Há duas semanas, quando a TV mostrou ao vivo um diálogo entre duas estrelas pop brasileiras, é provável que poucos tenham imaginado que essa conversa daria início a um debate sobre o fim dos tempos.
Em 11 de fevereiro, em pleno Carnaval, Baby do Brasil se juntou à veterana Ivete Sangalo em um trio elétrico, um caminhão equipado com um potente sistema de som, que percorre as ruas seguido por foliões. Nas ruas de Salvador, cidade de quase três milhões de habitantes no Nordeste do Brasil, as duas se cumprimentaram e trocaram breves elogios sobre suas carreiras.
Então, Baby do Brasil pegou o microfone e disse:
“Todos atentos porque nós entramos em apocalipse”, disse ela. “O arrebatamento tem tudo para acontecer entre cinco e dez anos. Procure o Senhor enquanto é possível achá-lo”.
Ivete Sangalo, que aparentemente não havia previsto que sua colega se aventuraria a falar de escatologia, fez uma piada grosseira.
“Eu não vou deixar isso acontecer porque não tem apocalipse certo quando a gente maceta o apocalipse”, disse ela, fazendo uma alusão à sua nova música, “Macetando”.
Baby do Brasil replicou pedindo a ela que cantasse “Minha Pequena Eva”, um sucesso de Ivete dos anos 90, que fala de um casal que se isola em uma nave espacial, quando começa uma guerra atômica na Terra.
“Vou cantar ‘Macetando’ porque Deus está mandando”, respondeu Ivete.
E enquanto Baby do Brasil gritava “Ô, glória”, Ivete começou a cantar.
A constrangedora troca de palavras logo viralizou, gerando muitos comentários, inúmeros memes e um âncora de um programa de TV que até mesmo disse: “Vamos ser felizes antes do apocalipse”. Desdenhada por muitos brasileiros (um tweet descreveu a troca de palavras como “palhaçadas de um crente”), a referência ao Arrebatamento também dividiu os evangélicos, pois alguns deles consideraram as palavras de Baby corajosas e outros, inadequadas.
“Talvez você pense que Carnaval não é lugar de crente, também concordo. Mas ela é uma profissional da música, e no meio do seu trabalho, da sua profissão, ela obedece a Jesus, ela é sal da terra e luz do mundo", escreveu Pedro Barreto, pastor sênior da Comunidade Batista do Rio, no Instagram.
Em apenas alguns minutos, disse ele, esse tipo de comunicação poderia alcançar “mais gente do que eu alcancei em meus 20 anos de ministério”.
Em contrapartida, o YouTuber cristão Zé Bruno escreveu no X que “Baby do Brasil foi infeliz no que disse e quando disse. Este episódio é um exemplo de falta de sabedoria e bom senso.”
Provavelmente, acrescentou ele, Ivete não entendeu todo o discurso como teológico, mas “como algo ruim, que provoca medo. É assim no imaginário popular.”
Como indica o número crescente de igrejas, os evangélicos em geral têm sido bem-sucedidos em compartilhar o evangelho no Brasil. Mas, como sugere o comentário de Barreto, alguns acreditam que a igreja prega com muita frequência para seus pares, raramente se aventurando a alcançar os que estão além deles.
Por exemplo, os evangélicos geralmente evitam o Carnaval. Enquanto as ruas ficam lotadas de pessoas dançando e brincando, as igrejas organizam retiros e cultos especiais destinados a manter seus membros longe de cenas que, em sua maioria, consideram imorais. Como resultado, mesmo o movimento evangélico tendo crescido significativamente nas últimas décadas, sua influência na época do ano mais conhecida do país continua insignificante.
Mas será que existe um momento apropriado para abordar em praça pública questões teológicas complexas?
“Depende muito das lentes hermenêuticas que usamos para interpretar o que o Senhor espera de nós”, disse Marcos Amado, fundador do Martureo Centro de Reflexão Missiológica, um centro ministerial que treina missionários. “Devemos pregar a tempo e fora de tempo, como nos diz 2Timóteo 4.2. Mas o que isso significa hoje?”
Segundo Amado, alguns dirão que o dever é pregar, portanto, as consequências e os frutos dependem de Deus. Outros equilibrariam essa posição com 1Pedro 3.15-16, que exorta os cristãos a falarem com mansidão e respeito.
“Na minha opinião, não há, biblicamente falando, momento inapropriado para testemunhar de Jesus”, disse ele. “O que há são formas e assuntos inapropriados, dependendo do momento e das circunstâncias.”
A zombaria e o escárnio generalizados sobre os comentários de Baby do Brasil sugerem que a sociedade brasileira — a maior população de católicos do mundo há tempos — ainda está tentando entender os evangélicos, um grupo que chegou a representar 6,5% dos brasileiros até 1980. Os evangélicos brasileiros não podem agir como agem os evangélicos nos Estados Unidos, onde são figuras públicas com autoridade que podem pressupor certo nível de conhecimento público sobre a Bíblia e a teologia cristã, devido à longa história protestante do povo americano.
Hoje, cerca de um terço da população brasileira de 203 milhões de habitantes é evangélica, e essa mudança nos números deve levar a uma reflexão sobre o aumento do escrutínio público que eles estão recebendo, diz o teólogo pentecostal Gutierres Fernandes Siqueira. Por exemplo, embora a ideia do Arrebatamento provavelmente seja amplamente aceita pela maioria dos evangélicos brasileiros, 60% dos quais são pentecostais, a teologia do pré-milenismo está longe de ser a corrente principal.
“Um dos problemas com o crescimento é que muita gente se sente à vontade para discutir em público temas que antes ficavam restritos a grupos de estudo bíblico”, disse Fernandes.
Isso não significa que Deus não esteja presente nessas iniciativas. “Em minha jornada de fé, tenho visto Deus usar as situações mais inusitadas para tocar o coração de alguém”, disse Amado. “Mas, em circunstâncias normais, questões desse tipo devem ser abordadas depois que outros conceitos cristãos básicos já tiverem sido apresentados, e em um momento em que se possa interagir, fazer perguntas e obter respostas.”
“Creio que haveria formas e temas bíblicos mais adequados para o momento [do Carnaval] do que o Arrebatamento, que facilmente acaba sendo motivo de chacota, quando não há as condições adequadas para explicar o assunto de forma apropriada”, disse ele.
As igrejas deveriam estar mais bem preparadas e prontas para aproveitar essas oportunidades, acrescenta Fernandes. Ele recomenda que as igrejas treinem especialistas em questões polêmicas como o fim dos tempos ou a evolução. Quando os cristãos estiverem preparados, eles poderão não apenas aproveitar as oportunidades, mas também buscar espaços para compartilhar suas convicções.
“Veja, por exemplo, o debate sobre sexualidade”, disse Fernandes. “Evangélicos vão debatendo nas redes sociais, mas você não vê muitos de nós em congressos de saúde pública, onde poderíamos fazer diferença.”
Em vez de especialistas apresentando com mais frequência suas opiniões ponderadas ao público em geral, Fernandes acha que há muitos cristãos desinformados compartilhando suas opiniões polêmicas nas mídias sociais.
“O problema é que hoje nós só temos esses ativistas”, disse ele.
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