Pastors

Os pastores precisam aprender a trabalhar como o Senhor: lentamente

Sua lógica não é produtividade, mas sim a presença na vida da comunidade.

Man teaching a boy how to farm and till the land.
CT Pastors July 11, 2025
AleksandarNakic / Getty / Edits by CT

Cresci sob o cuidado de dois homens diferentes: um fazendeiro e um pastor. Meu pai pastoreia uma igreja no sudeste do Texas, e há quase 30 anos serve as mesmas pessoas, no mesmo lugar. Ele sabe onde encontrar o melhor gumbo [guisado típico do estado vizinho da Luisiana] da cidade e sabe quais são os bairros que alagam primeiro, quando furacões passam pela região. Já realizou cerca de 500 funerais naquela comunidade e naquela igreja. Suas raízes ali são “profundas”.

Meu avô, que agora está com o Senhor, era um pequeno fazendeiro no leste do Texas, atrás da região chamada de “Cortina de Pinheiros”. Os verões que eu passava com ele eram sinônimos de cortar lenha, transportar forragem e consertar cercas. Ao final de um longo dia, ele ria e dizia para mim e para meu irmão: “Vocês fizeram um bom trabalho hoje, meninos. Vão até o poço e bebam o máximo de água que conseguirem”. Antes de voltarmos para casa, ele nos dava 100 dólares. Naquela idade, nos sentíamos milionários. Ele faz muita falta.

Ouço ecos desses dois homens nas páginas da obra Jayber Crow, um romance do escritor Wendell Berry. Conheci a poesia e os ensaios de Berry na faculdade, mas só li seu romance no ano passado — uma história comovente sobre o pertencimento a um lugar e a um povo. Embora toda a obra tenha me tocado profundamente, o que me abalou foi a dissonância entre as abordagens das diferentes gerações em relação ao trabalho e ao lugar onde vivemos, que vemos refletidas nos personagens Athey Keith e Troy Chatham.

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Por que fiquei abalado? Bem, segui os passos do meu pai e sou pastor de uma igreja local. Sou um jovem pastor com um jovem rebanho. Quando li Jayber Crow, percebi que estava caindo nas mesmas armadilhas que o empreendedor e ambicioso Troy Chatham caiu — armadilhas que a geração do meu pai soube evitar porque as “ferramentas” [daquela época] eram menos atraentes.

A história chega até nós por meio de Jayber Crow, um órfão que se tornou barbeiro local no Condado de Port William, Kentucky. Sua vida e obra estão enraizadas neste pequeno lugar, onde ele vê as pessoas por dentro, como um coparticipante ao lado delas. Este condado parece obscuro para todos, exceto para aqueles que nele vivem. Mas é assim que os lugares funcionam. Você só conhece um lugar e as pessoas que nele vivem quando pacientemente participa dele.

Através dos olhos de Jayber, conhecemos Athey Keith, um fazendeiro de Port William com um pedaço de terra fértil que ele cultiva de forma lenta e deliberada. Jayber o descreve desta forma:

“Athey não era exatamente, ou não era somente o que chamam de um ‘proprietário de terras’. Ele era o fazendeiro da fazenda, mas era também uma criatura da fazenda e algo que pertencia a ela. Ele vivia a vida da fazenda, e a fazenda vivia a vida dele; Athey sabia que, das duas vidas, a dele deveria ser a menor, a mais curta. Troy, em contrapartidada, não tinha a menor ideia de tudo isso, sequer suspeitava. Ele achava que a fazenda existia para servi-lo e engrandecê-lo.”

Athey se vê como alguém que tem raízes na terra, que está incorporado ao ambiente. Por essa razão, ele não tem ânsia de explorar a terra. Arrancar [as coisas] do solo seria como arrancar a própria alma. Ele poderia se apressar, mas não o faz. Ele sabe que a maneira como trabalha a terra imprimirá a ela uma forma, e por muito tempo depois que ele se for.

A conexão de Athey com o lugar em si determina os tipos de ferramentas que ele está disposto a usar para concluir seu trabalho. As ferramentas utilizadas por ele são lentas, pacientes e manuais. O ritmo que o arado imprime “sobre” a terra é moldado pela crença de Athey a respeito do lugar que o arado deve ocupar ‘na’ terra. O arado é uma ferramenta. Ferramenta estranha ao solo, um intruso necessário. O mínimo que pode fazer é revolver as fileiras de terra, lenta e deliberadamente. Athey não usará ferramentas que se movam rapidamente sobre a terra. Ele quer cultivá-la, não feri-la.

