Todas as tardes, no caminho de volta da escola para casa, N. K., 6 anos, caminhava por hectares de uma plantação frondosa de mandioca, pés de milho e alqueires de cachos de banana que pendiam sobre as flores brancas dos pés de café. O sol brilhava intensamente sobre os férteis campos de solo vulcânico em Bukumbula, uma vila nos arredores da cidade de Masaka, no sudoeste de Uganda.
Antes de entrar no terreno de sua casa, N. K. passava pelo quiosque de Maalo Mohammed, que vendia rolexes, uma comida de rua bastante popular em Uganda, feita com omelete de vegetais enrolada em chapati, um massa fina de trigo. O homem de 70 anos, mais conhecido como Jajja (vovô) Roma, costumava tomar conta, por algumas horas, das crianças que moravam no quarteirão que ficava atrás de sua barraca, até que seus pais chegassem em casa.
Os pais de N. K. eram próximos de Maalo e confiavam nele. No entanto, sem que eles soubessem, Maalo seguia a filha deles até em casa, encurralando-a dentro de casa ou no banheiro e forçando-a a se despir. Então, ele estuprava N. K. Antes de ir embora, ele apontava uma faca para ela, avisando que a mataria se ela o denunciasse.
Em 17 de julho de 2023, a mãe de N. K., Namatovu Joyce, notou secreção na calcinha da filha, enquanto lavava roupa. N. K. estava se sentindo mal e sua mãe suspeitou. (Devido à natureza dos crimes cometidos contra as crianças nesta reportagem, a CT está usando só as iniciais dos nomes delas.)
Namatovu chorou, quando N. K. lhe contou sobre as agressões de Maalo. Ela e o marido, Sserwanja Dick, entraram em contato com as autoridades. Quando a polícia chegou, mais tarde naquele mesmo dia, pediu a Sserwanja o valor equivalente a mais de um mês de salário para transferir Maalo para a prisão e tratar N. K. no hospital. Sserwanja pagou, a contragosto, e a polícia prendeu Maalo sob a acusação de profanação (forma como se refere à agressão sexual em Uganda) e o levou sob custódia.
A corrupção é apenas um dos inúmeros desafios que os cidadãos de Uganda precisam enfrentar, quando lidam com o sistema de justiça criminal do país. De acordo com entrevistas feitas com profissionais ligados ao sistema de justiça criminal de Masaka, a falta de recursos e de pessoal regularmente impede prisões, julgamentos e os direitos dos réus à fiança e a um julgamento rápido.
A família de N. K. enfrentou muitos desses obstáculos: depois da prisão, eles passaram dois anos sem receber nenhuma informação sobre um possível julgamento. Sserwanja visitava a cadeia distrital a cada três meses, para confirmar que as autoridades não haviam libertado Maalo. (Famílias desesperadas podem até tentar subornar as autoridades.) Mas a determinação desse pai, aliada aos esforços de um ministério local, ajudou a garantir a justiça para a sua filha, algo que não acontece com muitas das outras vítimas de abuso sexual.
Em 2020, o Refúgio Okoa abriu o primeiro de seis centros na área de Masaka, para ajudar vítimas de abuso sexual a registrar boletins de ocorrência e enviar seus casos aos promotores, além de apoiar a aplicação da lei, oferecendo transporte e apoio para a prisão. No dia seguinte à prisão de Maalo, uma assistente social do Refúgio Oka ajudou a preencher e a enviar ao estado um formulário policial que documentava os crimes. Naquela época, três outras famílias, que compartilhavam o quintal com Namatovu e Sserwanja, relataram que Maalo também havia abusado de suas filhas, cujas idades variavam de cinco a oito anos.
A assistente social levou as cinco meninas a uma clínica para verificar se elas tinham resquícios do DNA de Maalo em seus corpos, e para testá-las para doenças sexualmente transmissíveis. Os testes confirmaram que o DNA encontrado era compatível com o dele e que as meninas tinham sífilis.
Como estavam ocupados cuidando dos problemas de saúde das filhas, os pais pouco puderam fazer para levar o caso adiante. O Tribunal Superior, que tinha jurisdição sobre casos de pena de morte e de prisão perpétua, tinha 1.114 processos acumulados. (Em tese, cada um dos 135 distritos de Uganda deveria ter seu próprio tribunal, mas nos casos em questão seis distritos estavam sob a jurisdição do Tribunal Superior de Masaka). Em 2024 não houve audiência de um único caso sequer. A prisão regional tinha sob custódia réus que haviam sido presos em 2018 e que nunca tiveram a oportunidade de pagar fiança.

