Church Life

Diaconia azul: o mar como participante ativo no cuidado dos pobres

Colaborar para o florescimento da biodiversidade marinha é um meio de participar da obra de Deus, segundo afirma um teólogo indonésio.

Christianity Today April 29, 2025
Illustration by Mallory Rentsch Tlapek / Source Images: Unsplash

A Indonésia é a maior nação-arquipélago do mundo. Ela é composta por impressionantes 17 mil ilhas, e tem 70% da sua população vivendo em áreas litorâneas. Muitos veem o país como um paraíso para os mergulhadores, já que o local abriga recifes de corais vibrantes, repletos de peixes coloridos, e conta também com o maior ecossistema de manguezais existente no planeta.

Mas meu país enfrenta hoje uma grave crise ecológica marinha, devido à pesca destrutiva, à poluição, às mudanças climáticas e às emissões de gases de efeito estufa. Nosso ecossistema de manguezais, ervas marinhas e recifes de coral está em declínio. Os estoques de peixes também estão diminuindo, enquanto outras criaturas marinhas são frequentemente envenenadas pela poluição terrestre.

Esta crise representa uma séria ameaça para o contexto da Indonésia, onde vida ecológica e vida social são frequentemente coisas indissociáveis. Mais da metade da ingestão anual de proteínas da população indonésia provém de peixes e frutos do mar, e cerca de 7 milhões de pessoas dependem intensamente do mar para sua subsistência. Hoje, porém, mais de 2,5 milhões de famílias indonésias envolvidas em atividades pesqueiras de pequena escala correm o risco de perder seu meio de subsistência e sua fonte de renda. As áreas de pesca estão cada vez mais limitadas e isso tem gerado conflitos entre pescadores tradicionais da região.

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A população mais pobre em nossas áreas costeiras é a que mais sofre com tudo isso, devido à sua dependência do mar para sobreviver. Muitos deles utilizam técnicas e equipamentos tradicionais — como o pudi (barragens de pesca que canalizam os peixes para um local específico) e o bubu (armadilhas para peixes feitas de bambu) —, a fim de coletar diversos tipos de frutos do mar, durante a maré baixa, para se alimentar.

A crise ecológica marinha, no entanto, está destruindo cada vez mais a fonte de alimento dessas pessoas. Além disso, está aos poucos apagando nossa cultura de cuidado com os necessitados, já que as comunidades costeiras frequentemente priorizam os pobres na hora de coletar provisões extraídas do mar.

Em outras palavras: o mar não só nos dá alimento como também cultiva em nós a compaixão pelos pobres. Mas, agora, tanto a sustentabilidade do mar quanto esse cuidado comunitário estão ameaçados.

Refletindo sobre as práticas tradicionais das comunidades e das igrejas litorâneas da Indonésia, apresento o conceito e a prática da diaconia “azul”, termo que vem do grego diakonia, palavra usada para designar serviço e ministério, da qual deriva a palavra diácono.

O estudo do acadêmico australiano John N. Collins sobre a diaconia no Novo Testamento e em fontes gregas antigas enfatiza que o serviço e o ministério conduzidos por seres humanos apontam para o mandato de Deus para cuidarmos dos pobres. O missiólogo dinamarquês Knud Jørgensen também vê a diaconia como um convite à participação na obra de Deus de cuidar e libertar os pobres, os marginalizados e os oprimidos.

A maioria dos crentes indonésios considera a diaconia uma questão primordialmente humana, demonstrada por meio do cuidado com os pobres, fornecendo-lhes alimento ou apoio financeiro. Tal compreensão, no entanto, não incorpora as maneiras pelas quais a própria criação cuida dos desfavorecidos.

Na minha opinião, precisamos desenvolver uma diaconia azul que reconheça e apoie os mares — os quais alimentam os pobres e dão vida a todos que deles dependem — como participantes ativos que são na obra do Deus triúno.

Um gostinho do reino

Uma pesquisa de 2023, realizada pela agência governamental Statistics Indonesia, constatou que 25,9 milhões de pessoas do país vivem na pobreza. Isso torna a diaconia uma prática crucial entre os fiéis, que representam 11% da população do país de maioria muçulmana.

