Os evangélicos e outros ativistas pró-vida viram a decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos de 2022, no caso Dobbs v. Jackson Women's Health Organization [Dobbs contra Organização de Saúde das Mulheres de Jackson] como um ponto de virada na luta contra o aborto nos Estados Unidos. Depois que o tribunal anulou Roe v. Wade [decisão de 1973, proferida pela Suprema Corte dos EUA, que garantia o direito das mulheres americanas ao aborto] e retirou a tutela federal para o procedimento, alguns estados conservadores começaram a introduzir legislações sobre a personalidade do feto, concedendo aos nascituros os mesmos direitos que têm as crianças já nascidas.
Mas Hannah Strege observou o desenrolar de tudo isso com outro grupo vulnerável em mente: os embriões congelados. Nesta nova era, teriam eles algum direito? E caso tenham, alguém os respeitaria?
Strege tem 24 anos e foi concebida por fertilização in vitro (FIV) em 1996, tendo ficado congelada por dois anos. Em 1997, ela e 19 de seus irmãos foram adotados, no estágio de embriões, por John e Marlene Strege. Eles foram enviados por FedEx [sistema de correio norte-americano] para uma clínica de fertilidade local. Hannah foi o único embrião que sobreviveu ao descongelamento e que foi implantado com sucesso no útero de Marlene. Ela nasceu em dezembro de 1998.
“O bebê é criado em um laboratório e transferido para o útero. Ele tem todos os componentes de uma vida individualizada para se tornar totalmente desenvolvido, no momento da fertilização. O embrião congelado vive fora do útero matreno, ‘embora com suporte artificial’”, escreveram os autores de um amicus curiae [ou amigo da corte, pessoa que ingressa no processo judicial para oferecer subsídios ao órgão julgador], apresentado em julho de 2021 para o caso Dobbs para destacar a personalidade nos primeiros estágios de desenvolvimento. “A vida da Hannah é uma prova definitiva desse fato.”
Hannah não foi o primeiro ser humano nascido de um embrião doado — acredita-se que o primeiro caso tenha acontecido em 1984. Mas Hannah nasceu no auge do debate sobre a pesquisa com células-tronco embrionárias, no final dos anos 90 e início dos anos 2000, e é conhecida como o primeiro “bebê floco de neve” a ser formalmente adotado em estado congelado.
Com sua defesa da adoção de embriões, a família Strege elevou esse conceito nos EUA, em uma época em que os evangélicos não tinham certeza sobre muitas tecnologias de reprodução artificial. Aos cinco meses de idade, Hannah apareceu em rede nacional no programa de rádio Focus on the Family, de James Dobson. Ela também compareceu perante o Congresso aos dois anos de idade e, aos sete, conheceu o presidente George W. Bush.
“Estávamos na vanguarda de um movimento pela adoção de embriões que começou a possibilitar que inúmeros outros embriões congelados tivessem as mesmas oportunidades que Hannah teve”, escreveu John Strege em seu livro de memórias, A Snowflake Named Hannah [Um Floco de Neve chamado Hannah]. “Fomos obrigados a nos posicionar em favor daqueles que não podiam falar por si mesmos, como a Bíblia nos instrui a fazer, e concordamos em fazê-lo.”
A Hannah cresceu. E a indústria da fertilidade também.
Desde o nascimento da Hannah, o número de embriões congelados que estão armazenados nos Estados Unidos aumentou de aproximadamente 100.000 para cerca de 1,5 milhão. Os casais britânicos estão congelando 100.000 embriões por ano. Somente a Austrália Ocidental registrou 30.000 embriões congelados em 2022. Muitos desses embriões — óvulos fertilizados em seus primeiros estágios de desenvolvimento — são remanescentes de tratamentos de fertilização in vitro que estão indefinidamente resfriados em recipientes de nitrogênio líquido, e sem planos para o futuro.
Há complexidades técnicas em torno do armazenamento de embriões; é caro, além de requer espaço e supervisão. E há também complexidades legais — embriões congelados são geralmente considerados propriedade pessoal, portanto, destruí-los ou manejá-los de forma incorreta pode acarretar grave responsabilização.
