Church Life

Vá e não cancele mais

A igreja tem uma antítese perfeita para a nossa cultura do medo e do rancor: o discipulado.

A person shielding her head from angry emojis.
Christianity Today October 1, 2025
Illustration by Elizabeth Kaye / Source Images: Getty, Google

Como estudante de pós-graduação, passo muito tempo em salas de aula. Recentemente, participei de um curso intensivo com alguns colegas, a maioria deles um pouco mais velhos do que eu e já em estágios mais avançados da carreira. Embora tenha sido gentilmente orientada por muitos deles, tenho plena consciência da minha inocência e ingenuidade. Muitas vezes, fico nervosa em fazer perguntas, por medo de ser vista como alguém que não tem conhecimento suficiente, na melhor das hipóteses, ou como alguém que é politicamente incorreta ou insensível, na pior delas.

Certamente, existem pressões que são naturais, quando somos a pessoa mais jovem em uma sala de aula. Mas, terminado o curso, quando refleti sobre os motivos pelos quais me senti nervosa, percebi que a causa ia além de questões como idade ou experiência. Às vezes, o simples medo de fazer uma pergunta da forma errada foi o que me impediu de fazê-las. Eu formulava com o maior cuidado meus esclarecimentos ou comentários para não ofender nem excluir ninguém acidentalmente, e para não revelar vieses inconscientes. Passei tanto tempo bancando a advogada do diabo comigo mesma que, em vez de me permitir aprender, minha prioridade passou a ser dizer a coisa certa.

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Não há vergonha em querer ser empático e sensível com as pessoas ao seu redor. Isso é até mesmo bíblico. Veja Efésios 4.32: “Sejam bondosos e compassivos uns para com os outros, perdoando-se mutuamente, assim como Deus os perdoou em Cristo.” Tomar cuidado com o que fala é recomendado nos Salmos (19.14; 34.13; 141), em Provérbios (capítulos 12, 13, 15), nos Evangelhos e nas cartas de Paulo, Pedro e Tiago.

Mas, no meu caso, a ansiedade não estava enraizada em ponderações corretas. Em vez disso, meu medo era ser cancelada — e com isso não quero dizer ser devidamente responsabilizada por minhas ações, mas sim ser envergonhada e condenada ao ostracismo por supostamente “cruzar a linha” [ou seja, ultrapassar determinados limites permitidos].

A direita frequentementecritica a esquerda por fomentar a cultura do cancelamento. Mas, na minha experiência, a cultura do cancelamento existe em todos os espaços políticos, mesmo nas salas de aula, onde tentamos aprender uns com os outros. Na minha faculdade conservadora, quando eu fazia perguntas sobre sexualidade, aborto e a inerrância das Escrituras, eu me sentia como se estivesse pisando em ovos, para não parecer que estava ferindo a ortodoxia. Nos círculos mais progressistas que frequento, eu procuro ser meticulosamente precisa, quando faço perguntas sobre ação afirmativa, globalização e colonização.

De fato, a cultura do cancelamento é um problema real nos campi universitários. Ouvi falar de um aluno de uma universidade secular que foi colocado na lista negra, por causa de um projeto de arte autobiográfico de conclusão de curso, porque explorou questões delicadas em torno da sexualidade. No verão passado, comunidades estudantis foram devastadas por protestos motivados por posições díspares sobre o conflito entre Israel e o Hamas. A atmosfera desses lugares onde supostamente deveríamos ser livres para questionar as coisas tornou-se rápida em rotular, rápida em julgar e lenta em oferecer uma interpretação mais generosa para as palavras dos outros.

Mas a cultura do cancelamento não é exclusiva das faculdades. Acho que ela impacta todos os nossos espaços de formação — e isso é algo com que nós, como cristãos, devemos nos preocupar.

A cultura do cancelamento não deixa espaço para reconciliação, para curiosidade nem para comunidade. Ela separa as ovelhas dos bodes com base em um conjunto de padrões de julgamento que mudam constantemente. O cancelamento se baseia em “certos” e “errados” relativos, frequentemente determinados por modismos políticos, e não por verdades do evangelho. Quando o cancelamento acontece nas mídias sociais, é feito de forma rápida e anônima, confiando em uma mentalidade de multidão para promulgar sua justiça inconsistente.

A cultura do cancelamento também prospera com o medo. Você nunca saberá o bastante, nunca fará o bastante nem nunca será o bastante para escapar da ameaça. Você não pode nem ficar parado ou em silêncio. Nem mesmo Cristo, a pessoa mais perfeita, conseguiu escapar da cultura do cancelamento (veja Mateus 27 e passagens paralelas). No relato da crucificação de Lucas, Pilatos diz à multidão: “Como podem ver, ele nada fez que mereça a morte” (23.15). No entanto, o povo “continuava gritando: ‘Crucifica-o! Crucifica-o!’” (v. 21).

