Pela primeira vez na história do país, os cristãos evangélicos compõem mais de um quarto da população, de acordo com novos dados do censo divulgados nesta sexta-feira.
Pelos dados de 2022, publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os evangélicos somavam 47,4 milhões de pessoas, ou 26,9% dos brasileiros com 10 anos ou mais, em comparação com a porcentagem de 21,6% em 2010. Uma análise por denominação é esperada nos próximos meses.
Enquanto isso, a parcela da população católica, historicamente predominante no país, caiu de 65,1% para 56,7%. Aqueles que se identificaram como sem religião aumentaram de 7,9% para 9,3%. Em dois estados, os evangélicos superaram os católicos pela primeira vez.
O ritmo de crescimento dos evangélicos, no entanto, está desacelerando. Entre 2000 e 2010, o número total de evangélicos no Brasil aumentou de 26,2 milhões para 42,3 milhões, um aumento de mais de 16 milhões de pessoas. De 2010 a 2022, o aumento foi de pouco mais de 5 milhões de pessoas.
O demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, professor aposentado da Escola Nacional de Ciências Estatísticas, afirmou que os dados não alteram a tendência, mas adiam o momento em que se espera que o número de evangélicos ultrapasse o número de católicos no país.
Em 2020, Alves publicou artigos acadêmicos argumentando que, com base nas tendências demonstradas em censos anteriores, essa superação do número de católicos pelos evangélicos poderia ocorrer em 2032. “Naquela hipótese [anterior], eu estava trabalhando com uma tendência de crescimento acelerado das igrejas evangélicas e um declínio acentuado no número de católicos”, disse ele. Em vez de acelerar, porém, o protestantismo cresceu em um ritmo mais lento.
Como resultado disso, a esperada transição religiosa “provavelmente ocorrerá na década de 2040 ou mesmo na década de 2050”, disse Alves. Em uma versão revisada de seu artigo, ele coloca 2049 como a data provável.
Essa desaceleração era esperada. O antropólogo Livan Chiroma, coordenador do Aliança LAB, o departamento de pesquisa e inteligência missionária da Aliança Evangélica Brasileira, detectou uma tendência de arrefecimento a partir de 2018. Ao monitorar dados sobre evangélicos em pesquisas de opinião pública, o Aliança LAB constatou que os institutos de pesquisa deixaram de apostar no crescimento contínuo durante esse período.
A época coincide com a eleição presidencial vencida por Jair Bolsonaro, que teve forte apoio de líderes evangélicos. “Muitos fiéis buscam um espaço espiritual nas igrejas, não um espaço político”, disse Alves. “Quando líderes religiosos adotam posições partidárias radicais, alguns membros se sentem desconfortáveis e até mesmo traídos.”
Com a desaceleração do crescimento evangélico, a proporção de pessoas classificadas como sem religião aumentou — de 14,6 milhões em 2010 para 16,4 milhões em 2022. Os não religiosos — que incluem ateus, agnósticos e aqueles que declaram não ter uma identidade religiosa — representam 9,3% dos brasileiros, a maior proporção da história.
O censo também confirma o perfil e a geografia do evangelicalismo brasileiro, que é predominantemente feminino: as mulheres representam 55,4% e os homens, 44,6%. Na população brasileira em geral, 51,8% são mulheres e 48,2% são homens.
Em geral, os evangélicos são menos brancos do que a média nacional (são 38%, em comparação com 44,3% dos brasileiros em geral) e são mais negros (12%, em comparação com 10,7% do total da população brasileira). Da população indígena (apenas 1,4 milhão de pessoas), 32,2% se identificam como evangélicos.
Em termos regionais, o quadro que surge é o de um país com contrastes gritantes.
Em outra mudança sem precedentes, os evangélicos superaram os católicos em dois estados do país: Acre e Rondônia, ambos na região norte da Amazônia. No Acre, os evangélicos representavam 44,4% da população, em comparação com 38,9% dos católicos. Em Rondônia, os números ficaram mais próximos — 41,1% evangélicos e 40,9% católicos.
O crescimento do cristianismo evangélico na Amazônia é uma tendência bem documentada. Já no censo de 1991, quando os evangélicos ainda representavam apenas 9% da população nacional, eles já ultrapassavam a marca dos 20% em Rondônia. Embora os esforços missionários na região continuem fortes, estudiosos argumentam que fatores demográficos desempenham um papel mais decisivo nessa expansão.
“Precisamos ver a Amazônia em termos menos exóticos”, disse Chiroma. “A missiologia tende a ver a região através de uma lente de exotismo — comunidades ribeirinhas, ameríndios, o ‘bom selvagem’, como dizem os sociólogos. Mas, embora esses grupos estejam presentes, algo que muitas vezes se esquece é a progressiva urbanização da região, que é onde grande parte desse crescimento está acontecendo.”
Um exemplo disso é a Igreja Batista Bíblica Emanuel, uma congregação batista conservadora que fica na periferia de Porto Velho, capital de Rondônia. Quando a igreja foi fundada em 2000, a área era escassamente povoada e predominantemente rural. Desde então, a população de Porto Velho cresceu 38%, chegando a 460.000 habitantes. Terrenos rurais deram lugar a moradias precárias e, posteriormente, a grandes conjuntos habitacionais públicos, trazendo consigo os mesmos desafios urbanos enfrentados em outras grandes cidades.
O pastor Antônio de Souza, que lidera a igreja, falou com a CT por telefone, enquanto helicópteros da polícia sobrevoavam a área, à procura de suspeitos nas ruas de terra do bairro. No domingo anterior, alguém foi baleado no terreno baldio ao lado da igreja. “Houve uma explosão urbana em Porto Velho, acompanhada de todos os problemas que isso traz”, disse ele.
Em meio a uma população carente de segurança e de assistência, as igrejas preenchem essa lacuna. “Conseguimos evangelizar em lugares onde a maioria das pessoas nem consegue entrar”, disse Souza.
A região mais populosa do país, o Sudeste, também é a mais diversa em termos de religião. Católicos representam 52,2%; evangélicos, 28%; sem religião, 11%; e espíritas, 2,7%.
No Sul, 62,4% são católicos e 23,7% são evangélicos. Em 14 municípios do Rio Grande do Sul, porém, o número de católicos ultrapassa a marca de 95%. Trata-se, em sua maioria, de cidades pequenas com um número significativo de imigrantes italianos e poloneses católicos.
No Centro-Oeste, 52,6% dos habitantes são católicos e 31,4% são evangélicos.
O Nordeste é o principal reduto do catolicismo e, consequentemente, a região menos evangélica do país. Nos nove estados do Nordeste, 63,9% da população se identifica como católica e 22,5% como evangélica.
O estado do Piauí tem a menor proporção de evangélicos, 15,6%. E a porcentagem de católicos lá é de 77,4%, a mais alta do país.
A menor porcentagem de católicos está em Roraima, no extremo norte do país: 37,9%. Nesse estado, 34,3% são evangélicos e 16,9% dizem não ter religião — o maior número do país.