Mas Athey tem um genro que quer se mover rápido. Troy, casado com Mattie, a filha de Athey, quer resultados rápidos e impactantes e não está disposto a esperar por eles. Ele acata com avidez quaisquer ferramentas que prometam esse tipo de retorno rápido, e é indiferente ao que essas ferramentas podem causar ao lugar em si. Ele não pensa na forma como seu trabalho é realizado e como isso pode afetar a terra. Está interessado apenas no que pode ganhar, extrair da terra e não enxerga nada que possa dar a ela. Na verdade, Troy não enxerga a fazenda — seu olhar a atravessa.

A princípio, Troy começa imitando os métodos de Athey, não porque quisesse, mas porque lhe parece apropriado, dada a autoridade de Athey. A verdadeira mudança ocorre com a adoção de uma nova ferramenta: o trator. Jayber capta a dinâmica desse momento:

“Não se podia prever, naquela época, que esse processo se intensificaria e se aceleraria cada vez mais, até finalmente esgarçar todo o antigo tecido do trabalho familiar e das trocas de trabalho entre vizinhos. A nova forma de cultivar a terra era uma forma de dependência… dependência de máquinas, de combustível e de produtos químicos… e dos vendedores dos produtos comprados — o que a transformou, por fim, em uma dependência de crédito… Troy se endividou e comprou seu novo equipamento porque não queria ficar para trás… O trator aumentava muito a potência e a velocidade do trabalho. Com a nova ferramenta, ele poderia cultivar mais terra… [e] poderia trabalhar à noite.”

O trator é mais do que uma ferramenta. É um símbolo da velocidade com que ferimos a terra. O ritmo mais acelerado traz consigo uma postura diferente em relação à terra, ao tempo e aos vizinhos. Athey cede — não porque concorde com isso, mas porque está envelhecendo e não consegue mais trabalhar como antes. O trator não apenas remodela a terra de Athey; ele muda tudo, incluindo as pessoas e o lugar, dos quais a terra é parte.

Athey é um agricultor, não um filósofo. No entanto, como a maioria dos pequenos agricultores, ele cultivou um imaginário do lugar ao viver com um profundo compromisso para com o “território sob seus pés” (Berry, “The Writer and Region”). O velho agricultor percebe que a adoção do trator não ficará restrita à fazenda. Jayber observa:

E assim a fazenda passou a ser influenciada por um novo padrão, padrão de um desacordo fundamental como nunca antes se vira. Era um desacordo sobre tempo, dinheiro e o uso do mundo. O trator parecia ter emanado diretamente da mente de Troy, da sua necessidade de se lançar de cabeça, dia ou noite, e realizar feitos heroicos.

Nossas ferramentas refletem aquilo em que acreditamos sobre o tempo, o dinheiro e a forma como trabalhamos no mundo. Assim como as ferramentas remodelam os lugares, elas também remodelam as pessoas que vivem neles. Ouça o lamento de Jayber:

“Confesso que ouvi isso com um sentimento de culpa, pois, quando Troy começou a dizer tais coisas, eu já tinha comprado o meu Ford Zephyr e sucumbido a algo parecido com essa mesma impaciência. … Mesmo na minha velocidade máxima de 64 quilômetros por hora, eu odiava qualquer coisa que me exigisse diminuir o ritmo. … Tendo começado a me ressentir com o insulto a Athey, acabei dando a Troy uma risadinha e lhe fazendo um aceno de compreensão, o que me envergonhou e não me fez gostar mais dele.”

Jayber é influenciado por um trator que nunca usa. A própria presença do trator no lugar em que ele mora começa a redefinir a maneira como Jayber participa deste lugar. Troy não caminharia pela fazenda como Athey caminhava, e Jayber não caminharia pelas estradas do Condado de Port William. Sua vida se acelera, enquanto ele dirige por Port William do mesmo modo como Troy dirige pelas terras do velho Athey: rápido.

Nosso trabalho é moldado, influenciado pelas ferramentas que adotamos. Qualquer trabalho poderia se beneficiar, se fôssemos mais presentes e tivéssemos mais paciência, atenção, e não tivéssemos pressa; tudo isso, porém, é essencial quando trabalhamos com pessoas. E pastorear “é” trabalhar com pessoas. Como os bons agricultores, os pastores fiéis também pertencem ao lugar em que trabalham. Quando o apóstolo Pedro exorta os pastores, em 1Pedro 5, ele lhes diz: “Pastoreiem o rebanho de Deus que está aos seus cuidados”. Pastores são pessoas colocadas à disposição de servir pessoas reais em um lugar real.

