Os pastores brasileiros se preocupam com o fato de um sermão semanal não ser suficiente para competir com os influencers cristãos superpopulares nas mídias sociais, a quem os membros de suas igrejas ouvem no restante da semana.
Eles [os pastores] reconhecem que a Internet tem desempenhado um papel fundamental no crescimento do cristianismo evangélico no Brasil. No entanto, ela também tem ajudado a tornar os ensinamentos heréticos e a indústria de influencers cristãos mais difundidos do que nunca. Assim, como igrejas e instituições ortodoxas podem reagir a esse cenário?
Duas pesquisas recentes mostram que os YouTubers e podcasters cristãos brasileiros têm mais influência do que os líderes das denominações e os pastores de megaigrejas do país.
O Quaest, um instituto de pesquisa de opinião pública, descobriu que os principais líderes evangélicos foram superados por influencers cristãos em quesitos como fama, engajamento e mobilização.
Segundo a pesquisa, o JesusCopy, canal do YouTube, é mais popular do que Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, a quarta maior denominação do país. O podcast de teologia Bibotalk é mais popular do que o bispo Robson Rodovalho, fundador das igrejas Sara Nossa Terra, um movimento neopentecostal.
Outra pesquisa — realizada pelo Nosotros, um grupo de consultoria criado pelo antropólogo Juliano Spyer — constatou que as vozes evangélicas tradicionais tendem a ficar mais isoladas e a ser menos importantes para o debate on-line.
“Influenciadores como o deputado Marco Feliciano e o bispo Edir Macedo não se destacam em relação a outros evangélicos que têm um papel central nesta rede”, disse Spyer. “Nomes como o da cantora e pastora Eyshila, o da pastora Camila Barros, o do cantor e compositor Anderson Freire e o da pastora e cantora Midian Lima podem ser menos conhecidos por quem não é evangélico, mas estão entre os principais influencers neste campo”.
Na melhor das hipóteses, as mídias sociais ajudaram a alçar o cristianismo evangélico a um lugar de relevância e aceitação na sociedade contemporânea. Em vez de serem conhecidos por suas posições antiquadas contra o Carnaval, a TV, as novelas e o futebol, os evangélicos nas mídias sociais romperam estereótipos e se apresentaram como comunicadores descolados e conectados.
No entanto, junto com esse entusiasmo por uma nova forma de comunicar o evangelho surgiram alguns líderes abusivos e ensinamentos nada ortodoxos.
O Movimento Galpão — cujo nome faz referência ao prédio em que funcionava — foi fundado em 2021, em Alphaville, rico subúrbio da cidade de São Paulo. O movimento realizava cultos semanais para jovens e os transmitia para milhares de espectadores nas mídias sociais. A cara do movimento era Victor Bonato, um influencer com 145 mil seguidores no Instagram.
A história do Galpão terminou em escândalo, em setembro do ano passado, quando Bonato — pseudônimo usado por Victor de Paula Gonçalves, um profissional de marketing digital de 27 anos — foi preso sob acusação de ter cometido crimes sexuais contra três mulheres. O Galpão, então, declarou que Bonato não fazia mais parte do movimento. Uma semana depois, o espaço fechou para “reforma”.
“Essa reforma significa um novo tempo, tempo de conexão, de acessar novos níveis em Deus, tempo de alinhamento”, diz um comunicado postado no Instagram, “e nós convidamos vocês a fazerem o mesmo no seu secreto; em breve estaremos retornando com nossa nova agenda”. O movimento não postou mais nada desde então.
Os líderes evangélicos anseiam por ver os jovens se unirem e crescerem na fé, mas alertam sobre líderes sem preparo teológico adequado, sem experiência pastoral ou sem supervisão.
Uma das razões para o problema, segundo o teólogo pentecostal Gutierres Fernandes Siqueira, é a falta de preparo teológico adequado e de experiência pastoral.
