A condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro a mais de 27 anos de prisão por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado traz um desafio para os evangélicos brasileiros: como superar a polarização política que tomou conta das igrejas brasileiras?
O apoio eleitoral dos evangélicos foi essencial para o sucesso eleitoral do ex-presidente. Em 2019, o Brasil elegeu Bolsonaro com o voto de 69% dos evangélicos, mas esse apoio diminuiu na campanha pela reeleição. Em 2022, ele perdeu a reeleição por uma margem de 2,1 milhões de eleitores, ou 1,8% do eleitorado. “Bolsonaro certamente não teria nenhuma relevância se não fosse pelos evangélicos”, disse a teóloga Jacira Monteiro.
“Esse apoio quase indiscriminado que os evangélicos deram ao bolsonarismo é uma das marcas mais claras do movimento golpista”, disse a cientista política Carla Ribeiro Sales, que é membro de uma igreja batista no Recife. “Confesso que tenho vergonha — não do evangelho, mas dessa confusão em que nos metemos.”
Esse apoio levou a situações conflituosas dentro das congregações. “É terrível ver pessoas magoadas, famílias divididas, igrejas doentes por causa dessa polarização”, disse Cynthia Muniz, pastora da Igreja Anglicana Porto, em São Paulo. “Famílias inteiras deixaram igrejas porque achavam que seu líder deveria tomar uma posição a favor de um candidato ou de outro.”
Alguns líderes evangélicos esperam que a condenação do ex-presidente possa estimular uma reflexão entre os evangélicos. O teólogo Valdir Steuernagel aponta para o desafio da igreja de recuperar o ministério da reconciliação, conforme descrito em 2 Coríntios 5.
“Fomos tão capturados pela polarização política que perdemos a capacidade de ouvir as Escrituras, que nos chamam para o encontro, não para o distanciamento”, disse ele à CT. “Somos chamados para reconciliar.
Não será uma tarefa fácil. Durante os dias que antecederam o veredicto, apoiadores evangélicos de Bolsonaro foram às ruas em manifestações e fizeram vigília com cartazes, bandeiras e velas do lado de fora do condomínio do político em Brasília.
Alguns evangélicos brasileiros permanecem leais a Bolsonaro e continuam participando de manifestações públicas, como a realizada no dia 7 de setembro em São Paulo. Os manifestantes pediram anistia para todos os acusados de golpe de Estado, incluindo Bolsonaro.
O pastor Silas Malafaia, líder da igreja Vitória em Cristo, um dos braços da Assembleia de Deus no país, é um dos porta-vozes mais veementes desse grupo e foi o organizador da manifestação de 7 de Setembro.“A Constituição, as leis e o sistema judiciário foram jogados no lixo por aqueles que deveriam ser o maior exemplo de defesa da lei: o Supremo Tribunal Federal”, disse ele em um vídeo divulgado após a condenação.
No mês passado, Malafaia foi alvo de mandado de busca e apreensão de seu passaporte e proibição de deixar o país, cumprido pela polícia federal, motivado pelo fato de que ele, em conjunto com o ex-presidente e seu filho, estariam envolvidos em crimes de coação no curso do processo e obstrução de investigação. Segundo a decisão judicial, a atuação conjunta deles visava influenciar o STF e obter anistia por meio de uma campanha de desinformação e pressão política, inclusive utilizando a ameaça do governo americano de aumentar as tarifas sobre as importações brasileiras como barganha.
Ed René Kivitz, pastor batista e presidente do Instituto Galilea, disse que as igrejas têm três desafios: defender a democracia e o Estado secular, promover a paz e a reconciliação entre todas as pessoas e multiplicar os sinais de justiça e solidariedade.
“Precisamos impedir que o pensamento das comunidades evangélicas seja sequestrado por ideologias políticas, sejam elas de direita ou de esquerda”, disse ele.
“Nossa preocupação como pastores é não permitir que isso aconteça novamente”, disse Muniz, que também enfatiza a superioridade da ética bíblica sobre as ideologias e a polarização produzida por elas.
Ela usa as palavras de Jesus a Pôncio Pilatos em João 18.36 como referência para abordar a polarização política: “Meu reino não é deste mundo. Se fosse, meus servos lutariam para impedir minha prisão pelos líderes judeus. Mas agora meu reino é de outro lugar.”
Para Muniz, o Reino de Deus não é algo distante ou irrelevante para o presente e para a criação, muito pelo contrário: tem um impacto real no mundo, trazendo justiça, bondade e esperança. “Ele não nasce de sistemas humanos, nem está sujeito à lógica do poder, às estruturas políticas, muitas vezes injustas e violentas, ou às ideologias deste mundo. Portanto, Deus não pode ser reduzido ou cooptado por partidos ou figuras políticas”, disse ela.
O ex-presidente continua em prisão domiciliar, agora condenado por golpe de Estado, abolição violenta do Estado de Direito, organização criminosa armada, danos agravados à propriedade pública e deterioração de um edifício tombado.
Ele e seus ex-assessores podem ir para a prisão em breve. Espera-se que o Supremo Tribunal Federal decida sobre todos os recursos até o final do ano.