Evangélicos e ortodoxos são aliados na fé?
Embora ambos confessem o Credo Niceno, a população da Ortodoxia nos Estados Unidos, que é menor, permanece obscura para a maioria dos fiéis americanos, especialmente quando comparada à de católicos. Muitos pensam na Ortodoxia como uma religião nominal com suas catedrais vazias lá na Europa Oriental e na Rússia.
No entanto, há também uma consciência quanto a um número nada insignificante de evangélicos convertidos à Ortodoxia, atraídos por suas raízes ancestrais e pela prática dos sacramentos.
Bradley Nassif conhece esses dois mundos. Criado no Kansas — onde seus avós libaneses, imigrantes, ajudaram a fundar a St. Mary’s Antiochian Orthodox Church [Igreja Ortodoxa Antioquiana de Santa Maria] —, sua transformação espiritual ocorreu por meio de sua congregação local, de um sermão de Billy Graham e da participação em um estudo bíblico no ensino médio. Mas, embora tenha permanecido em sua igreja de origem, ele se tornou diretor acadêmico do Fuller Seminary e agora é professor de Novo Testamento e diálogo ortodoxo-protestante, na Antiochian House of Studies, com sede na Califórnia.
John McGuckin, professor da Universidade de Oxford, disse que Nassif, líder da Iniciativa Lausanne-Ortodoxa (LOI), é “o maior especialista mundial” em diálogo ortodoxo-evangélico. A CT conversou com Nassif sobre seu livro lançado em 2021, The Evangelical Theology of the Orthodox Church [A Teologia Evangélica da Igreja Ortodoxa]:
Você disse: “Sou ortodoxo e, portanto, evangélico”. Como a Ortodoxia aborda os marcadores gerais da fé evangélica?
A Ortodoxia Oriental abraça o clássico quadrilátero de Bebbington de biblicismo, crucicentrismo, conversionismo e ativismo, mas o transcende, por meio de uma visão maximalista da Encarnação em sua vida litúrgica, sacramental e espiritual. O evangelho permeia a igreja — não apenas no que diz respeito a Jesus ter morrido por nossos pecados e à necessidade de fé pessoal, mas incluindo toda a história de Jesus, desde a criação até a consumação. Isso implica que a plenitude, a catolicidade da fé está formalmente presente na Igreja Ortodoxa. Então, sim, sou ortodoxo e, portanto, evangélico, em um sentido encarnacional, trinitário e holístico da palavra evangelho.
Quais são as diferenças teológicas mais significativas entre nós?
Muitas encontram-se na maneira como nos apropriamos do passado e em nossa compreensão da natureza da igreja. Os evangélicos e os ortodoxos têm um interesse comum na história cristã, mas os ortodoxos estão mais organicamente ligados ao passado do que nossos irmãos e irmãs evangélicos, cujas comunidades estão apenas vagamente conectadas à plenitude da fé e do regime do cristianismo histórico.
Os evangélicos parecem não saber que a igreja primitiva é a igreja ortodoxa. As congregações que eles encontram nas páginas da Antiguidade são tratadas como se fossem um corpo invisível de crentes, em vez de uma comunidade visível de igrejas ortodoxas locais. Essas igrejas compartilhavam da mesma fé e dos mesmos sacramentos, eram lideradas por bispos que estavam em comunhão uns com os outros na sucessão apostólica, algo que se estende até os dias atuais.
Em contraste, os evangélicos enfatizam o corpo invisível de Cristo como a base da unidade, e parecem satisfeitos em permitir a desunião visível existente no cristianismo atual. Os ortodoxos, entretanto, afirmam que isso é um antitestemunho prejudicial à verdade do evangelho.
Outra diferença fundamental de mentalidade está na hermenêutica da interpretação bíblica. Nós concordamos que a Bíblia é a fonte da revelação divina e o padrão pelo qual todas as crenças cristãs devem ser avaliadas. Mas discordamos quanto ao papel da comunidade cristã em testar nossas conclusões exegéticas, à luz da tradição apostólica que foi transmitida ao longo da vida da igreja. O Espírito Santo inspirou não apenas o processo de escrita das Escrituras, mas também sua interpretação.
