Church Life

Como pastorear mulheres jovens em uma era de intensa polarização

Quatro fatores que as afastam da igreja e estratégias pastorais para abordá-los.

Silhouette of a young woman in front of cross-shaped window lighting.
CT Pastors April 23, 2025
Blond Fox / Getty

Há apenas uma geração, Sunday Morning [Manhã de Domingo], uma pintura de Norman Rockwell de 1959, foi um diagnóstico profético para pastores de todos os lugares. Nela, a mãe leva as crianças para a igreja, enquanto o pai fica em casa, presumivelmente ocupando-se com coisas sem importância. Quando saem de casa, o olhar do filho está voltado para o exemplo do pai, aprendendo que igreja é coisa para mulheres e crianças. Os tempos mudaram — o clima cultural mudou, e agora são as mulheres jovens que sentem que igreja é coisa para homens.

O que está acontecendo com as mulheres jovens? Umas doze pessoas ou mais me fizeram essa pergunta nos últimos meses. Dois gráficos, um do The Guardian e outro do Financial Times, são particularmente chocantes, especialmente se contrastados com a pintura de Rockwell.

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Historicamente, os homens se identificam como mais conservadores do que as mulheres, mas a lacuna ou a distância entre ambos está se ampliando, com um aumento significativo a partir de 2012.

Para a Geração Z, essa lacuna se estende para além da política e das esferas da religião e da sexualidade. Nos Estados Unidos, a Geração Z é a única em que as mulheres superam os homens no quesito de desvinculação da religião, desafiando tanto normas históricas quanto globais. A proporção de mulheres da Geração Z que se identificam como feministas é maior do que em qualquer outra outra faixa etária, e 30% das mulheres da Geração Z se identificam como LGBTQ. Essas tendências são tão atípicas e graves que alguns chamaram 2024 de “o ano da cisão global dos gêneros”.

Pastores que desejam evangelizar e discipular homens e mulheres (como de fato devem), precisam entender os fatores que estão por trás dessa tendência, para conseguirem traçar uma trajetória que os ajude a navegar por essas novas águas. Se “religião” é uma palavra-código para identificar a “direita” (ou “pessoas based”, como dizem os criadores de gírias na Internet, ou seja, pessoas que expressam pensamentos e opiniões que contrastam totalmente com o modernismo, o liberalismo social e o pensamento politicamente correto), então, existem estruturas de plausibilidade e obstáculos que devem ser superados [para se poder evangelizar e discipular].

Vamos analisar quatro fatores centrais [que estão por trás dessa tendência]: aborto, atomização, abuso e algoritmos.

Aborto 

A maioria das mulheres (63%) e 45% dos homens se identificam como pró-escolha [defendem a liberdade individual das mulheres de optar entre ter ou não um filho e de levar adiante uma gravidez]. “Aborto é questão de saúde pública”, diz o argumento. “Quem é contra a saúde? Vocês querem que as mulheres adoeçam?”; “Meu corpo, minhas regras” é o refrão libertário que às vezes é usado para vacinas, às vezes para o aborto; os dois casos têm a ver com a definição de políticas médicas pelo governo.

Uma confusão significativa reside nas diferenças em como as pessoas entendem e usam a palavra aborto. Às vezes, a palavra é usada para descrever uma mulher que faz uma curetagem após um aborto espontâneo, e às vezes o próprio aborto espontâneo é chamado de “aborto natural”. Em outros casos, gestações ectópicas não viáveis ​​ameaçam a vida da mãe. Nessas situações, dizer que “aborto é questão de saúde” é uma afirmação verdadeira, à qual os evangélicos não se opõem a priori.

Quando tentamos alcançar pessoas para Cristo, é crucial entender suas preocupações e validá-las, sempre que possível. Nós, que acreditamos que os seres humanos são a imagem de Deus desde a concepção, devemos ser capazes de falar com sensibilidade sobre essas questões de política pública, e não deixar que nosso ativismo pró-vida seja percebido como brutalidade ou ignorância a respeito de questões de saúde reais que as mulheres enfrentam. Por exemplo, suponha que um visitante chegue em sua igreja e diga algo do tipo: “Eu gosto de Jesus, mas o fato de os cristãos serem contra o direito de escolha das mulheres me faz perder o interesse na igreja”. Em casos assim, em vez de responder secamente “Lamento muito que você pense assim!”, devemos tentar nos aproximar. Por exemplo, podemos perguntar: “Sua afirmação é interessante. Como isso se tornou importante para você?”. O visitante provavelmente discutirá o terrível transtorno da gravidez não planejada, questões relacionadas a estupro, incesto ou situações de saúde que colocam em risco a vida da mãe. Podemos reconhecer como são terríveis algumas dessas circunstâncias e o mal presente em outras delas. Também devemos discutir o papel da igreja em apoiar mulheres que enfrentam situações extremamente difíceis, e nosso compromisso de proteger sua dignidade. Porque as mulheres são feitas à imagem de Deus, ele valoriza a vida de cada mulher e odeia toda e qualquer agressão que seja praticada contra elas.

