Theology

Em Belém, Deus escolheu os fracos para envergonhar os fortes

A verdade da Sexta-feira Santa também se aplica ao Natal.

Baby Jesus and a cross shadow.
Christianity Today December 18, 2025
Illustration by Elizabeth Kaye / Source Images: WikiMedia Commons

No Natal, a Encarnação e a revelação caminham juntas. Nele, Deus se fez carne e nos concedeu o conhecimento de si mesmo. Em Belém, o Criador imortal de todas as coisas se manifesta em uma criatura mortal. O Senhor se revela em todas as suas obras, mas é na Encarnação que vemos a natureza e a perfeição do único Deus verdadeiro em sua máxima clareza e beleza (Hebreus 1.1-4).

Mas a Encarnação, por certo, não se limita ao Natal. Ela começa no ventre de Maria, continua por toda a vida terrena de Jesus e atinge seu ápice na cruz e no sepulcro vazio. E, mesmo agora, o Jesus ressuscitado que subiu ao céu permanece encarnado, pois não renunciou à sua humanidade, quando o Pai o elevou ao céu para assentar-se à sua direita. De fato, o Senhor Jesus continuará sendo humano por toda a eternidade. E nisso reside a nossa esperança, pois “quando ele [Cristo] se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque o veremos como ele é” (1João 3.2). Ele é o único ser verdadeiramente humano que já viveu. Jesus é nosso irmão para sempre. 

A despeito disso, o Natal é o momento apropriado para refletir sobre a Encarnação, porque o nascimento de Jesus marca a entrada do próprio Deus no mundo — sua transição de oculto a revelado, de invisível a visível, de silêncio para a Palavra. Quando aquele pequeno bebê chora, a Palavra de Deus está conosco, como um eloquente Emanuel na forma de um recém-nascido que não fala.

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Que sinal é este? O que significa dizer que Deus se tornou um bebê? A afirmação é tão absurda — e ao mesmo tempo tão maravilhosa — que, mesmo com a melhor das intenções, nossas tentativas de compreendê-la se perdem.

Um dos riscos que corremos é o de inverter os termos da humanização de Deus, antropomorfizando-o. Ele é como nós, pensamos. O teólogo suíço Karl Barth cunhou a expressão “a humanidade de Deus”, e embora não a tenha usado nesse sentido, ela pode sugerir uma versão do evangelho do Natal que traz o céu para a terra justamente da maneira errada: projetando em Deus tudo o que vemos de melhor em nós, seres humanos.

Contudo, se a Encarnação trata da revelação, precisamos deixar que Deus nos fale sobre si mesmo, e não o contrário. Não conhecemos Deus antes que ele mesmo se apresente; não podemos falar em seu nome. E a voz dele, sempre e em todo lugar, é Jesus (João 1.1-18). Quando viramos a página rumo a Belém, o Senhor fala alto o bastante para que o mundo inteiro ouça.

Por isso é apropriado incluirmos os Reis Magos em nossa celebração do Natal, ainda que eles não estivessem presentes na noite do nascimento, mas apenas mais tarde, quando Jesus ainda era pequeno (Mateus 2.16). Os Reis Magos representam os gentios. Eles antecipam a vinda de todas as nações ao Senhor de Israel, ajoelhando-se e prestando homenagem ao único Deus e Criador de tudo (Zacarias 8.20-23). ​​Ou será que “Deus é Deus somente dos judeus? Ele não é também o Deus dos gentios? Sim, dos gentios também, visto que existe um só Deus” (Romanos 3.29-30).

Erramos também quando sentimentalizamos o Natal. Admito que isso é quase inevitável, quando no centro da celebração temos uma mãe com um bebê nos braços, mas podemos ao menos estar cientes da tentação. E vale a pena evitá-la por uma razão muito simples: Jesus Cristo nasceu para morrer. Nisso, ele é diferente de todos nós, por mais breves ou dolorosas que sejam as nossas vidas. O Senhor sempre esteve destinado à Cruz, à angústia da Paixão e às lágrimas misturadas com sangue do Getsêmani. Ele sempre seria abandonado, rejeitado e traído por seus amigos. Independentemente do que mais nós possamos dizer sobre ele — cantando-lhe hinos em seu sono tranquilo, imaginando-o sendo amamentado no seio de Maria, admirando a família do presépio — não devemos nos esquecer disso.