Essa diferença ajuda a explicar por que as igrejas ortodoxas escaparam dos aspectos destrutivos da teologia protestante liberal, que permeiam as principais denominações e os círculos progressistas de hoje. A confiança na Sagrada Tradição impede que os intérpretes bíblicos tenham uma confiança idólatra em suas próprias conclusões exegéticas, testando-as em contraste com a fé comum da comunidade cristã mais ampla.
Pode ainda haver um consenso antigo e preservado de erros?
Nem tudo que foi recebido do passado tem o mesmo valor ou é necessariamente verdadeiro. A mentalidade ortodoxa é no sentido de “seguir os santos Padres”, conforme declarado no preâmbulo da Definição de Calcedônia (451 d.C.), mas não apela meramente para o passado, como se este fosse a única fonte da verdade. Antiguidade por si só não é prova da verdade; ela pode ser meramente um erro antigo! “Seguir os santos Padres” significa abraçar não apenas seu testemunho de fé, mas também seu método de raciocínio teológico.
Por exemplo, no oitavo século, o mundo ortodoxo viveu mais de 30 anos com o entendimento de que os ícones eram idólatras. Essa decisão foi aprovada pelos bispos no Concílio de Hieria, mas foi revogada em 787 d.C., pelo Sétimo Concílio Ecumênico em Niceia. Em ambos os casos, as fontes teológicas eram as mesmas: as Escrituras, os concílios anteriores e a tradição. A diferença no resultado é atribuída à orientação do Espírito Santo, dando testemunho ao longo do tempo através da recepção na igreja.
Aqui tocamos no mistério da doutrina ortodoxa da igreja, que protestantes e católicos geralmente acham difícil de entender. Nem as Escrituras nem o Papa são o único critério de verdade. Há um vínculo inseparável entre o Espírito Santo, que vive misteriosamente na igreja, e seus dogmas, adoração e vida espiritual.
A imagem de uma bela flor pode ilustrar esse ponto. Digamos que as raízes da flor representem a igreja. A igreja, por sua vez, está conectada ao caule, que representa a doutrina, e desse caule doutrinário brota uma bela flor, que é a vida espiritual e litúrgica da igreja. As raízes, o caule e a flor formam um todo, são uma coisa só.
Mas abraçar o caule doutrinário dos concílios de Niceia ou Calcedônia, como fazem os evangélicos, e, ao mesmo tempo, rejeitar a raiz que o produziu e a flor espiritual que dele brota, é algo que viola a integridade orgânica da flor. Isso separa o caule tanto de suas raízes vivificantes quanto de sua flor espiritual. Os ortodoxos acreditam que o Espírito Santo mantém intacta a flor inteira, pois a vida de uma parte da flor é a vida de todas as partes dela.
Os evangélicos precisam se converter às crenças ortodoxas?
Conversão é uma palavra que se refere propriamente à nova vida que é dada por Deus, quando alguém se torna cristão. Nesse sentido, a maioria dos evangélicos que conheço já é convertida. Mas a questão de mudar a filiação de alguém a uma igreja é muito pessoal, e cada indivíduo deve responder por si mesmo.
A ortodoxia acredita que a igreja na Terra deve permanecer visivelmente unida. Como ficam, então, os evangélicos e outros cristãos que não estão visivelmente unidos a ela? Diferentes grupos ortodoxos responderiam de maneiras diferentes.
Um grupo mais rigoroso diz que qualquer pessoa que não seja ortodoxa não pertence à igreja. A graça pode estar ativa em igrejas não ortodoxas, mas as pessoas pertencentes a outras igrejas não podem ser consideradas membros. Portanto, os evangélicos, como todos os demais, devem se converter e se tornar ortodoxos ou correm o risco de perder a salvação.
