Centenas de palestinos foram mortos na última terça-feira (17), em um ataque aéreo que atingiu o pátio do único hospital cristão de Gaza.
O Ministério da Saúde palestino, administrado pelo Hamas, que estimou um número de mortos acima de 500, atribuiu a Israel o ataque ao Hospital Árabe al-Ahli, na cidade de Gaza. As Forças de Defesa de Israel disseram que o ataque foi um lançamento fracassado de foguete pela Jihad Islâmica, um grupo militante aliado ao Hamas. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em visita a Israel na quarta-feira, fez referência a dados do Departamento de Defesa que apoiam a versão de Israel.
O Hospital al-Ahli foi fundado por missionários anglicanos e existe na região desde 1882. Por algumas décadas, em meados do século 20, foi administrado por missões da Convenção Batista do Sul (SBC). Atualmente está sob administração da Diocese Episcopal Anglicana de Jerusalém.
Conhecido coloquialmente como Al-Ma’amadani (ou “o Batista”, em árabe), é um dos 22 hospitais no norte de Gaza. Após as ordens de Israel para evacuação da área, centenas de palestinos se refugiaram ali, e famílias abrigaram-se no pátio onde ocorreu o ataque, segundo informações da imprensa.
“Estamos aqui como instrumento nas mãos de Deus para mostrar o amor de Jesus Cristo por todas as pessoas. Estamos orgulhosos de que, em meio a todos os conflitos, este hospital sempre esteve presente para acabar com o sofrimento dos feridos, dos pobres e para ajudar aqueles que necessitam de um coração compassivo”, disse a diretora do Hospital al-Ahli, Suhaila Tarazi, antes do bombardeio, em um apelo feito a apoiadores cristãos.
“Este hospital continuará a ser um lugar de reconciliação, de amor. A história deste hospital conta que somos todos filhos de um só Deus, quer sejamos cristãos, muçulmanos ou judeus”.
Tarazi, cristã árabe da Carolina do Sul, já enfrentou altas taxas de desemprego, cortes de energia e turbulências durante seus 30 anos de serviço em Gaza. Semanas antes da guerra Israel-Hamas, o hospital cristão já estava sobrecarregado e sofria com déficit de fundos. Tarazi contou a um grupo que seu dia de trabalho começava às 8h e terminava às 4 da manhã.
“Não temos dinheiro para pagar os salários dos funcionários que trabalham em tempo integral”, disse ela. “O simples fato de tentar assegurar o combustível que precisamos apenas para fazer funcionar os geradores acrescenta outra camada de dificuldades e sofrimentos aparentemente intransponíveis. Temos pouco estoque de medicamentos. Temos falta de suprimentos. Temos falta de equipamentos médicos essenciais. Estamos com poucos profissionais na equipe. O que mais podemos fazer, além de trabalhar dia e noite? Eu estou exausta.”
Antes do ataque de terça-feira, o hospital já havia sofrido danos. O Serviço de Notícias da Comunhão Anglicana informou que o hospital foi atingido, no sábado, por um foguete israelense, que danificou dois andares do seu centro oncológico e feriu quatro funcionários. Justin Welby, o arcebispo de Canterbury, emitiu um comunicado dizendo que o hospital estava com poucos suprimentos médicos e não podia evacuar seus pacientes gravemente doentes e feridos.
Na quarta-feira, Welby descreveu o novo ataque ao hospital como “um ato que fere a santidade e a dignidade da vida humana”.
“É uma violação da legislação humanitária, que é clara no sentido de que hospitais, médicos e pacientes devem ser protegidos”, afirmou ele. “Por esse motivo, é essencial que sejamos estritos na atribuição de responsabilidade [pelo ataque], antes que todos os fatos sejam esclarecidos”.
Após o ataque de terça-feira no Hospital al-Ahli, aproximadamente 350 vítimas foram enviadas para um hospital próximo, que já estava com excesso de pacientes. O incidente despertou protestos nas nações árabes, onde manifestantes estão pedindo o fim dos ataques aéreos israelenses. Em decorrência disso, a Jordânia cancelou um encontro de cúpula que estava planejado com o presidente Biden.
“Em união inabalável, denunciamos veementemente este crime com a nossa mais forte condenação. Os relatórios iniciais sobre a tragédia no hospital da Igreja, em Gaza, nos deixaram submersos em tristeza, pois isso representa uma profunda transgressão contra os próprios princípios defendidos pela humanidade. Os hospitais, apontados como refúgios sagrados pelo direito internacional, têm sido profanados por forças militares”, escreveram os Patriarcas e Chefes das Igrejas em Jerusalém, num comunicado.
Com as ordens para que mais de um milhão de palestinos abandonem suas casas, as pessoas estão desesperadas por suprimentos, alimentos e água. Após o ataque ao hospital, Israel permitiu que a primeira ajuda humanitária, em 10 dias, entrasse na Faixa de Gaza, vinda do Egito.
Em outras partes da região, após os ataques terroristas de 7 de outubro, perpetrados pelo Hamas, vários ministérios de judeus messiânicos mobilizaram-se para ajudar os membros das Forças de Defesa de Israel e montar um “centro de resposta e ajuda de emergência” para os israelenses que fugiam dos ataques na fronteira. Como parte do seu trabalho, recolheram donativos, distribuíram mantimentos para os soldados e enviaram alimentos às famílias deslocadas.
Ao longo da sua longa história em Gaza, o Hospital al-Ahli serviu como uma presença cristã e também se viu apanhado no fogo cruzado de conflitos em curso.
