As noites de sábado de Anderson dos Santos são bem ocupadas. Depois de passar o dia inteiro em uma oficina automotiva, ele caminha pouco mais de um quilômetro para chegar em casa, depois, toma banho e passa um tempinho com a família. Logo em seguida, ele sai de casa novamente.
Santos faz uma série de paradas ao longo do caminho que percorre até a Assembleia de Deus que fica na Rua da Horta, em Ilhéus. A cada parada, uma criança ou um adolescente sai de casa e se junta a ele.
A igreja está localizada em uma área perigosa, cercada por comunidades onde existem grupos criminosos rivais. Mas Santos e seus jovens amigos percorrem juntos as ruas mal iluminadas enquanto caminham, sem medo, para o culto de jovens. “Todo mundo conhece a gente por aqui, portanto, podemos caminhar em segurança”, disse Santos.
Enquanto as grandes cidades brasileiras contam com megaigrejas que atraem milhares de fiéis para auditórios imensos, igrejas como a de Santos predominam nos bairros periféricos. Essas congregações pentecostais menores — lideradas por pastores que conciliam o ministério com uma atividade profissional e que evangelizam em meio à pobreza e à criminalidade — representam a face mais difundida do evangelho no país.
A proliferação dessas igrejas periféricas, a maioria delas com cerca de 50 membros, é uma característica marcante do desenvolvimento do evangelicalismo no país, que se expandiu entre as populações pobres das periferias dos grandes centros urbanos. “No Brasil, mais da metade da população ganha menos que o salário mínimo, e as igrejas refletem esse mesmo perfil social”, afirmou o teólogo Tiago de Melo.
Os líderes religiosos dessas igrejas periféricas frequentemente trabalham em empregos informais ou como autônomos, e são determinados e comprometidos. Pesquisadores afirmam que seu espírito empreendedor contribuiu para o recente crescimento evangélico no país.
“São pessoas que vêm de um ambiente socioeconômico marcado pela precariedade do trabalho”, que se manifesta sob a forma de desemprego e de empregos informais, disse o antropólogo Jefferson Arantes. Nos últimos três anos, ele entrevistou pastores da região de Campinas, no estado de São Paulo, como parte de sua pesquisa.
“São pessoas profundamente comprometidas com Deus, mas não necessariamente com denominações e instituições, razão pela qual muitas delas acabam transformando suas congregações em igrejas não denominacionais”, acrescentou Arantes. “Essas condições tornam o cenário muito difícil de mapear, porque são igrejas pequenas e muitas não possuem vínculos com denominações.”
Os evangélicos — entre os quais se incluem os pentecostais e os membros de outras tradições protestantes — representam atualmente 26,9% dos brasileiros com mais de 10 anos de idade. O país já possui mais de 597 mil templos religiosos, e as estimativas indicam que uma nova igreja evangélica é inaugurada a cada seis dias em São Paulo, a maior cidade do Brasil.
Em sua pesquisa, Arantes relata como um líder de uma pequena igreja resumiu a situação: “Você consegue imaginar se não existissem igrejas? Teríamos que construir 500 milhões de ‘manicômios’, porque as pessoas enlouqueceriam. A igreja ajuda muito as pessoas.”
Mas, enquanto grupos neopentecostais como a Igreja Universal do Reino de Deus pregam a teologia da prosperidade, igrejas periféricas como a de Santos tendem a oferecer aos fiéis um ensinamento evangélico mais tradicional, mais próximo do pentecostalismo clássico.
Nessas igrejas ainda encontramos relatos pessoais de superação da pobreza, mas apenas como um efeito colateral da transformação pelo evangelho. Depois da conversão, as pessoas param de desperdiçar dinheiro com bebida, jogos de azar e outras futilidades e se dedicam mais aos estudos ou ao trabalho. Como resultado, podem testemunhar para a congregação — e para seus vizinhos — como Deus mudou sua vida e as ajudou a sair da pobreza.
“O discurso da prosperidade financeira está presente na periferia, na música que as pessoas ouvem, nos influenciadores que seguem nas redes sociais”, disse Melo. “Na liturgia pentecostal brasileira, ela [a prosperidade financeira] aparece nos testemunhos, que estão presentes em quase todos os cultos.”
As igrejas incentivam a participação de todos os segmentos da comunidade, incluindo idosos e crianças, e reservam um tempo para testemunhos a cada semana.
“A igreja pentecostal, com seu discurso e sua prática voltados para a redução da distância entre líderes e fiéis, trouxe à tona a solidariedade que já existia entre os pobres”, disse o pastor Marco Davi de Oliveira, autor de um livro sobre pentecostais negros no Brasil. “Os pobres passaram a se ver como coparticipantes da obra de Deus na Terra, deixando de se ver como os rejeitados que não sabiam ler nem escrever.”
O perfil típico do evangélico brasileiro é o da mulher negra e pentecostal, como mostram dados do instituto de pesquisa Datafolha de 2020 e 2024.
Na periferia de cidades como Ilhéus, é essa responsabilidade de serem coparticipantes da obra de Deus que faz com que jovens não tenham medo de caminhar à noite pelas ladeiras, ao lado de Anderson dos Santos.
A agenda da igreja está lotada, assim como a de Santos. Além dos encontros de sábado à noite, os membros da igreja se reúnem para a escola dominical pela manhã, e depois para o culto noturno. Eles realizam reuniões nas casas às segundas-feiras e evangelismo de rua às quartas e às sextas-feiras.
“Devemos estar sempre disponíveis para o reino”, disse Santos, ao final de um culto de domingo.
Na manhã seguinte, às 5h da manhã, sua semana de trabalho começa novamente.