Um grupo mais moderado, entretanto, acredita que, embora exista apenas uma igreja, há muitas maneiras de se relacionar com ela. Nesse espírito, não tenho dúvidas de que os crentes evangélicos já estão na igreja ortodoxa, o corpo de Cristo, mesmo que estejam visivelmente separados dela. Esse não é o testemunho que Deus deseja, mas se alguém está “em Cristo”, deve, em algum sentido, estar “na igreja”. Uma experiência espiritual muito mais plena, entretanto, pode ser encontrada na vida litúrgica e sacramental da Igreja Ortodoxa, para qualquer pessoa que assim desejar.
Ao redor do mundo, quantos ortodoxos são, “portanto, evangélicos”?
Todos os ortodoxos são evangélicos na doutrina, mas nem sempre na prática. Com muita frequência, vivemos em um gueto dourado, cercados de tesouros teológicos, mas em pobreza espiritual. Esse é o elefante na sala que remonta, no mínimo, ao quarto século, quando o cristianismo se tornou a religião oficial de Roma. Não estou dizendo que a união entre igreja e Estado foi inerentemente errada, mas ela teve suas deficiências, entre as quais estão o formalismo sem vida e a fé nominal.
Os sermões de São João Crisóstomo oferecem um testemunho eloquente do estado carnal do cristão comum. Pouco mudou ao longo dos séculos desde então. Felizmente, o surgimento do monasticismo, no quarto século, salvou a integridade do cristianismo, ao preservar o espírito evangélico da igreja.
No entanto, devemos honrar os ortodoxos, por preservarem a fé durante a dura perseguição e a humilhação social sofrida sob os domínios islâmico e comunista. Mas, como uma flor de primavera que brota após o degelo do inverno, o cristianismo ortodoxo está passando por um renascimento no século 21.
E, espiritualmente, embora a Ortodoxia nos Estados Unidos compartilhe do mesmo desafio do nominalismo que existe em terras ortodoxas tradicionais, ela parece mais viva devido, em grande parte, à influência renovadora dos convertidos evangélicos. De muitas maneiras, a Igreja Ortodoxa na América está na melhor condição espiritual que já esteve na vida.
Uma vez que despertou de novo para a centralidade do evangelho, o que a Igreja Ortodoxa deve fazer de diferente, para evangelizar seu próprio povo?
A Ortodoxia não pode nutrir seu povo simplesmente oferecendo mais liturgias, palestras e sermões do tipo “esforce-se mais”. Em vez disso, uma ênfase robusta no evangelho deve se tornar central em cada ação vivificante da igreja — em sua pregação, em seus ritos litúrgicos, nos sacramentos, em sua obra missionária e em seus currículos educacionais.
Isso não é ciência de foguetes; é uma ênfase no ABC da fé. A transformação espiritual começa, a princípio, com a renovação dos nossos votos batismais, por meio do arrependimento e da fé em Cristo como Senhor e Salvador, contando com a capacitação do Espírito Santo para a vida cristã.
A renovação chega à paróquia aos poucos, em uma pessoa de cada vez; portanto, começamos por nós mesmos. Líderes e leigos devem se perguntar se abraçaram conscientemente o chamado de Jesus para “tomar a sua cruz e segui-lo” (Marcos 8.34).
A dádiva da salvação exige uma resposta. Às vezes, as pessoas precisam de um questionamento gentil sobre sua posição em relação a Cristo. Isso pode ser feito durante todo o ano litúrgico, por meio dos sermões, do aconselhamento, dos estudos bíblicos, de visitas domiciliares ou simplesmente tomando uma xícara de café. Independentemente de como aconteça, o evangelismo interno e o chamado ao discipulado são a receita para uma paróquia vibrante.
Isso é necessário para sua salvação do inferno ou apenas para viverem a plenitude da vida cristã?
Só Deus sabe! Depende da posição de cada indivíduo no relacionamento com Deus. Alguns acham que são cristãos só porque são de um país ortodoxo; outros são religiosos, mas estão perdidos. Muitos foram negligenciados espiritualmente e precisam de cuidados pastorais. Em geral, os ortodoxos são bastante receptivos ao evangelho, quando ele é apresentado claramente por um membro amoroso e confiável da igreja.
