Todas as vezes que começa um novo ano, o algoritmo nos mostra uma enxurrada de publicações que prometem um “novo eu”. Uma nova dieta, uma nova rotina de exercícios, novos produtos. E que momento seria melhor do que este para começarmos uma nova rotina de autocuidado, não é mesmo?
Mas não é só no começo do ano que as redes sociais idealizam nossa existência. O tempo todo e o ano inteiro, os usuários são bombardeados com postagens que mostram padrões de vida impossíveis, de rotinas de skincare à higiene do sono. Mães e pais se sentem derrotados ao assistirem a vídeos onde os pais de uma criança aparentam ter tudo sob controle. Influenciadores compartilham dicas fáceis para ter uma pele perfeita, e os seguidores que não têm ficam desanimados.
Sonhar com a vida “ideal” pode proporcionar uma sensação de controle reconfortante. Talvez seja realmente possível fazer com que as crianças tirem uma soneca à tarde, o que gera mais tempo, por exemplo, para preparar refeições saudáveis e não ter de comer comida congelada. Mas há também um perigo no quanto idealizamos a vida que poderíamos ter — especialmente quando se trata da nossa fé.
Como mulher solteira, penso frequentemente em assuntos como casamento e maternidade. Imagino como seria criar filhos ao lado de um parceiro a quem eu amasse e que também me amasse. Consigo até visualizar a casa dos meus sonhos e o casamento dos meus sonhos; sei os nomes dos meus futuros filhos. (Meus painéis do Pinterest mostram tudo isso em detalhes). Mas construir a minha fé em torno das minhas expectativas sobre casamento e maternidade não é algo sustentável. Essa visão do futuro vincula Deus a promessas que Ele nunca fez, comprometendo minha fé com exigências frágeis.
É claro que as redes sociais não ajudam em nada. Quando entro no Instagram, não vejo apenas influenciadores. Vejo amigos e conhecidos noivando, casando-se, tendo filhos, comprando casas, adotando cachorros. Já se passaram alguns anos desde que me formei na faculdade e meu maior medo é ver pessoas mais jovens do que eu viverem a vida que sempre imaginei para mim.
Há dias em que me sinto tão desanimada com a minha realidade, quando comparada às imagens que vejo no meu feed, que sinto vontade de poder voltar no tempo e tentar novamente.
Nós, cristãos, nos encontramos em uma posição muitas vezes desconfortável, vivendo entre as duas vindas de Cristo. Isso significa que constantemente mantemos em tensão as realidades do pecado e da esperança. Jesus morreu na cruz e ressuscitou, e nós fomos redimidos. Ainda assim, enfrentamos lembretes diários de que vivemos em um mundo caído. Como diz o Credo Niceno: “aguardo a ressurreição dos mortos e a vida do mundo vindouro”. Também ansiamos por uma boa noite de sono, um corpo saudável, uma mente tranquila, um lar acolhedor, um cônjuge amado e filhos amorosos.
Esperar por essas coisas não é algo inerentemente ruim. No sofrimento retratado nos Salmos, Davi olha para o passado, em busca de lembrar da fidelidade de Deus, e antecipa um novo dia. Veja o Salmo 77: “Recordarei os feitos do Senhor; recordarei os teus antigos milagres”. No Salmo 84, ele diz: “A minha alma anela, e até desfalece, pelos átrios do Senhor; o meu coração e o meu corpo clamam ao Deus vivo” (v. 2).
Como cristãos, estamos constantemente nos lembrando das boas-novas de Jesus e ansiando pela vinda do reino. Sabemos que Jesus voltará e que o mundo inteiro será restaurado. Mas não sabemos exatamente como será essa restauração — ou, enquanto ela não vem [por completo], como ela se manifestará em nossa própria vida. Deus quer coisas boas para nós, mas as mídias sociais fazem das coisas boas alvos em constante movimento.