Ao mesmo tempo, devemos estar dispostos a contra-argumentar: um erro não justifica o outro. A maioria dos abortos não tem nada a ver com uma preocupação com a saúde da mulher. Na realidade, a maioria dos abortos ocorre porque ter um filho interferiria em objetivos pessoais, como educação, trabalho, finanças ou o cuidado de outros filhos que a mulher já tenha. E isso representa um profundo afastamento do chamado cristão ao autossacrifício e à proteção da vida de vulneráveis — um valor que diferencia os crentes desde a igreja primitiva. Colocando de forma mais direta, é assassinato — comparável ao culto a Moloque, no qual crianças eram oferecidas como sacrifício pir alguma vantagem pessoal ou familiar. Ao longo da história, o povo de Deus tem sido a contracultura, diferenciando-se por sua disposição de colocar as necessidades dos indefesos acima da conveniência ou do ganho pessoal. A evangelização envolve tanto afirmar quanto confrontar, e isso certamente se aplica à questão do aborto.

Atomização 

A atomização arranca os indivíduos de seu contexto social, de sua rede de relacionamentos e dos desígnios de seu Criador. O individualismo radical combinado com o consumismo levou as pessoas a conceberem sua vida como uma marca pessoal que é objeto de curadoria e planejamento. Os planos de Deus para mim não podem ser diferentes dos planos que eu já tenho para mim mesmo. A ideia de Deus como autor da história que tem um “desígnio” parece uma imposição, segundo a qual toda a autoridade — mesmo a autoridade divina — só é vista como legítima quando derivada do “consentimento dos governados”. Filhos, neste contexto, não são considerados bênçãos, mas sim empecilhos, estorvos e interferências.

Os evangélicos podem reconhecer que os filhos, por definição, “obstruem e estragam” os corpos das mulheres mais do que os corpos dos homens. Há um custo desproporcional. Isso não acontece por causa do “patriarcado”, mas resulta do design de Deus para a biologia.

O feminismo tem prós e contras. Pró: as mulheres têm menos probabilidade de ficarem presas a casamentos abusivos hoje em dia do que tinham a algumas gerações atrás. Contra: a maternidade é percebida como um ataque à essa mulher atomizada, e o feto é visto como um parasita que recebe ou não consentimento de sua hospedeira. Uma pessoa que concebe a sociedade como um agrupamento de indivíduos que consentem, em vez de vê-la como uma rede de lares, de famílias e de comunidades, inevitavelmente verá a ordem criada como um estraga-prazeres que nos sobrecarrega de deveres, e não como um desígnio encantador.

Abuso 

Os movimentos #metoo e #churchtoo coincidem com o mesmo momento histórico em que há um pico de aumento do número de mulheres que se identificam como liberais. O abuso de poder é uma questão significativa para o sexo mais frágil, como mencionado em 1Pedro 3.7. Embora tanto homens quanto mulheres possam ser vítimas e perpetradores de abuso, o número muito maior de homens em posições de autoridade significa que o abuso de poder frequentemente pende, de forma desproporcional, em prejuízo das mulheres. Quantos abusadores ainda precisam ser protegidos por igrejas antes que seja razoável que as mulheres concluam que o problema é a natureza da instituição em si?

Você não precisa estar convencido de todas as alegações de abuso para reconhecer que o padrão mais amplo é, no mínimo, um desserviço para a reputação e o testemunho da igreja. Em conjunto com esse contexto, seríamos tolos em não ver como um presidente que apareceu na capa da revista Playboy — um artefato cultural inerentemente abusivo e desumanizador — em nada contribui para combater a desconfiança com que as mulheres jovens possam ver os círculos conservadores.

Embora os pastores possam ser tentados a formar opiniões sobre todos os supostos escândalos de abuso que chegam aos noticiários, fazer isso seria em grande parte uma perda de tempo. A parte mais importante, quando o assunto é alcançar mulheres jovens para Cristo, é ter uma teologia e uma filosofia coerentes sobre abuso, uma estrutura de responsabilização pública dentro de suas igrejas e um procedimento bem estabelecido para lidar com casos de abuso dentro da congregação.

Um pastor que ignore ou não se interesse pelas dinâmicas de poder dentro dos lares e das instituições deixa de seguir o caminho encarnacional de Jesus. Os pastores devem se fazer várias perguntas: Temos um protocolo claro para lidar com alegações de abuso? Buscamos fazer treinamentos com especialistas nesta área? Estamos promovendo uma cultura em que as vítimas se sintam seguras para denunciar? Ser pró-vida, de uma perspectiva tanto bíblica quanto pública, exige que cuidemos verdadeiramente das pessoas mais vulneráveis — que com frequência são as mulheres — em nossas congregações e comunidades.

Se você não tem certeza de por onde começar, leia Leslie Vernick, leia Darby Strickland, aprenda com Chris Moles, familiarize-se com o modelo Duluth. Treine seus líderes e presbíteros, atue em colaboração com terapeutas locais e, acima de tudo, não superestime sua competência quando se tratar de questões de abuso.