Em fevereiro deste ano, Tyler Workman, CEO do Refúgio Okoa, encontrou-se com o juiz do Tribunal Superior, que perguntou a Workman se o Okoa consideraria financiar uma sessão do tribunal ainda naquele ano. Após deliberar com a diretoria, Workman concordou, mas queria que o financiamento fosse estratégico. Ele e seus colegas decidiram que a sessão incluiria casos de um único distrito. Eles também entraram em contato com a prisão (já superlotada) para garantir que ela teria espaço para receber até 40 novos presos. O ministério solicitou, então, que o tribunal ouvisse parte dos casos sugeridos por funcionários de um dos centros Okoa.
O tribunal, por sua vez, decidiu se concentrar nos casos mais recentes, em relação aos quais se acreditava que as vítimas (muitas das quais eram crianças) teriam maior probabilidade de se lembrar de fatos incriminadores e nos quais as testemunhas tinham menor probabilidade de terem se mudado da cidade.
Em abril, um policial foi pessoalmente à vila para informar N. K., seus pais e as outras três famílias que o caso delas seria ouvido em audiência na primeira quarta-feira de junho deste ano. Em 4 de junho, as famílias deixaram a aldeia às seis da manhã e chegaram ao tribunal às sete.
O julgamento começou às duas horas da tarde. Assim que as famílias entraram, um oficial acompanhou as meninas, levando-as para longe dos pais, até um espaço com bolas, quebra-cabeças, bonecas e carrinhos de brinquedo — com distrações que o tribunal utilizava para acalmar as crianças, enquanto se preparavam para dar seu depoimento ao juiz. Mesmo assim, elas tremeram quando Maalo entrou, olhou para elas e acenou.
“Eu não queria vê-lo”, disse N. K. “Recusei-me a fazer contato visual.”
Quando o julgamento começou, a juíza Bwanika Fatuma leu as acusações contra Maalo. Mas, antes mesmo que ela pudesse chamar alguém para depor, Maalo se declarou culpado por todos os casos.
A confissão de Maalo enfureceu os pais e as meninas. “Estávamos prontos para dar uma surra nele”, disse Namatovu. Quando uma das mães na sala começou a chorar, um funcionário a repreendeu.
O investigador, o promotor e a juíza posteriormente afirmaram que aquele havia sido o caso mais emocionalmente perturbador da sessão. No tribunal, Nassuna Rehema, o investigador, chorou. (“O réu não sente nem um pingo de remorso”). A juíza também chorou. Então, Bwanika condenou Maalo a 10 anos, 1 mês e 23 dias de prisão para cada menina que ele estuprou.
Maalo está agora encarcerado em uma prisão que tem atualmente cinco vezes mais presos do que o local comporta.
O sistema de justiça criminal condenou e prendeu o agressor, mas a recuperação pessoal das vítimas e das famílias tem sido mais difícil. No início, os colegas de classe intimidavam as meninas, chamando-as de “esposas” de Maalo. Outros as acusavam de terem HIV (Elas não têm). Todas as famílias envolvidas, com exceção de uma delas, transferiram suas filhas para outras escolas.
A casa da família de Maalo ainda fica no caminho da escola. O quiosque vazio que vendia rolexes fica a poucos passos da casa das meninas.
Após a prisão de Maalo, Namatovu começou a voltar mais cedo do trabalho. “Filhos são mais importantes do que dinheiro”, disse ela. Em certo momento, pensar no trauma da filha a deixou tão doente que ela quase precisou ser hospitalizada. Ela voltou-se para a oração, pedindo a Deus que lhe desse força e coragem, e que lhe desse também pessoas — entre seus vizinhos, alguns muçulmanos, outros cristãos — com quem pudesse conversar sobre os desafios de suas filhas.
Todas as meninas ainda sofrem com dores de estômago, dores de cabeça e dores nas pernas. Elas precisam de tratamentos mensais, que incluem injeções intravenosas (“Essas injeções doem muito”, disse N. K.), e, muitas vezes, precisam ficar de três a cinco dias seguidos na clínica. O preço dos tratamentos e os gastos com transporte para as sessões podem sobrecarregar financeiramente as famílias dessas meninas.
“Sempre que me sinto mal, lembro-me do que aconteceu e me sinto pior ainda”, disse N. R., que tinha cinco anos quando Maalo a estuprou.
As meninas também perceberam como são poucas as vítimas que podem buscar justiça. O enteado de Maalo cometeu um crime sexual contra uma menina da mesma idade delas, mas ninguém a defendeu, porque ela era parente dele, dizem as meninas.
“Quero que os pais dela a incentivem a falar”, disse N. R., “e não que a impeçam de contar o que aconteceu”.