Poucos dias após os Estados Unidos retirarem suas tropas do Afeganistão, o Talibã bateu à porta de Sahar.
Estudante universitária e mãe de primeira viagem, ela trabalhava para um ministério cristão estadunidense, na cidade de Herat. (A CT não divulgou seu nome completo para a segurança de sua família e do ministério.) Em agosto de 2021, autoridades do Talibã acusaram a jovem de 22 anos de “corromper mulheres” e “se desviar da fé islâmica”. Ameaçaram mandá-la para a prisão.
Sahar sabia que precisava ir embora do país. Ela ainda não tinha passaporte para seu filho de três meses, e seu marido — que, assim como Sahar, convertera-se ao cristianismo — havia levado a mãe para o Paquistão, para tratar um câncer.
Sahar decidiu cruzar a fronteira ilegalmente.
No final daquele mês, ela fugiu com o filho e o sogro. Na cidade de Spin Boldak [que fica na província de Candaar, no sul do Afeganistão, localizada na fronteira com o Paquistão], eles encontraram milhares de compatriotas afegãos tentando escapar sob um calor sufocante; as mulheres usavam suas pesadas burcas, impostas pelo Talibã. Sahar abraçou o filho com força, enquanto tentava passar pelo estreito portão da fronteira e pela multidão que os esmagava. Eles acabaram pagando um morador local para levá-los de carro até o Paquistão e pelos 960 quilômetros até Islamabad.
A família foi reunida, mas, em poucos meses, a sogra de Sahar morreu. Eles ficaram lá por quase dois anos, tentando reconstruir a vida em um país que não os reconhecia como refugiados.
“Tínhamos um medo constante de ser expulsos a qualquer momento”, disse Sahar. “Não sabíamos como sobreviveríamos se tivéssemos que voltar para o Afeganistão.”
Enquanto Sahar orava por segurança, a milhares de quilômetros de distância, no Brasil, cristãos acompanhavam a situação no Afeganistão e oravam para encontrar uma maneira de ajudar.
Pouco mais de dois anos após fugir do Talibã, a família de Sahar chegou a Curitiba, cidade onde voluntários de um ministério cristão os aguardavam no aeroporto. Sahar e o marido haviam considerado ir para os Estados Unidos ou a Alemanha, mas acabaram vindo mais para o sul.
“Não queríamos ser julgados pelo passado do nosso país”, disse Sahar. “Aqui no Brasil, as pessoas não se importam com isso.”
Durante os primeiros seis meses, a Missão Mais, organização sem fins lucrativos, forneceu-lhes de tudo: comida, roupas, medicamentos e assistência com a documentação legal. A família morou no acampamento do ministério, que incluía 16 casas, todas ocupadas por outras famílias afegãs. E, a partir do mês em que chegaram, eles obtiveram a cidadania no novo país.
Desde a tomada do poder pelo Talibã, em agosto de 2021, diversos ministérios brasileiros se mobilizaram para ajudar os afegãos, contando com a generosidade e o acolhimento das igrejas locais. Com o encerramento de programas para refugiados nos EUA e a restrição de recursos das Nações Unidas para reassentamento deles, essas redes baseadas em igrejas se tornaram uma tábua de salvação ainda mais crucial para os refugiados.
Segundo a contagem da ONU, mais de meio milhão de afegãos ainda precisam ser reassentados este ano, e o número de vagas disponíveis para refugiados de todos os países caiu de 195.069 em 2024, para 31.281 em 2025.
A Missão Mais é uma das três organizações no Brasil que atualmente estão autorizadas a avaliar os casos de refugiados afegãos e ajudar a reassentar os recém-chegados.
Outra organização é a Panahgah, cujo nome vem da palavra dari para “refúgio” e que começou seu trabalho pela coordenação de patrocinadores para os refugiados entre igrejas locais, em novembro de 2021. Desde então, a organização tem trabalhado com cristãos em mais de 35 cidades brasileiras, para fornecer moradia, alimentação, assistência jurídica e apoio para integração de quase 1.000 refugiados afegãos.
Autoridades governamentais elogiaram o sucesso do modelo de patrocínio comunitário adotado pela Panahgah. Organizações da sociedade civil facilitam os vistos humanitários e a integração, mas não recebem financiamento governamental.
“É a própria comunidade que se responsabiliza por apoiar e acompanhar as famílias refugiadas”, disse Sindy Nobre, assessora jurídica da Panahgah.
Além de conectar refugiados com redes de igrejas, os ministérios oferecem aulas de português, orientação para imigração e workshops sobre a vida cotidiana no Brasil, que abordam desde o sistema bancário até a saúde pública.