“O apóstolo Paulo alertou sobre o perigo de neófitos na fé se tornarem líderes ou mestres”, disse Gutierres, lembrando que um presbítero “não pode ser recém-convertido, para que não se ensoberbeça e caia na mesma condenação em que caiu o Diabo” (1Timóteo 3.6).
“Como consequência do rápido crescimento do cristianismo evangélico no Brasil, há pessoas que acabaram de se converter e agora estão assumindo o papel de influenciador”.
Historicamente, para ser líder era preciso ter uma formação em estudos teológicos ou anos de serviço em uma igreja local, antes de ter a oportunidade de pregar para uma congregação. Assim, ainda que os cristãos busquem ensino para além dos próprios púlpitos, eles devem fazer certas perguntas sobre os criadores de conteúdo e sobre o conteúdo em si.
O pastor Sérgio Queiroz, fundador da Cidade Viva, uma igreja batista de João Pessoa, recomenda que os cristãos levem em conta a formação espiritual, as qualificações e as motivações de um influenciador.
“O influenciador hoje vive um verdadeiro dilema entre produzir um conteúdo mais aprofundado e cuidadoso e produzir um vídeo curto, de fácil consumo e com maior chance de viralizar”, disse Queiroz, que também é professor da Faculdade Internacional Cidade Viva. “Um produtor de conteúdo respeitável deve sempre preferir a profundidade à viralidade.”
Para os recém-chegados à fé, as tentações são muitas. As mídias sociais cristãs no Brasil constituem um ecossistema de negócios que se retroalimenta em larga escala.
Com a crescente popularidade dos influenciadores, as mídias sociais se tornaram uma tentadora oportunidade de negócios para os cristãos brasileiros.
O número de aspirantes a esse posto é tão grande que deu origem a movimentos como O Retiro, que se apresenta como “o maior encontro de influenciadores cristãos do mundo” e cuja “missão é espelhar o evangelho por toda terra através das redes sociais”.
Criado pelo pastor e evangelista Guilherme Batista, O Retiro realiza eventos para centenas de influenciadores cristãos, e chega a cobrar até R$ 600 (US$ 150) por ingresso.
Mas as contas virtuais desses influenciadores tendem a oferecer um conteúdo do tipo autoajuda — com menos evangelismo e mais frases motivacionais. Segundo o relatório da pesquisa da Nosotros, 30% dos influenciadores cristãos podem ser rotulados primordialmente como palestrantes motivacionais. (Do restante, 25% compartilham conteúdo político e 45% produzem conteúdo devocional).
“Onde quer que haja uma teologia propensa ao estímulo da autoestima dos fiéis, ao individualismo como doutrina ética e ao empreendedorismo como racionalidade econômica, lá estará o coaching como um instrumento ou como uma possibilidade eclesiológica”, disse Taylor de Aguiar, antropólogo cuja tese de doutorado trata das práticas de coaching no meio evangélico.
“[…] no Instagram, as pessoas parecem sempre felizes e dispostas a compartilhar tudo o que convier como bom a si mesmas e, por extensão, aos outros”, disse ele. “Quem seria capaz de ser crítico ao receber um vídeo com palavras bem ditas, sensatas e emotivas, sobre vencer a procrastinação, superar o luto ou crescer na vida profissional, deixando os obstáculos para trás?”
Mensagens como essas têm seu lugar no ensino cristão, mas os críticos se preocupam que as motivações econômicas e os algoritmos das mídias sociais estejam enfatizando essas mensagens em demasia, e que a igreja esteja ficando muito dependente desse tipo de conteúdo de autoajuda.
Além disso, esse conteúdo reforça uma inclinação de parte da igreja em favor da ideia de que é possível pregar on-line sem ter estudo teológico. “A tradição evangélica no Brasil tem esse lado anti-intelectual”, disse Gutierres. A presença desse ativismo digital, conclui ele, é uma espécie de herança dessa tradição.
“Esses influenciadores podem até pensar que não precisam de preparo, e que apenas retórica e um bom slogan bastam. Mas igreja é muito mais do que isso.”
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