Finalmente, embora seja correto reconhecermos a humildade no Natal, a questão é: o que significa chamar Deus de humilde? Ser humilde é ser modesto, pequeno, servil, e Deus, em si mesmo, não é nada disso. Pelo contrário, Ele se fez humilde por nossa causa. Deus também não é fraco, embora assuma a nossa fraqueza para nos conceder a sua força. E a humildade de Belém também não é algo imposto a Deus, como se ela manifestasse alguma incapacidade ou falta.

Não, a humildade revelada no Natal é a disposição de Deus, em seu infinito amor pelos pecadores, de se rebaixar ao nosso nível, independentemente das aparências mundanas, independentemente das consequências para si mesmo. Nesse sentido, podemos aplicar também à manjedoura a amada passagem de Hebreus 12.2, a qual diz que Jesus desprezou a vergonha da cruz. Da perspectiva dos poderosos, é no mínimo vergonhoso encontrar-se fraco, um frágil bebê, em um leito de palha. Mas o Senhor despreza a infâmia dos altivos e poderosos para se juntar aos humildes e fracos.

Como Paulo escreve: “Mas Deus escolheu os que são loucos para o mundo a fim de envergonhar os sábios e os que são fracos para o mundo a fim de envergonhar os fortes. Deus escolheu as coisas insignificantes do mundo, os desprezados e as coisas que não são para invalidar as que são, a fim de que ninguém se vanglorie diante dele” (1Coríntios 1.27-29). Paulo está falando aqui da “loucura” da Cruz (v. 18-25), mas essa verdade da Sexta-feira Santa também se aplica ao Natal.

Por essa razão, vale a pena nos afastarmos um pouco de José, de Maria e dos pastores e nos perguntarmos o que mais a manjedoura revela sobre Deus, especialmente aquelas coisas que podem não parecer tão óbvias à primeira vista, quando vemos o menino Jesus em um estábulo, dividindo espaço com animais. Penso, em particular, no que os teólogos chamam de atributos de Deus: onipotência, onisciência e assim por diante. Esses são os atributos que definem Deus como Criador, distinguindo-o de nós, criaturas. São características que se aplicam a ele de uma forma que não poderiam se aplicar a ninguém nem a nada mais.

O Natal destaca os atributos de Deus de maneiras belas e inesperadas. Por exemplo, vamos refletir novamente sobre a humildade. Não há nada de surpreendente na fragilidade de um bebê. Todos os recém-nascidos são totalmente dependentes de sua mãe para a vida e o sustento. O que surpreende, portanto, é o que o Evangelho acrescenta a isso: a criança nos braços de Maria é uma só com o Deus que criou Maria e que ainda hoje sustenta a sua existência. O bebê que ela amamenta não é outro senão aquele em quem todas as coisas subsistem (Colossenses 1.17) e, sem ele, nada do que existe teria sido feito (João 1.3).

Somente um Deus para quem todas as coisas são possíveis (Mateus 19.26) pode se encarnar na forma de um bebê. Há um antigo hino norte-americano que afirma corretamente: “Jesus e Senhor no teu nascimento!”. E a canção pode afirmar isso porque o “poder de Deus se aperfeiçoa na fraqueza” (2Coríntios 12.9). Quando olhamos para a manjedoura e vislumbramos o menino Jesus, precisamos de uma visão dupla. Estamos testemunhando fragilidade, sim, mas também estamos vendo ali o poder incomparável que criou o universo.

E há também a transcendência de Deus. As crianças às vezes imaginam a divindade como um ente físico que vive no céu, mas deixa o céu por um tempo para vir à Terra — como um presidente deixa seu país para viajar ao exterior, por um período — e depois retorna ao céu, reassumindo um trono que ficou temporariamente vago.

A transcendência descreve a completa diferença de Deus em relação à existência criada e, consequentemente, a total ausência nele de quaisquer limitações que consideramos naturais. Deus demonstra sua transcendência no Natal ao continuar sendo Deus, mesmo quando assume a nossa natureza. Como os pais da Igreja gostavam de dizer, ao se tornar humano, o Senhor assumiu aquilo que não era, e permaneceu aquilo que era. Jesus não é alguém ou divino ou humano. Ele não é um ser híbrido nem é um meio-deus, como Hércules, ou um “semi-mini-deus”, como o Maui da Disney. Jesus é plenamente divino e plenamente humano; ele é tudo o que significa ser Deus e é tudo o que significa ser humano — e, ainda assim, é uma única pessoa, indivisível.