Mas os cristãos que acreditam que a vida começa com a fertilização também veem sérias complexidades morais nesse processo de armazenamento de embriões. Alguns embriões congelados serão gerados por suas mães genéticas, mas milhares de outros pertencem a pais que não querem ter mais filhos. Alguns embriões foram armazenados por décadas ou abandonados, ao mesmo tempo em que mais embriões são congelados a cada dia.
Cada vez mais evangélicos estão adotando e dando à luz a esses embriões, como se fossem seus próprios filhos. Em dezembro de 2022, o programa Snowflakes de adoção de embriões, uma divisão da Nightlight Christian Adoptions, registrou seu milésimo nascimento desde sua fundação, em 1997. A diretora Kimberly Tyson disse que o programa está crescendo 20% a cada ano, e que em 2023 eles atenderam mais de cem novas famílias adotivas. Outra organização sem fins lucrativos e confessional, o National Embryo Donation Center (NEDC) [Centro Nacional de Doação de Embriões] em Knoxville, Tennessee, registrou este ano seu 1.400º nascimento originado da adoção de embriões.
Em todo o país, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) estimam que, de 2004 a 2019, mais de 21.000 embriões doados foram implantados em úteros e quase 8.500 deles nasceram. Desde 2002, o governo federal tem destinado anualmente fundos, mais recentemente a quantia de US$ 1 milhão, para a conscientização sobre a adoção de embriões.
Ocasionalmente, esses embriões “flocos de neve”, como a Nightlight os chama, aparecem nas manchetes: “Embrião é apenas um ano mais novo do que a mãe que o gerou”. “Nascem gêmeos de embriões congelados há quase 30 anos”. “Elas doaram seus embriões … e 20 anos depois , conheceram os trigêmeos que nasceram.”
Mas essas notícias que desafiam a natureza muitas vezes não percebem a gravidade da situação mais ampla: Em todo o mundo, cerca de um milhão ou mais de embriões congelados correm o risco de serem abandonados.
Em outubro, tive um encontro com Hannah e sua mãe na sede da Focus on the Family, em Colorado Springs. O ministério foi um marco na infância de Hannah e parte integrante de sua história. Dobson abordou o dilema ético de John e Marlene em 1997 e, mais tarde, recebeu a família em seu programa de rádio por várias vezes, intitulando-se padrinho de Hannah.
Durante um intervalo em nossas conversas, eu caminhei, acompanhado das duas mulheres, por um mercado de produtores locais. Em uma barraca, Marlene Strege apontou para um castiçal decorado com flocos de neve. Sua família recebeu muitos presentes com o tema de flocos de neve, em homenagem a Hannah. A própria Marlene costuma usar um colar com um floco de neve.
A princípio, Hannah parece quieta e séria. Mas ela conta que, quando está com amigos, seu lado extrovertido vem à tona. Ela é uma leitora ávida e atualmente está empenhada em passear e treinar seu filhote de golden retriever, Aspen.
Ela também está dando continuidade à missão que seus pais iniciaram. E tem muito trabalho pela frente: terminou neste verão um mestrado em serviço social, pela Baylor University, que planeja usar para promover a adoção de embriões e aumentar a conscientização sobre práticas éticas de fertilidade. Está estudando para obter sua licença como profissional da área de serviço social e acha que um dia poderá vir a fazer um doutorado.
“Se eu não estivesse fazendo esse trabalho, ele não seria feito [por outras pessoas]”, disse ela. “Deus me deu uma história única para compartilhar. Não falar abertamente sobre minha história seria um desserviço.”
Desde pequena, Hannah tem se conectado com outras pessoas como ela, graças à Nightlight e aos esforços de conscientização de sua família. Ela participou de encontros de embriões adotados, viajou várias vezes para Washington, D.C., e concordou em dar dezenas de entrevistas à mídia. Ela administra uma página no Instagram para pessoas com mais de 14 anos que foram adotadas ainda na fase embrionária (a maioria dos adotados é adolescente ou mais novo), pois o número desses adotados ainda é pequeno, e por isso é difícil encontrar pessoas com uma história semelhante.