O simples fato de o evangelho estar na igreja não significa que nosso povo tenha entendido e se apropriado de sua mensagem. Nossos mestres místicos, como São Simeão (século 10) e São Macário do Egito (quarto século), nos lembram da necessidade de uma experiência consciente de Deus no coração.
Embora o arrependimento leve a essa consciência, para alguns, essa percepção da vida de Deus na alma pode surgir repentinamente, enquanto, para outros, surge apenas gradualmente, à medida que obedecem aos mandamentos.
Especialmente no mundo ortodoxo, como os evangélicos podem ajudar a espalhar o evangelho?
Os evangélicos devem primeiro examinar suas próprias atitudes e objetivos. Eles acreditam que a Ortodoxia não é o verdadeiro cristianismo? Os ortodoxos precisam de uma conversão evangélica?
Os missionários podem promover seu trabalho em terras ortodoxas aprendendo primeiro o máximo que puderem sobre a fé e sua influência na herança cultural.
O monasticismo, por exemplo, é em sua essência a personificação do chamado de Jesus para “tomar a sua cruz e me seguir” (Lucas 9.23). Estude os ícones e os santos. Leia Dostoiévski e ouça Tchaikovsky. As conversas sobre esses tópicos também são uma boa maneira de construir pontes com o clero.
Um sucesso maior entre os ortodoxos pode vir por meio de um lembrete do testemunho do evangelho já presente nos escritos de seus próprios líderes mais estimados.
Seu livro observa que os evangélicos às vezes são discriminados no mundo ortodoxo.
Reconhecendo a grande preocupação com o proselitismo de missionários evangélicos em terras ortodoxas, os ortodoxos também precisam entender quem são os evangélicos. Com muita frequência, eles são agrupados indiscriminadamente junto com seitas e cultos que rejeitam a divindade de Cristo e a Santíssima Trindade.
Acho que o Senhor ficaria satisfeito se mais líderes ortodoxos pudessem entender a diferença entre as formas populares e às vezes menos sofisticadas de evangelicalismo que vemos na TV ou na Internet e a respeitável herança teológica da erudição evangélica — como a que está presente na Iniciativa Lausanne-Ortodoxa (LOI).
Mas, com ou sem um melhor entendimento mútuo nos países ortodoxos, o melhor para a fé é que se protejam os direitos de todas as pessoas viverem sem discriminação. As liberdades humana e religiosa estão no centro da compreensão bíblica e patrística da imagem de Deus, pois o único amor que vale a pena receber é o amor que é dado livremente.
Qual é a sua esperança para a unidade da igreja?
Já estamos unidos em Cristo, mas essa unidade é imperfeita — qualquer coisa além disso requer concordância total na fé. Mas não podemos tomar a Ceia juntos, por exemplo, já que temos crenças tão diferentes sobre a presença real de Cristo na Eucaristia.
Não acredito que cristãos ortodoxos e evangélicos um dia venham a se tornar visivelmente unidos, e não vejo problema com isso. Há muitas diferenças que não devem ser minimizadas em prol de uma unidade superficial. Nossa unidade imperfeita, no entanto, pode ter um testemunho mais perfeito, quando apoiamos nossa proclamação mútua de Cristo como Senhor e Salvador.
Podemos fazer isso por meio de ações sociais para socorrer os pobres, defender o nascituro e o casamento heterossexual monogâmico e por meio do “evangelismo cooperativo” defendido por Billy Graham. Anos atrás, bispos ortodoxos de alto escalão apoiaram publicamente as campanhas de Billy Graham na Rússia e na Romênia, com a condição de que todas as pessoas ortodoxas que se apresentassem para dedicar suas vidas a Cristo fossem encaminhadas de volta a uma igreja ortodoxa para acompanhamento.
Juntos, que Deus nos dê essa mesma humildade e esse mesmo amor mútuos, em prol de Cristo e de sua igreja mundial.
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