Os missionários anglicanos que abriram o hospital em 1882 viam-no como uma oportunidade para alcançar com o evangelho os muçulmanos — na sua maioria mulheres, pobres e de áreas rurais —, de acordo com uma tese de mestrado de um historiador da medicina do Oriente Médio, Carlton Carter Barnett III.
Os primeiros funcionários do hospital liam regularmente versículos bíblicos e oravam com os pacientes. Acomodavam-se parcialmente aos muçulmanos que não queriam morrer “sob um teto cristão”, levando-os para fora do hospital — mas não sem antes lhes oferecerem a mensagem de salvação uma última vez. Os missionários britânicos tiveram mais sucesso evangelístico com os alunos da escola primária que funcionava no complexo do hospital.
Em 1954, o Conselho de Missões Estrangeiras da SBC (hoje Conselho de Missões Internacionais) comprou o hospital, rebatizando-o com o nome de Hospital Batista de Gaza, e administrando os cuidados lá ofertados durante as três décadas seguintes. Embora o proselitismo fosse ilegal em Gaza, os missionários da SBC também viam este trabalho como uma boa oportunidade para evangelismo, e abriram a única escola de enfermagem de Gaza com missões em mente.
O Hospital Batista de Gaza tratou de palestinos feridos na crise de Suez, em 1956, e em outros incidentes ocorridos na região. Durante o controle do Egito sobre Gaza, entre 1957 e 1967, o presidente egípcio Gamal Abdel Nasser visitou o hospital para expressar o seu apreço pelo serviço ali prestado.
Durante a Guerra dos Seis Dias, em 1967, o hospital continuou a funcionar, apesar de cercado por fortes tiroteios. Sofreu com janelas quebradas e várias paredes que desabaram, e um funcionário ficou ferido. Os missionários usaram a Igreja Batista de Gaza (antigo santuário anglicano) para montar leitos hospitalares adicionais, quando abrigaram 500 pessoas lá dentro.
No final da década de 1970, a SBC devolveu o hospital aos anglicanos, que o colocaram sob a administração da Diocese Episcopal Anglicana de Jerusalém. Os novos administradores deram à instituição o seu nome atual, Hospital árabe al-Ahli, e os funcionários que eram batistas continuaram a servir lá até 1987, período em que observou-se um exaltado sentimento anticristão — inclusive com uma tentativa da Irmandade Muçulmana de assassinar o diretor interino do hospital.
Em 1980, um palestino lançou duas granadas de mão, de trás de um muro do hospital, matando três pessoas, entre elas um oficial israelense e um árabe que passava pelo local, e ferindo outras pessoas. Em 1989, a CT apontou “o Hospital al-Ahli, gerido pelos episcopais”, como um exemplo de parceria entre cristãos palestinos e missionários americanos para ajudar as vítimas do aumento da violência na região.
A Igreja Batista de Gaza, que ainda é a única congregação evangélica no local, costumava se reunir no complexo do hospital, até que a segunda Intifada tornou muito difícil ter uma congregação imediatamente próxima ao pronto-socorro, disse Hanna Massad, ex-pastor dessa igreja, que costumava trabalhar como técnico de laboratório no Hospital.
“O que aconteceu ontem é difícil de imaginar”, disse ele. “Essas pessoas preciosas vieram procurar abrigo aqui porque pensaram que, por ser um hospital cristão, seria mais seguro”.
A Diocese de Jerusalém administra instalações médicas em Gaza, Cisjordânia, Jerusalém, Jordânia e Líbano. De acordo com a diocese, o hospital oferecia “alguns dos melhores cuidados médicos disponíveis”, “no meio de um dos lugares mais problemáticos do mundo”, entre eles, exames gratuitos para câncer da mama e o primeiro programa de formação médica em cirurgias minimamente invasivas de Gaza.
O líder batista local, Bader Mansour, observou que inúmeras notícias ainda se referiam ao hospital como “Hospital Batista”, apesar de sua liderança atual.
“Parece que alguns em Gaza ainda se lembram do antigo nome e da contribuição dos batistas no serviço ao povo de Gaza, que continua até hoje através da Igreja Batista em Gaza”, escreveu ele.
Durante o período em que Tarazi tem estado à frente do hospital, ela testemunhou o tratamento de centenas de crianças que ficaram incapacitadas em decorrência da violência do conflito Israel-Gaza, em 2014. Há cinco anos, Tarazi enfrentou um declínio acentuado na ajuda dos EUA à agência das Nações Unidas que serve os palestinos, o que reduziu o número de leitos disponíveis no hospital de 80 para 50.
Enquanto isso, a população cristã de Gaza, que por vezes enfrentou hostilidade e violência por parte dos vizinhos muçulmanos, encolheu para cerca de 1.000 pessoas.
Desde os ataques de 7 de outubro, do Hamas a Israel, mais de 1.400 pessoas foram mortas em Israel e mais de 3.000 em Gaza, segundo autoridades locais.
“O cristão árabe pode ser um mediador entre os judeus e os muçulmanos, entre o Ocidente e o Oriente Médio. Para nós, o cristianismo é paz e amor para todos”, disse Tarazi, segundo citação de suas palavras por Don Liebich, em Memos from the Mountains. “Mas tememos que Jesus não encontre um único seguidor [aqui] quando voltar. A Igreja deve ajudar os cristãos a permanecerem aqui. Esta é a terra do cristianismo e de todos os seus seguidores. Os cristãos devem estar presentes aqui para ajudar e dar um bom exemplo de cristianismo”.
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