“Assumi a responsabilidade de ser porta-voz, pois a maioria dos flocos de neve é mais jovem do que eu”, disse Hannah.
Mas ser porta-voz também é um papel que a história escolheu para ela. A família Strege tem sido uma fonte de referência para muitas outras famílias que adotaram ou que planejam adotar embriões. Na pós-graduação, a pesquisa da Hannah se concentrou em adoção, e ela leu estudos de caso escritos sobre ela. “Já se passaram 24 anos [de ativismo nessa área] e não sei por que isso ainda não é amplamente conhecido", disse Hannah.
Embora esteja cansada, em muitos aspectos ela está apenas começando sua carreira de ativista nessa área. Além de apoiar os adotados, Hannah sonha em fundar uma organização sem fins lucrativos que facilite as adoções, instrua as clínicas de fertilidade e apoie os pais adotivos.
Trocando em miúdos, seu objetivo é “ver mais bebês nascendo”.
Há um ano, em Birmingham, Rodney e Mary Leah Miller tiveram gêmeos. Dalton e Mary Elizabeth foram os bebês número 1.000 e 1.001 nascidos por meio do programa Snowflakes.
Após 10 anos lutando com a infertilidade, o que incluiu várias rodadas fracassadas de fertilização in vitro, o médico do casal Miller sugeriu a doação de óvulos. Não se sentindo à vontade com essa opção, a família Miller ouviu de uma amiga sobre a adoção de embriões e começou a pesquisar a possibilidade.
“Acho que foi a primeira vez que tivemos um senso renovado de esperança”, disse Mary Leah. Em espírito de oração e aconselhados por seu pastor, eles foram em frente, e os gêmeos nasceram após uma transferência fracassada e um aborto espontâneo. Eles têm mais três embriões dessa adoção e planejam continuar aumentando sua família.
“Essas crianças são tudo o que sempre esperamos e sonhamos”, disse Rodney Miller.
A maioria das mulheres que está buscando a adoção de embriões já tentou a fertilização in vitro, disse Kimberly Tyson. Cerca de um em cada seis adultos lida com a questão da infertilidade, que pode afetar tanto homens quanto mulheres, de acordo com a Organização Mundial da Saúde. Um estudo recente do Pew Research Center revelou que cerca de 1% das mulheres americanas já fez fertilização in vitro ou inseminação artificial.
Mas os tratamentos para fertilidade estão se tornando mais comuns. O estudo do Pew também constatou que 42% dos adultos nos EUA já se submeteram a algum tipo de tratamento de fertilidade ou conhecem alguém que se submeteu, em comparação com um terço dos adultos [que se submeteram] há cinco anos.
A fertilização in vitro é cara, variando de US$ 10.000 a US$ 25.000 por ciclo, durante o qual a mulher recebe uma injeção de hormônios e seus óvulos são retirados e fertilizados. E os casais nem sempre são plenamente informados sobre suas desvantagens: Embora a FIV tenha avançado muito em termos de segurança e eficiência, a maioria dos ciclos de tratamento ainda não é bem-sucedida.
“Os 770.000 bebês nascidos em 2018, pelo processo de fertilização in vitro, demandaram cerca de 3 [milhões] de ciclos”, informou um editorial da publicação The Economist. “Nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, apenas cerca de metade volta para casa com um bebê nos braços, mesmo depois de vários anos e de ter passado por até oito ciclos de tratamento.”
Uma das razões para essas estatísticas assustadoras é que os centros de fertilidade incentivam as mulheres a retirarem muitos óvulos e a criarem vários embriões no início do tratamento. Isso aumenta as chances de concepção e, com frequência, cria mais embriões do que a mulher pode realmente dar à luz.
Chris e Rebecca Henderson se casaram em 1992. Depois de 12 anos tentando ter filhos, eles foram aconselhados a experimentar a fertilização in vitro. Incertos sobre o procedimento, mas em oração, eles seguiram em frente e criaram 13 embriões, sendo que dois deles nasceram como gêmeos fraternos [ou seja, formados em placentas diferentes].