Algoritmos 

A era digital criou uma nova realidade em que estamos sujeitos tanto a um grau maior de exposição a histórias de sofrimento quanto a pressões sociais tribalistas, vindas de dentro e de fora dos nossos próprios grupos. Essa dinâmica tem sido mais difícil para as mulheres do que para os homens.

No livro de Jonathan Haidt, The Righteous Mind [A mente justa], ele identifica seis “papilas gustativas morais” que moldam como as pessoas se envolvem no raciocínio moral: compaixão, liberdade, justiça, lealdade, autoridade e santidade. Dessas seis categorias, a mais fortemente associada a alguém que se identifica como liberal é a compaixão, e a segunda é a justiça. A importância da com-paixão — literalmente “sofrer com”— ser equiparada a liberal é significativa, uma vez que as afeições femininas e maternais, despertadas por níveis mais altos de oxitocina presentes nas mulheres, naturalmente facilitam um grau maior de conexão emocional com outras pessoas.

Os algoritmos sabem disso e literalmente tirarão proveito daqueles que têm uma natureza em geral mais empática. Enquanto os homens em geral são mais propensos a terem sua raiva atiçada pelos algoritmos, as mulheres em geral, sendo mais sintonizadas com dinâmicas de grupo, são mais suscetíveis às pressões sociais trazidas por meio da tecnologia digital. As mídias sociais se aproveitam dessa dinâmica, com algoritmos que monetizam em cima de nossos desejos e afeições e que estão mais interessados em cooptar nossa alma e transformar em arma o que poderia ser santo, do que em tornar o mundo um lugar melhor. São as igrejas que devem ajudar jovens, mulheres e homens a desenvolver uma vida emocional moldada pelas Escrituras.

Descartar a compaixão porque ela é taxada como algo feminino é anticristo, ou seja, é contrário a Cristo — o próprio Jesus viu as multidões e foi “movido de grande compaixão”, muitas vezes nos Evangelhos. A inclinação das mulheres para a compaixão é um dom que deve inspirar os homens. A igreja deve demonstrar a saúde emocional e o socorro que vêm de Jesus para aqueles que está tentando alcançar.

Não acho que seja mera coincidência que o aumento de jovens mulheres que se identificam como liberais se correlacione perfeitamente com a era do smartphone. A exposição a mais histórias, os mecanismos descentralizados que amplificam as vozes dos que sofrem e a capacidade de dinâmicas tribais serem desenvolvidas digitalmente são coisas novas, e jovens mulheres inclinadas para a compaixão e sem o córtex pré-frontal totalmente desenvolvido são as mais suscetíveis à pressão social que essa realidade gera. A obra mais recente de Haidt, The Anxious Generation [A Geração Ansiosa], documenta esse fenômeno extensamente.

Pastores que desejam ministrar neste ambiente devem ter uma compreensão bem elaborada e matizada do que a Bíblia diz sobre a ansiedade e de como agir e interagir de forma saudável em um mundo digital. Somos chamados a encarnar a compaixão altruísta de Cristo, que contrasta fortemente com a compaixão mercantilizada que permeia nosso cenário digital.

O ônus da prova

Cada mudança na cultura traz ativos e passivos para a evangelização. Embora o maior interesse dos homens pela igreja seja uma boa notícia, o ceticismo crescente das mulheres deve ser combatido. A Grande Comissão não é uma tarefa ligada a gênero!

No mínimo, o fato de as mulheres se identificarem como menos religiosas e mais liberais coloca o ônus da prova sobre os conservadores religiosos, no sentido de que demonstrem que sua visão de mundo é boa, verdadeira e bela não só para seus pares masculinos, mas também para as mulheres. Como em qualquer empreendimento missionário, essa iniciativa é multifacetada: devemos dedicar atenção cuidadosa a questões relacionadas ao aborto, devemos ser pessoas que nutrem uma compaixão saudável, que ajudam pacientemente os outros a ordenar de forma correta seus afetos, que disciplinam abusadores e apoiam os abusados, e que pensam de forma crítica e com clareza sobre as palavras da moda e os movimentos culturais como o feminismo. Ficar esperneando e reclamando sobre como as jovens mulheres estão se inclinando para o liberalismo e se posicionando contra a igreja não é uma estratégia missionária viável. Os pastores precisam desenvolver as competências necessárias e se arrepender, sempre que for preciso, para que sejam pastores fiéis.

Em última análise, sabemos que toda visão de mundo e toda ideologia que não estiverem submetidas ao senhorio de Jesus não são boas para as pessoas. A evangelização está enraizada em nosso amor pelas pessoas, por cada uma delas, e em nosso desejo de que vivam de acordo com o design maravilhosamente criado por Deus. Mas boas intenções e orações fervorosas não são suficientes; seguir o Deus Altíssimo encarnado é algo que tem tudo a ver com uma contextualização cuidadosa e graciosa.

Seth Troutt é o pastor responsável pela área de ensino da igreja Ironwood Church, no Arizona. Seus estudos de doutorado se concentraram nos temas Geração Z, digitalização e autoconceito corporal. Ele escreve sobre emoções, gênero, criação de filhos e a interseção entre teologia e cultura. Ele e sua esposa, Taylor, têm dois filhos pequenos.

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