A armadilha para nós, cristãos, está em quando a idealização se torna idolatria — quando os ideais se transformam em expectativas, quando depositamos nossa esperança em versões de vida que não nos foram prometidas.
É exatamente isso que os algoritmos das mídias sociais fazem. Eles são projetados para gerar insatisfação, criando um abismo entre onde estamos e onde queremos estar, insistindo em que bens materiais ou rotinas adequadas podem resolver nossos problemas e que o “sucesso” se parece o mesmo para todos nós. Os algoritmos nos imploram que continuemos a consumir conteúdo que aumente a nossa sensação de não ser o suficiente ou de não ter o suficiente.
Não há nada de errado em criar bons hábitos. Mas nenhuma rotina de exercícios adequada, nenhuma dieta correta, nem a pele perfeita — ou nem mesmo um cachorro, uma casa e um cônjuge — podem consertar esse descompasso entre a vida que vivemos hoje e a vida ideal que gostaríamos de viver.
O livro de Eclesiastes, caracterizado por seu pessimismo e sua luta com o propósito humano, normalmente não é o livro que mais me inspira. No entanto, ultimamente, a conclusão a que ele chega tem me trazido certa paz.
Depois de vasculhar a terra em busca de sabedoria, o autor conclui que tudo na terra é vaidade. (A palavra hebraica para vaidade, hevel, é usada quase 40 vezes em Eclesiastes; a expressão vaidade e correr atrás do vento é repetida 7 vezes na versão ESV.) Hevel significa “em sentido figurado, algo transitório e insatisfatório” e também “vapor ou sopro”.
A vaidade não é apenas hedonista, mas também passageira. Essa mesma palavra é traduzida por ídolos em outras passagens do Antigo Testamento: em Deuteronômio, Moisés relata a rejeição de Deus pelos hebreus no deserto (32.21), e em 1Reis, essa palavra descreve o fracasso dos reis de Israel (16.13, 26). Vaidade também é a palavra usada em Jó [em algumas versões] para descrever os conselhos vazios de seus amigos (21.34; 27.12).
A repetição incessante de Eclesiastes ressalta um dos pontos principais desse livro: os caminhos humanos são decepcionantes, e é inútil depositar nossa esperança em qualquer outra coisa que não seja Deus.
Em outras palavras, eu não preciso ficar sonhando com as cenas pitorescas que vejo nas redes sociais, sejam elas postadas por influenciadores ou amigos. Amar a Deus e guardar seus mandamentos é o que posso fazer, e o que posso controlar. Inclinar-me a obedecer me transformará em quem ele quer que eu seja e me levará para onde ele quer que eu vá — algo que talvez não seja bem o tipo de vida que as mídias sociais me incentivam a desejar. Mas as mídias sociais não são minha medida de sucesso.
Depois de passar a vida buscando sabedoria, o autor de Eclesiastes conclui seu livro apontando-nos para a única coisa que é constante: Deus. Deus é o nosso provedor, não apenas das necessidades materiais, mas também da paz que excede todo o entendimento. “De tudo o que se ouviu, aqui está a conclusão: Tema a Deus e obedeça aos seus mandamentos, porque isso é o essencial para o homem”, escreve ele. “Pois Deus trará a julgamento tudo o que foi feito, até mesmo tudo o que está escondido, seja bom, seja mau.” (12.14).
A máquina de gerar conteúdo online nos tenta com soluções paliativas para problemas metafísicos. Mas, no grande esquema da história do mundo, as coisas que buscamos aqui — a rotina de skincare perfeita, a melhor maneira de ter uma casa impecável, a melhor e mais nutritiva alimentação, o romance de conto de fadas — são todas pó (Ec 3.20). Deus não espera que a gente resolva nossa ansiedade existencial por meio de produtividade e esforço, buscando sempre um retorno ao que tínhamos no passado ou buscando algo para desejar no futuro. Ele nos pede apenas para segui-lo e para amarmos o próximo.