Quando os gêmeos tinham seis meses de idade, a clínica de fertilidade começou a perguntar aos Hendersons sobre os próximos passos para os 11 embriões restantes. Rebecca foi aconselhada a não ter mais filhos; então, os Hendersons tiveram de enfrentar uma decisão difícil.
A maioria das pessoas que tem embriões remanescentes armazenados dispõe de algumas opções. Elas podem descartá-los. Podem doar os embriões para pesquisa científica — embora poucos laboratórios aceitem embriões oriundos de fertilização in vitro, devido ao financiamento governamental limitado. Depois do caso Dobbs [caso da Suprema Corte de 2022], o “volume de embriões doados para pesquisa foi reduzido significativamente”, disse ao The Washington Post um diretor do laboratório de FIV da Stanford Medicine Fertility and Reproductive Health [Medicina de Saúde Reprodutiva e de Fertilidade de Standford].
Como alternativa, os embriões podem ser congelados e armazenados em um depósito, por uma taxa mensal que varia de US$ 500 a US$ 1.000. Ou podem ser doados a outra família que queira criá-los como se fossem seus.
“Quanto mais tempo os embriões ficam armazenados, é mais provável que [as famílias] desistam deles”, disse Tyson.
Algumas clínicas se sentem sobrecarregadas pelo volume crescente de embriões armazenados, pois os cânisters [recipientes] de nitrogênio ocupam espaço e os médicos podem criar dezenas de embriões por paciente. Um médico disse à NBC News, em 2019, que algumas pacientes têm de 40 a 60 óvulos retirados em um ciclo, e “o embriologista recebe ordens do médico para inseminar todos eles — e não se pergunta se a paciente quer mesmo que tantos óvulos sejam inseminados… Ninguém vai ter 30 filhos”.
“Não estávamos preparados para nada disso”, disse um endocrinologista reprodutivo da Flórida à NBC News. “21% dos nossos embriões foram abandonados.”
Os Hendersons, no entanto, encontraram o programa de adoção de embriões Snowflakes, e foram colocados em contato com Dan e Kelli Gassman.
“É uma montanha-russa de emoções decidir assinar a doação, mesmo quando você se distancia e pensa racionalmente”, disse Rebecca. “Adoramos essa opção, mas emocionalmente demoramos um pouco para chegar a esse ponto.”
Kelli se casou aos 40 e poucos anos. Depois de vários anos tentando engravidar, os Gassmans recorreram à adoção de embriões e, por fim, adotaram os 11 embriões dos Hendersons. Aos 46 anos, Kelli deu à luz Trevor, que hoje tem 10 anos. Um ano depois, ela deu à luz Aubrey.
“É o presente mais altruísta que alguém já me deu”, disse Kelli.
A adoção das famílias Henderson-Gassman foi, a princípio, uma adoção parcialmente aberta, na qual toda a comunicação foi mediada pela agência de adoção. Mas logo as famílias decidiram se encontrar, e depois continuaram a se encontrar. Hoje, eles passam férias juntos uma vez por ano e as crianças são como primos. A história deles é única, mas as famílias dizem que ela é “maior do que nós”.
“É uma jornada de muita emoção”, disse Rebecca. “Mas se você conseguir se colocar em segundo plano e perceber que esse é um ótimo caminho para a maternidade/paternidade […] pode ser um excelente caminho para ajudar outras pessoas a terem filhos que antes não puderam ter.”
Muitos casais cristãos que lutam contra a infertilidade não se sentem à vontade em usar óvulos ou esperma doados. E se eles não buscam a fertilização in vitro, por causa do custo, das baixas taxas de sucesso ou das objeções morais, geralmente recorrem à adoção para aumentar a família.
Mas nem toda adoção é igual.
Há pelo menos 369 clínicas de fertilidade nos Estados Unidos que realizaram transferências de embriões doados, segundo revela um estudo do Centro de Controle e Prevenção de Doenças. Elas raramente funcionam como agências de adoção tradicionais, uma vez que a doação de embriões envolve muito menos burocracia do que a adoção de uma criança. As pessoas que recebem os embriões geralmente chegam a uma clínica de fertilidade já tendo encontrado um doador de embriões — por meio de grupos de relacionamento ou até mesmo pelas mídias sociais.