Existem três modelos de diaconia amplamente aceitos nas comunidades cristãs indonésias, de acordo com o teólogo indonésio Yosef Purnama Widyatmadja: a diaconia caritativa (caridade), a diaconia reformativa (desenvolvimento individual/comunitário por meio de treinamento) e a diaconia transformativa (transformação estrutural/social). Integrar a crise ecológica à forma como as igrejas indonésias praticam a diaconia é uma novidade promissora. De fato, há um interesse crescente em um discurso teológico conhecido como ecodiaconia, o qual busca garantir que a natureza continue expressando sua ação, especialmente como fonte de alimento, e que os pobres tenham acesso a esse alimento de forma sustentável.

Mas, na diaconia azul, são especificamente os mares e oceanos — e não a natureza em sentido genérico — que os cristãos se esforçam para servir e proteger. As águas que cobrem a face deste planeta são a boa criação de Deus, assim como também o são todas as criaturas que nelas vivem, as quais ele abençoa e capacita para que “sejam férteis e multipliquem-se! Encham as águas nos mares” (Gênesis 1.10, 20-22). O mar e suas criaturas experimentam o amor de Deus na medida em que o Senhor cuida deles e os renova (Salmos 104.24-30; 145.9).

Além disso, o mar e suas criaturas não são elementos marginais da criação, mas sim parte do reino vindouro de Deus. Como afirma o teólogo americano J. Richard Middleton, a frase “e o mar já não existia”, em Apocalipse 21.1, é uma boa notícia, pois o mar já não será mais usado pelo Império Romano como meio para expandir seu poder econômico explorador. Em vez disso, o mar participará da adoração a Deus como nova criação: suas criaturas se juntarão a outras criaturas, no céu, na terra e debaixo da terra, para cantar “ao que está assentado no trono e ao Cordeiro” (Apocalipse 5.13).

Sob essa perspectiva, as igrejas podem proclamar o evangelho (Marcos 16.15) permitindo que o mar e suas criaturas sintam esse gostinho, esse antegozo do reino vindouro de Deus. Preservar e restaurar o mar, para que ele continue a encarnar seu papel de prover alimento, especialmente para os pobres, é dar-lhe esse gostinho — e é uma manifestação da diaconia azul.

Na província de Nusa Tenggara Oriental, a igreja evangélica Gereja Masehi Injili di Timor (GMIT) tem buscado melhorar as condições marinhas em sua região, nos últimos cinco anos.

Em 2020, a igreja firmou uma parceria com o Ministério de Assuntos Marinhos e Pesca da Indonésia para transplantar corais para o Parque Nacional Marinho do Mar de Savu, localizado na província, a fim de restaurar o ecossistema do parque. Desde 2021, a igreja GMIT também planta e cuida de manguezais na Ilha de Savu. Este projeto é “uma expressão da nossa fé, pois preservamos o dom da vida concedido por Deus restaurando e protegendo os manguezais, assim como os manguezais nos protegem dos ciclones”, disse Mery Kolimon, ex-moderadora do sínodo da GMIT.

“Simplesmente não podemos deixar o ecossistema de manguezais ser destruído — precisamos ajudar a restaurá-lo, porque esse é o nosso chamado como povo de Deus”, acrescentou Rowi Kaka Mone, um dos líderes do projeto.

Outras igrejas indonésias têm ministérios que visam conservar as águas em sua região. Há muitos anos, duas igrejas em particular — a Gereja Protestan Maluku (GPM) e a Gereja Kristen Injili di Tanah Papua — praticam a sasi laut, tradicional pesca sustentável que preserva os ecossistemas marinhos, mantendo uma área livre de atividades pesqueiras por um período específico, que varia de três meses a dois anos.

As pessoas costumam chamar a prática de sasi laut da GPM por outro nome: sasi gereja, ou “sasi da igreja”. Este conceito “carrega em si a bênção da igreja local e o temor a Deus dos fiéis. Desrespeitar o ‘sasi da igreja’ é cometer um pecado”, afirmou uma reportagem do Forests News.

Cuidando de órfãos e viúvas

No entanto, considerar o mar apenas como um recipiente da diaconia — o serviço e ministério cristão — não é o suficiente, pois essa perspectiva pode ofuscar a agência ou participação do mar na criação.

É verdade que o mar precisa que os seres humanos cuidem dele. Mas o mar também tem funções decisivas que devemos reconhecer. O mar não é um objeto passivo totalmente dependente dos seres humanos. Analisar como o mar desempenha um papel vital na execução da missão de Deus, mesmo em sua recuperação de danos antropogênicos, nos ajuda a perceber que os seres humanos não apenas fazem algo pelo mar, mas também junto com ele.