Como eu e outros membros da Geração Z devemos ser discipulados nesse ambiente cultural de hoje, quando a ameaça de cancelamento se aproxima? Posso fazer perguntas — na igreja, na escola, entre amigos — que não sejam um sinal da virtude das minhas ideologias ou não sejam percebidas como politicamente enviesadas? Onde posso encontrar graça, quando cometer um erro?

Como nós, cristãos, estamos passando pelo processo de santificação, a Bíblia pressupõe que não temos todas as respostas. Provérbios 3.5-6 afirma: “Confie no Senhor de todo o seu coração e não se apoie em seu próprio entendimento; reconheça o Senhor em todos os seus caminhos, e ele endireitará as suas veredas”. Romanos 11.33 proclama: “Ó profundidade da riqueza da sabedoria e do conhecimento de Deus! Quão insondáveis ​​são os seus juízos e inescrutáveis ​​os seus caminhos!”

Quando responde às muitas perguntas de seus discípulos, Jesus nunca zomba. Ele conta parábolas e, depois, faz mais perguntas. Antes de Jesus contar a parábola do Bom Samaritano, alguém perguntou: “Mestre, o que preciso fazer para herdar a vida eterna?” (Lucas 10.25). Em vez de responder diretamente, Jesus conta a história de três homens que passaram por uma pessoa ferida. No final, ele se volta para seus ouvintes em busca de uma interpretação: “Qual destes três você acha que foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?” (v. 36).

Jesus pode gentilmente corrigir seus seguidores por sua falta de compreensão (como quando ele diz: “Onde está a sua fé?”, depois de acalmar as águas, em Lucas 8.25), mas ele não os expulsa do grupo. Quando Pedro nega Jesus por três vezes, temendo ser rotulado como um pária que estava associado ao homem que seria enviado para a cruz (João 18.15-18), Jesus não cancela Pedro. Em vez disso, Ele o redime três vezes, uma para cada vez que o negou (21.15-19). Para Jesus o que importa é ajudar seus seguidores a crescer em sabedoria, e não determinar quem está “dentro ou fora”.

A cultura do cancelamento é a perfeita antítese desse modelo de discipulado, especialmente em espaços de formação e desenvolvimento. Em vez de confessar pecados, expressar dúvidas e buscar respostas juntos, o que temos nas mídias sociais é a aprovação e a falta de perdão sistêmica, que levam à insegurança e ao isolamento. O medo que sinto na escola, no trabalho, em pequenos grupos ou mesmo em meus círculos sociais, de ser repentinamente rotulada como ofensiva, manipuladora ou insensível, me deixa com menos espaço para conhecer os outros e para ser por eles conhecida. Se ninguém vai me ajudar a resolver problemas espinhosos nem vai me corrigir de forma construtiva, quando eu tropeçar, então, devo me isolar e ficar sozinha.

Em contraste, o discipulado nunca acontece em isolamento. Embora um conteúdo possa nos discipular para o bem ou para o mal — que o digam os vídeos do TikTok e as iscas de clique, ou os podcasts de sermões e os livros didáticos de teologia —, em termos ideais, estamos passando pelo processo de entender esse conteúdo com outras pessoas, acompanhados por mentores e colegas. Isso requer vulnerabilidade e confiança.

Gosto de usar a atividade de fazer pão como metáfora, pois ela me ajuda a aprender algo sobre Deus. O processo [de fazer o pão] me lembra do nosso mandato para criar. Quando erro, estendo graça a mim mesma. Pratico a paciência e experimento a gratificação adiada.

Eu certamente consigo fazer pão sozinha, usando livros de receitas, vídeos do YouTube ou Reels do Instagram para me orientar na técnica. Mas quando minha avó me ensina a temperatura ideal da água, quando minha mãe me mostra como sovar a massa sem passar do ponto, e quando posso compartilhar os pães quentinhos com amigos e familiares, a experiência é ainda mais gratificante.

Discipulado é sobre ser ensinado — mas também é necessário incluir outras pessoas em nosso aprendizado. Isso pode assumir a forma de pequenos grupos que criam um espaço seguro para viver uma vida verdadeiramente juntos, ou de um encontro em um café entre mentor e pupilo. O discipulado pode acontecer na escola, com um professor; em caminhadas ocasionais, com um membro da família; ou em uma refeição depois do culto dominical, com os amigos. Mas todas essas formas de comunidade se tornam impossíveis, se tivermos medo de sermos excluídos quando escorregarmos. A base da cultura do cancelamento é o medo. A base do discipulado é a graça.

Mia Staub é gerente de projetos editoriais na Christianity Today.

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