No lado positivo, essa informalidade ajuda a tornar a adoção de embriões relativamente acessível. O implante de um embrião doado custa metade do preço da fertilização in vitro e um terço do preço de uma adoção particular.
Mas, embora algumas clínicas de fertilidade exijam que os pacientes participem de algum nível de aconselhamento, os novos pais geralmente recebem pouco apoio além disso, em comparação com os pais que adotam da maneira tradicional [ou seja, que adotam crianças que já nasceram].
Hannah Strege acredita que as famílias que adotam embriões devem participar de todas as etapas de um processo de adoção, entre elas estudos e entrevistas domiciliares, algo que a maioria das clínicas de fertilidade não oferece. Ela também quer que os padrões sejam elevados em todo o setor de doação de embriões. Afinal, se os embriões são pessoas, eles não deveriam ser simplesmente comercializados nas mídias sociais sem ter algumas camadas adicionais de proteção.
“Na adoção de embriões deve ser feito o que é melhor para a criança, e não para a família [doadora]”, disse Hannah. “Deus sabe onde ele coloca o seu filho.”
Apenas umas poucas organizações que trabalham com embriões facilitam transferências de embriões na forma de adoções, colocando em contato famílias adotivas em potencial com famílias “doadoras” que queiram colocar seus embriões para adoção. A maioria dessas organizações é confessional, e as duas maiores são a Nightlight, uma agência de adoção que tem filiais em todos os EUA, e o National Embryo Donation Center (NEDC), em Knoxville.
O NEDC foi fundado em 2003 como uma organização sem fins lucrativos que facilita as doações e adoções de embriões. Famílias doadoras de toda a América do Norte transferem seus direitos para o NEDC, e a família adotiva pode navegar por um catálogo digital com milhares de embriões armazenados no local. A organização não exige que as famílias sejam religiosas, mas exige que os casais adotivos sejam heterossexuais e casados.
“Não há dados empíricos, mas, segundo relatos, em sua grande maioria, as pessoas que passam por lá são cristãs, e a maioria delas é evangélicas — e há uma quantidade significativa de católicos também”, disse o porta-voz Mark Mellinger. A adoção de embriões “tende a repercutir entre os crentes evangélicos”. Ele estima que o NEDC realiza cerca de 10% de todas as transferências de embriões para adoção nos EUA por ano.
A maioria dos embriões doados é caucasiana, asiática ou hispânica. Poucos são afro-americanos, disse Mellinger, e estes são reservados para famílias adotivas negras. “Geralmente, reservamos embriões ligados a minorias para receptores de mesma origem étnica”, acrescentou.
O NEDC facilita tanto as doações quanto as transferências para famílias que desejam adotar. Ele trabalha em estreita colaboração com uma clínica local em Knoxville e terceiriza parte do processo de adoção, como a etapa dos estudos domiciliares, para prestadores credenciados como a Nightlight. O NEDC oferece adoções abertas e fechadas.
Ao contrário do NEDC, o programa Snowflakes da Nightlight não é filiado a clínicas de fertilidade. Ele funciona como um elo entre as famílias que querem entregar seus embriões, as famílias adotivas e as clínicas de fertilidade em todo o país que podem realizar o procedimento de transferência. Tyson e sua equipe fazem a triagem das famílias adotantes e doadoras com base em requisitos mútuos, o que significa que muitas dessas famílias são evangélicas, constituídas de pai e mãe. Eles incentivam as famílias a se comunicarem desde o início, e ambas as famílias escolhem o tipo de relacionamento que manterão no futuro.
“O principal motivo pelo qual as famílias optam pela adoção de embriões é que a mulher quer experimentar a gravidez e o parto”, disse Tyson. “Elas querem dar à luz um bebê”.
Tyson estima que talvez 20% dos adotantes de embriões sejam movidos pelo altruísmo, e são pessoas ansiosas para dar aos embriões uma chance de viver, em vez de buscarem uma criança que já tenha nascido.