Ele é isso e pode fazer isso porque nos transcende. Por ser absolutamente transcendente, ele pode ser absolutamente imanente, estar próximo de nós. Uma coisa implica a outra. Nas palavras de Santo Agostinho, “tu estavas mais dentro de mim do que a minha parte mais íntima. E eras superior a tudo o que eu tinha de mais elevado”. Se ele fosse diferente disso, seria limitado de alguma forma e, portanto, incapaz de ser ao mesmo tempo nosso Salvador e nosso irmão, nosso Senhor e nosso amigo, nosso juiz e nosso perdão.

Em suma, o Natal revela que Deus é completamente diferente dos deuses das nações e está muito além dos mitos, lendas e ídolos de toda espécie. Somente o Deus além de quem não há outro (Isaías 45.5) pode se tornar um de nós sem deixar de ser Ele mesmo — e sem deixar o céu vazio. O Senhor que se assenta no trono celeste também dorme na manjedoura, em Belém. Este é o mistério da Encarnação.

O último atributo que quero destacar é a sabedoria. Sabedoria é outro termo para designar o conhecimento de Deus, ou a sua onisciência. Deus possui uma compreensão plena de tudo. Ele ensina, mas nunca é ensinado. Seu conhecimento, assim como seu poder, não é limitado por nada; a seu conhecimento nada falta.

Esse conhecimento não é como o de um computador — ou como se fosse um chatbot de IA, só que sem cometer erros e alucinações. Deus não é um ChatGPT expandido, de modo a ter todas as respostas para tudo. Seu conhecimento é a sua sabedoria, e a sua sabedoria abrange muito mais do que o histórico impecável de alguém que não comete erros em jogos de perguntas e respostas.

Quando o assunto é Deus, sabedoria significa algo como a habilidade de um artista aplicada não apenas à mente, mas também a ações, planos e propósitos. Significa que Deus sempre faz a coisa certa, da maneira certa, na hora certa e pelo motivo certo. Suas ações, em outras palavras, são virtuosas; Ele age com retidão, sem exceções.

Mas Deus também age com beleza. A sabedoria de Deus é o movimento que faz da sinfonia uma obra-prima; é a reviravolta na trama que nos deixa sem fôlego; é aquela jogada inesperada que, olhando em retrospectiva, não poderia ter acontecido de outra forma. Ela é tão apropriada ao momento, tão adequada à necessidade, que se torna óbvia depois que o fato ocorreu, embora jamais poderia ter sido prevista. Ela é o pai que corre para abraçar o filho pródigo (Lucas 15.20); é o samaritano que se detém para ajudar o homem à beira da estrada (10.33-34); é a suposição de Maria, que olhou para o Senhor ressuscitado e viu um jardineiro (João 20.15).

E a sabedoria de Deus é o próprio Cristo, que nasceu em Belém, filho de uma virgem de Nazaré. E é também Maria, a última de uma linhagem de mães de milagres em Israel, que vão de Sara e Raquel a Rute e Ana. A sabedoria de Deus é José, que, como seu homônimo, leva sua família para o Egito em busca de proteção. Ela é Herodes, outro faraó que estava determinado a preservar sua tirania da ameaça de um menino hebreu. A sabedoria de Deus são os anjos e animais, criaturas do capítulo inicial de Gênesis que se irmanam e saúdam o nascimento de seu Criador em um estábulo. A sabedoria de Deus são os pastores, que se maravilham com o anúncio de que o rei-pastor de Israel finalmente veio.

Todas essas cenas e muitos outras preenchem a tela do artista divino, revelando o mestre e maior contador de histórias em sua incomparável sabedoria. Cada detalhe está no seu devido lugar. Tudo na narrativa estava se preparando para isso. E, agora que enxergamos, não podemos deixar de nos maravilhar com o nosso Deus. Grande é o Senhor e digno de todo louvor (Salmos 145.3). Ele se aproximou do seu povo em sua hora de necessidade. E a única coisa que nos resta é nos juntarmos à “grande multidão do exército celestial” (Lucas 2.13) e adorá-lo.

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