Eu cresci vendo pilhas de post its [bilhetinhos] cor-de-rosa com as palavras “Enquanto você esteve fora”, que eram deixados na escrivaninha do meu pai, que era pastor. Quando ele saía para almoçar com algum diácono, para discutir a próxima campanha de evangelismo comunitário, não era possível contatá-lo no restaurante. Se um membro da igreja passasse pelo escritório dele, enquanto ele estivesse fora, a secretária anotava o nome dessa pessoa, o horário em que passou e o número do telefone da casa dela em um post it rosa. Se meu pai estivesse em seu escritório trabalhando no sermão de domingo e orando por ele, post its das ligações telefônicas que ele não atendera se acumulavam em sua escrivaninha, aguardando seu retorno.

Suas ferramentas de trabalho eram lentas e pessoais. Os nomes eram escritos à tinta, à mão, por uma secretária que provavelmente perguntava à pessoa [que deixara o recado para o pastor]: “E como vai a sua mãe?”. Recentemente, pedi a ele que acessasse sua conta de e-mail da igreja, criada há 15 anos, para ver quantos e-mails ele havia enviado. Foram pouco menos de 5.000. Minha conta de e-mail, ativa há menos de 7 anos, desde o início da nossa igreja, já enviou mais de 20.000 e-mails.

Pastorear é um trabalho lento, paciente, mas para pastores jovens como eu, é uma atividade acelerada. E todos perdem quando o ritmo do ministério pastoral se acelera. Parte disso é cultural, mas nós também adotamos com avidez ferramentas que nos dão velocidade, dizendo a nós mesmos: “Nós as redimiremos”. Na verdade, essas ferramentas são melhores em nos discipular do que nós somos em usá-las de forma fiel.

Pastorear de forma rápida é pastorear de forma superficial. Sempre. Athey temia que os tratores de Troy o levassem a se deslocar rápido demais por terras demais. Meu pai se preocupava que os pastores da minha geração fossem preferir a comunicação digital com seu rebanho. Certo dia em que reclamei de uma longa troca de e-mails que tive com um membro da igreja, para falar sobre seu casamento, meu pai gentilmente falou: “Não seria melhor você simplesmente ter ligado para ele para combinar isso? Assim você também poderia ter orado por ele, e ele te ouviria.”

Francis Schaeffer, em No Little People [Não há gente sem importância], escreveu: “Devemos fazer a obra do Senhor do modo como o Senhor faria”. Troy não está disposto a fazer o trabalho do agricultor do modo como o agricultor faria. Ele é um proprietário de terras, não um agricultor — não demonstra nenhuma honra pelo lugar em si, e se mostra ingênuo em relação à forma como as ferramentas usadas remodelam aqueles que as manejam. À medida que a desumanização se transforma no “custo por fazer negócios”, os pastores devem pesar o custo das ferramentas que usam e se perguntar: Elas nos impedem de fazer a obra do Senhor do modo como o próprio Senhor faria?

Assim como Davi rejeitou a armadura do rei Saul, em 1Samuel 17, nós também pareceremos tolos, quando nos opusermos às ferramentas e ao espírito da época. Estamos dispostos a ser pastores obscuros, sem fama, que acreditam que as pedras do riacho podem ser mais eficazes quando atiradas com fé do que a armadura sofisticada de um rei?

Pastores pastoreiam. Para fazermos nossa obra do modo como o Senhor faria, faria-nos bem lembrar que ele é o verdadeiro pastor — o Sumo Pastor — que conhece a todos pelo nome, que se retirou para lugares isolados, que recebeu interrupções com paciência, que abraçou a obscuridade e passou a maior parte de seu ministério caminhando de um lado para o outro, rodeado de pessoas.

Athey perguntava o que a terra poderia suportar. Troy, por sua vez, perguntava o que a terra poderia lhe dar. A pergunta para nós, pastores, é igualmente simples: Estamos aqui para estar com nosso rebanho ou para receber algo deles?

A primeira coisa é o verdadeiro ministério. A segunda é ambição disfarçada. Se os pastores não forem cuidadosos, verão lugares e pessoas pelo prisma das ferramentas que usam, e não verão nada além de um meio para alcançar um fim — um lugar para o seu ministério, e não um lugar para ministrar.

Kyle Worley é pastor no Texas, autor de Home with God: Our Union with Christ [Em casa com Deus: Nossa união com Cristo; B&H] e apresentador do podcast Knowing Faith. Você pode segui-lo nas redes sociais: @kyleworley.

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