Mas também há críticos ferrenhos à adoção de embriões. Eles argumentam que participar desse setor é participar de um sistema antiético e promover a produção excessiva de embriões. Alguns dizem que as crianças adotadas terão dificuldades com suas histórias de origem da mesma forma que os adotados tradicionais. Outros críticos são pais que lutam com a ideia de entregar seus embriões a outras famílias.
Jennifer Lahl, ativista na área de bioética e fundadora do Center for Bioethics and Culture Network, acredita que “nossa obrigação é primeiro para com o órfão que está entre nós e com as necessidades das crianças que estão aqui e agora sem um lar amoroso onde serem criadas”.
Matthew Lee Anderson, especialista em ética cristã e professor da Universidade Baylor, acredita que a adoção não pode resolver o problema dos embriões excedentes. Ele argumenta que os evangélicos, em seu todo, não têm capacidade de adotar todas as crianças que precisam de uma família e todos os embriões que merecem nascer.
“Não é um problema; é uma grave crise moral”, disse ele. “Se a adoção de embriões, como prática, amplia a maneira de pensar que trouxe [os embriões] à existência em primeiro lugar, então, acho que devemos olhar para ela com cautela.” Ele acredita que os embriões que não puderem nascer devem ter permissão para “voltar para Deus” com contrição e lamento.
A maioria dos outros críticos, no entanto, concorda que se um embrião não puder nascer na família dos pais genéticos, a adoção — idealmente, a adoção aberta — é o único desfecho positivo para essas pequenas vidas presas em uma crise global de fertilidade.
Os embriões não são sobras ou coisas que não foram usadas,” como se fossem objetos ou ferramentas”, escreveu Russell Moore (hoje editor-chefe da CT), em 2012. “São pessoas portadoras de uma imagem e que são dotadas — por seu Criador, e não por sua ‘utilidade’ — de certos direitos inalienáveis. Abrir nossos corações, nossos lares e, por vezes, nossos ventres para o menor destes pequeninos é agir como Cristo agiria.”
Aaron e Jennifer Wilson concordam. Evangélicos americanos por excelência, eles moram em Nashville, onde Aaron trabalha para a Lifeway e Jennifer trabalha para a Union University, e ambos cuidam da educação escolar de seus gêmeos de 12 anos em casa. Quando eram recém-casados, eles se depararam com um artigo da Baptist Press sobre adoção de embriões e ficaram imediatamente entusiasmados com a possibilidade. Mas deixaram a ideia de molho.
Três anos depois, ainda sem filhos, foram incentivados a tentar a fertilização in vitro — um processo que não se sentiram à vontade para seguir.
“Fizemos uma ligação, no estacionamento do consultório médico, no dia em que recebemos o diagnóstico”, disse Aaron, 42 anos. Duas semanas depois de falarem com o NEDC por telefone, eles se candidataram à adoção de embriões. Depois de duas transferências fracassadas, eles deram as boas-vindas a seus gêmeos ao mundo, por meio de uma cesariana. “A adoção de embriões nos tocou, pois também somos muito apaixonados por alternativas pró-vida […] Os embriões são invisíveis a olho nu, mas são almas microscópicas.”
Deus se referiu a Jesus como pessoa, quando este ainda estava no ventre de Maria,” ressaltou Aaron. “Deus se humilhou na forma de um embrião […] com apenas algumas células, do tamanho de um pixel”, disse ele. “A adoção de embriões realmente abriu meus olhos para a maravilha da Encarnação.”
Para muitos cristãos como a Hannah, que acreditam que a vida começa com a fertilização, não é suficiente ver embriões armazenados nascerem, virem ao mundo. Eles querem que o número de embriões congelados pare de crescer.
“A adoção de embriões está tentando resolver um problema de excesso de embriões", disse John Strege, pai de Hannah. O problema, e sua solução, é duplo, dizem os ativistas que militam nessa área: estão sendo criados embriões em excesso e muitos estão sendo abandonados. (Alguns estudos também sugerem que o congelamento prolongado pode prejudicar os embriões).