Isso significa que o mar também pode ser considerado um diakonos, um diácono ou ministro que cuida dos pobres, fornecendo-lhes alimento. As comunidades costeiras da Indonésia veem o mar como uma entidade viva que nutre e sustenta a vida das pessoas dessas comunidades com o alimento físico. Por exemplo, o povo marítimo de Lamalera, em Nusa Tenggara Oriental, chama o mar de ina fae belé ou sedo basa hari lolo, frases que descrevem o mar como uma mãe amorosa que gera e cria seus filhos e lhes fornece tudo o que precisam.

Um retrato mais específico do cuidado que o mar tem para com os pobres é encontrado em um estudo de 1997, liderado pelo teólogo e antropólogo indonésio Tom Therik, sobre as atividades pesqueiras de Pantai Rote, a comunidade marítima da Ilha de Semau. Na língua local e na poesia tradicional, os pobres são chamados de ina falu (viúvas) e ana mak (órfãos). Duas vezes por dia, essas viúvas e órfãos saem para recolher plantas aquáticas e criaturas marinhas durante a maré baixa. Essa é uma norma cultural de ampla aceitação na comunidade, pois os pobres não podem comprar barcos nem equipamentos de pesca adequados, e só podem contar com a generosidade do mar para seu sustento diário.

O mar molda a cultura popular de cuidar dos pobres: as águas daquela região fazem parte do Triângulo de Coral, também conhecido como a “Amazônia dos mares”, por conter a maior biodiversidade marinha do planeta. Abriga 76% das espécies de corais, bem como seis das sete espécies de tartarugas marinhas, e serve como um prolífico local de desova e viveiro de atuns.

Perceber o mar como agente ou elemento ativo de Deus, conforme eu argumento aqui, não é algo estranho à nossa fé cristã. A Bíblia faz isso explicitamente. Em Gênesis 1.22, Deus abençoa e ordena às criaturas marinhas: “Sejam férteis e multipliquem‑se! Encham as águas nos mares!”. Em Gênesis 4.11-12, a terra é retratada como um elemento que se opõe ao mal, abrindo a boca para receber o sangue de Abel e recusando-se a dar seu fruto para Caim.

Essas personificações bíblicas da criação também nos permitem reconhecer o papel significativo do mar em libertar os israelitas da opressão do Egito (Êxodo 14.20-21). O mar retrocede e se divide, formando uma parede de água à direita e outra à esquerda, para permitir que os israelitas passem em terra seca, enquanto impede o exército do Faraó de persegui-los, como afirma a estudiosa bíblica indonésia Margaretha Apituley.

Perceber o mar como diakonos — um emissário da obra de Deus — faz parte, portanto, de um arcabouço bíblico. Assim como o mar da Galileia facilita a obra de Cristo ao fornecer dois peixes para acompanhar os cinco pães e alimentar a multidão (Marcos 6.30-44), os mares indonésios facilitam a obra de Cristo ao oferecerem tudo o que neles nada e cresce como alimento para os pobres das comunidades costeiras do arquipélago.

Em essência, a diaconia azul é uma missão pelo mar e com o mar. Ela reconhece e respeita o mar como um participante ativo na obra de Deus. À medida que as igrejas apoiam o florescimento dos mares como meio de alimentar os pobres, os cristãos e o mar também podem se tornar codiáconos ou coministros de Deus.

Os encontros entre as culturas marítimas tradicionais da Indonésia e o cristianismo podem ser uma oportunidade importante para as igrejas abordarem a crise ecológica marinha e seus impactos negativos sobre os mais necessitados. Minha esperança é que a diaconia azul possa ser uma missão que pertença não só às igrejas indonésias, mas também às igrejas por todo o planeta, justamente como Jesus ordenou a seus discípulos: “Deem‑lhes vocês mesmos algo para comer” (Marcos 6.37).

Elia Maggang é doutor pela Universidade de Manchester, no Reino Unido. Radicado na Indonésia, seu trabalho teológico gira em torno das interseções entre o cristianismo e as tradições autóctones, especialmente sua teologia e prática em relação ao mar e como os seres humanos se relacionam com ele.

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