resposta a Deus”, disse Villanueva. “Precisamos de ambas. E precisamos de sabedoria e de humildade para abraçar o que é necessário de ambas.”
Kelsey Kramer McGinnis é correspondente da CT na área de música.