Esses ativistas concordam que, em um mundo ideal, a primeira solução é evitar a proliferação de embriões congelados, por meio de regulamentações ou simplesmente de conscientização e educação. Alguns consideram que a solução está nas leis e nos regulamentos do setor de fertilidade. Na Alemanha, por exemplo, o congelamento de embriões é proibido, exceto em raras circunstâncias.
“Não acredito que a adoção de embriões deve ser necessária — o que é necessário é uma lei federal como a da Alemanha”, disse Lahl, um ativista da área de bioética.
Os médicos e as clínicas de fertilidade também devem instruir os pacientes sobre as implicações de longo prazo da criação e do armazenamento de embriões, dizem pessoas envolvidas nessa luta, como Hannah.
“Eu recomendaria com veemência que [as famílias] criassem o número de embriões que seriam imediatamente implantados em cada ciclo”, disse Jeffrey Barrows, ex-ginecologista e obstetra, e vice-presidente sênior de bioética e políticas públicas da Associação Médica e Odontológica Cristã.
Ele reconhece que isso é mais caro e exige mais esforço físico — retirar e fertilizar um óvulo por vez é menos eficiente do que criar lotes inteiros de embriões. Mas Barrows acredita que essas escolhas pessoais são uma solução melhor do que uma legislação, porque as leis podem ser um tiro pela culatra para as organizações cristãs (visto que os governos podem impor exigências que vão contra as convicções de um grupo). “Você está salvando vidas humanas — isso justifica o dinheiro e os ciclos a mais.”
Muitas famílias que doam ou oferecem seus embriões para adoção dizem que não foram devidamente instruídas ou não pensaram bem nos resultados de longo prazo decorrentes da criação de mais embriões do que poderiam dar à luz.
Alguns, como Lahl e Barrows, dizem que as famílias, se puderem, devem trazer seus embriões restantes ao mundo como a melhor solução possível para as crianças. E Aaron Wilson observou que, se os pais morrerem sem entregar seus embriões, essa responsabilidade legal poderá ser transferida para seus filhos — os irmãos dos embriões.
“A perspectiva da criança é frequentemente ignorada”, disse Barrows. “O ideal é que a criança cresça com os pais genéticos.”
Além de querer que sejam formados menos embriões excedentes, Hannah quer que mais famílias considerem a adoção de embriões, independentemente de conseguirem engravidar naturalmente ou não. “As pessoas estão tão apaixonadas por seus próprios óvulos e espermatozoides que não consideram a adoção”, disse ela. “Eu quero ver mais vidas sendo salvas por meio da adoção de embriões”.
A família Strege ouviu muitas histórias de famílias que acabaram buscando a adoção de embriões depois de ouvirem a história da Hannah no rádio, em uma reportagem de jornal ou por meio do boca a boca.
Enquanto Hannah e sua mãe conversavam comigo entre fumegantes pratos de chili da cafeteria da Focus on the Family, Whit's End, uma jovem canadense que estava em uma mesa próxima nos interrompeu.
“Senti que Deus me disse para falar com vocês, porque os ouvi conversando”, disse ela, segurando as lágrimas e tropeçando nas palavras. “Meu marido e eu estamos lutando contra a infertilidade há vários anos e estamos conversando sobre os próximos passos. Ouvi falar sobre a adoção de embriões e estava esperando uma confirmação de que essa é a direção certa para nós.” Conhecer Hannah e Marlene em uma tarde aleatória me pareceu uma confirmação divina,” disse ela.
Essas pequenas conversas no dia a dia são tão importantes para o trabalho de conscientização sobre a adoção de embriões quanto viagens a Washington e entrevistas na rádio, segundo Hannah.
O trabalho pode parecer exaustivo — explicar pela milésima vez o que é um embrião ou por que alguém deve usar a linguagem da adoção para reconhecer a humanidade dos embriões. Mas são conversas assim que estão lentamente tornando a adoção de embriões mais comum entre os evangélicos.
Os números podem parecer impossíveis, mas não são um caso sem esperança. Se os sonhos da Hannah se tornarem realidade, todos os flocos de neve poderão um dia ter a chance de nascer e crescer.
Kara Bettis Carvalho é editora associada da Christianity Today.
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