A Vila Minha Pátria, uma organização sem fins lucrativos criada pela Junta de Missões Nacionais da Convenção Batista Brasileira, em abril de 2022, serve como um centro de recepção primordial para os recém-chegados que se preparam para se mudar para outras cidades, onde receberão um ano de apoio. A Vila recebeu inicialmente 54 refugiados, mas a demanda cresceu rapidamente, à medida que funcionários do aeroporto e outras pessoas lhes encaminhavam famílias que não tinham para onde ir.
“Hoje, além de afegãos, recebemos refugiados de outras nove nacionalidades”, disse Jennifer Soares, que coordena a Vila com o apoio de líderes da igreja que fazem doações, visitam e hospedam as famílias.
No ano passado, porém, o Brasil suspendeu os vistos humanitários que permitiam a chegada de famílias afegãs como a de Sahar e reformulou o processo, de modo que os refugiados afegãos passassem por organizações aprovadas [pelo governo], em vez das embaixadas, para se instalarem no Brasil.
Embora a Vila tenha espaço para receber mais pessoas, as famílias continuam presas no Afeganistão, sem alternativa para sair de forma segura do país. Parentes de famílias reassentadas frequentemente entram em contato para compartilhar sua situação e pedir ajuda.
“Recebemos mensagens diárias de pessoas que estão se escondendo na própria casa, com medo de serem encontradas por grupos radicais”, disse Soares.
Quando Sahar se mudou para o Brasil, em 2023, o ministério cristão onde ela e o marido trabalhavam — que transferiu suas operações do Afeganistão para o Paquistão — providenciou os documentos de viagem para a família. “Tudo o que precisamos fazer foi uma entrevista”, disse Sahar.
Assim que sua família chegou ao Brasil, a Missão Mais os auxiliou no processo de obtenção de carteiras de identidade e CPF junto à Polícia Federal, concedendo-lhes a cidadania cerca de um mês após sua chegada. Seus documentos de identidade atuais ainda são provisórios, mas este mês — um ano e meio depois de sua chegada — eles esperam receber a documentação permanente.
Depois que os EUA pararam de aceitar refugiados, em janeiro deste ano, sob o governo Trump, muitos dos refugiados que chegaram ao Brasil com a esperança de se mudar para os Estados Unidos estão cruzando a fronteira para a Guiana Francesa — território francês que fica na América do Sul —, na esperança de obter cidadania da União Europeia.
De acordo com a equipe da ONU, a cessação do financiamento para ajuda externa fornecido pelos EUA também forçou a ACNUR (Agência da ONU para Refugiados) a reduzir suas operações no Brasil, suspendendo aproximadamente 40% dos programas que estavam planejados.
Embora a agência continue a fornecer alguma assistência — contando com uma combinação de recursos fornecidos por governos de outros países e parcerias privadas —, agora está priorizando operações para salvar vidas e de medidas preventivas, a fim de evitar um déficit orçamentário, caso a ajuda financeira dos EUA não seja retomada.
Os refugiados que chegam ao Brasil recebem menos ajuda material e menos apoio financeiro, e há menos trabalhadores disponíveis para ajudá-los a se estabelecer com rapidez.
Embora os fiéis das igrejas possam se importar com os refugiados, muitos não sabem como ajudá-los a obter documentação legal, moradia ou emprego, de acordo com Karen Ramos, da rede Como Nascido Entre Nós.
Há também uma lacuna na compreensão teológica. “Sem uma base bíblica sólida”, ela alerta, “o compromisso da igreja em acolher e apoiar refugiados de forma significativa e sustentável pode ser frágil.” Além dessas limitações, existem ainda obstáculos culturais e sociais, entre eles o preconceito e a resistência que são encontrados em algumas comunidades locais.
Depois que a família de Sahar ficou seis meses em Curitiba, a Missão Mais os conectou a uma igreja parceira em Ribeirão das Neves, Minas Gerais. A igreja forneceu moradia, alimentação e uma bolsa mensal de R$ 2.000 por um ano (cerca de US$ 362). Durante esse período, o marido de Sahar conseguiu um emprego para lavar ônibus. Mais tarde, ele se candidatou a uma nova vaga como controlador de tráfego, e agora trabalha em noites alternadas.
O filho deles, que está com quatro anos, frequenta a escola à tarde, enquanto Sahar faz aulas de direção. Assim que tirar a carteira de motorista, ela pretende cursar sociologia em uma universidade.
Os membros da igreja os convidam para festas de aniversário e casamentos, visitam a casa deles e compartilham refeições. “Nós os apresentamos à comida afegã — e eles gostaram muito”, disse ela. “Fomos acolhidos e abraçados. Hoje, mal nos lembramos que somos estrangeiros — sentimos como se tivéssemos nascido aqui.”