Como o antropólogo David Gilmore escreveu em Manhood in the Making [Masculinidade em Formação], a maioria das culturas ao redor do mundo geralmente define a masculinidade em torno de três capacidades: a de prover, a de proteger e a de procriar. Para grande parte das culturas, a definição de masculinidade era feita assim. Tornar-se marido e pai, e ao mesmo tempo ser o principal provedor da casa tem sido o caminho tradicionalmente prescrito para os homens alcançarem esse senso de masculinidade.
No entanto, as mudanças econômicas e sociais que ocorreram nos últimos 50 anos levaram muitos a questionarem essa visão tradicional, em especial a capacidade de prover. A transição para uma economia que exige habilidades mais sofisticadas e é voltada para serviços, o que requer treinamento e educação mais aprimorados, tem colocado os homens particularmente em desvantagem — em especial aqueles que, em tempos passados, facilmente conseguiam ganhar seu sustento por meio de trabalhos braçais. A proporção de homens que abandonam a força de trabalho continua a aumentar, e muitos dos que têm emprego sofrem com salários estagnados. Ao mesmo tempo, a disparidade educacional entre os sexos cresceu, com as mulheres agora obtendo a maioria dos diplomas universitários a cada ano.
Às vezes, quando alguém levanta esse problema, é comum termos o impulso de subestimá-lo: Por que os homens não se esforçam mais? Ou por que eles não se livram dessa visão antiga de masculinidade? Essa atitude é um erro. O instinto masculino de ser o provedor não é um mero construto social; é algo que está fundamentalmente enraizado na forma como os homens são criados.
Como Richard Reeves, acadêmico da Instituição Brookings, argumentou em Of Boys and Men [Sobre Meninos e Homens], a erosão do papel de provedor impactou profundamente a percepção que os homens têm do seu valor e do seu lugar na sociedade. Homens que não se veem como provedores, especialmente na área financeira, têm maior probabilidade de se distanciar não só da força de trabalho, mas da sociedade como um todo. Por quê? Porque homens que acham que não estão à altura como provedores, no sentido financeiro da palavra, frequentemente se enxergam como homens inadequados ou podem ser vistos pelos outros como um passivo social.
Contudo, mesmo homens que são provedores no sentido financeiro podem se sentir inadequados, quando se sentirem despreparados para atender às novas expectativas sociais. Por um motivo ou por outro, muitos homens estão se sentindo sem valor, sem objetivo, desiludidos e sem voz — e esse é um problema que não podemos ignorar.
A igreja não pode reformular todo o funcionamento da economia, nem pode facilitar o cumprimento das expectativas sociais em geral. Mas podemos oferecer uma visão de masculinidade que esteja apta a transitar pelas mudanças e complexidades do nosso tempo. Como cristãos, somos abençoados, pois Deus nos dá uma visão clara de masculinidade, uma visão que transcende tempos e culturas, e que vai muito além de qualquer coisa que pudéssemos inventar para satisfazer as necessidades do momento que estamos vivendo.
Essa visão não depende de mudanças econômicas, sociais ou culturais. Também não está ligada apenas ao papel de marido, pai e provedor financeiro. Embora todas essas coisas sejam boas, como Tim Keller explica em seu livro Every Good Endeavor [Todo bom esforço], elas não podem ser as coisas últimas. Nossa identidade como homens não pode estar ancorada unicamente e de forma última em nossa capacidade de performance ou de conquista nessas áreas. Isso nos levará a uma autoestima fraca, que desmorona quando encontra desafios e mudanças.
Essa visão de que estou falando também não é um chamado para desconstruir totalmente a masculinidade, nem é um chamado para que cada homem crie a sua própria definição de masculinidade. Como Gilmore explica, a masculinidade é algo que precisa ser ensinado. Sem orientação, os homens podem se sentir perdidos, ou até pior: eles podem desenvolver modelos disfuncionais de masculinidade, que são prejudiciais para a sociedade.
A cruz é a imagem central na visão de Deus para a masculinidade. Na cruz, Cristo dá aos homens uma visão clara, inequívoca e duradoura do que significa ser homem — uma visão que continua a ser relevante, a despeito de todas as mudanças sociais que nos cercam. Paulo deixa isso claro em Efésios 5.25-33, quando fala sobre o relacionamento entre maridos e esposas, exortando os homens cristãos de Éfeso a amarem suas esposas “assim como Cristo amou a igreja e entregou-se por ela”. Em outras palavras, Paulo sugere que, se você quiser saber como um homem de verdade deve ser, apenas olhe para a cruz, o lugar onde Cristo entregou sua vida como resgate por todos (1Timóteo 2.6).
Este é um chamado desafiador ao altruísmo, a seguir Jesus, entregando nossa vida voluntariamente por aqueles a quem amamos. Neste ponto, Paulo faz um apelo para que os maridos priorizem os interesses de suas esposas acima dos deles próprios, e em Filipenses 2.3-4, ele amplia essa ordem para todos os relacionamentos: “Nada façam por ambição egoísta ou por vaidade, mas humildemente considerem os outros superiores a vocês mesmos, cuidando, cada um, não somente dos próprios interesses, mas também dos interesses dos outros.”
Altruísmo não é sinônimo de timidez ou de fraqueza. Pelo contrário, Efésios 5 é um chamado para que os homens demonstrem força e liderança em seu casamento. No entanto, ser o “cabeça” no casamento (v. 23) não é um tipo de liderança qualquer. Pelo contrário, a visão que Deus tem da masculinidade enfatiza a conquista de influência por meio do autossacrifício e do uso da nossa força para cuidarmos daqueles a quem amamos, do mesmo modo como cuidamos de nós mesmos.
Casados ou não, os homens são feitos para a liderança altruísta. É isso que dá sentido e propósito para a nossa masculinidade. Em vez de reduzir a masculinidade à utilidade econômica e à provisão financeira, a liderança altruísta nos chama a entregar tudo aquilo que somos — corpo, alma e mente — por aqueles a quem amamos, assim como Cristo fez. Eu creio que esse chamado, com a ajuda de Deus, tem o poder de despertar o coração de homens desiludidos, dando-lhes um motivo pelo qual vale a pena viver e morrer: o bem-estar daqueles que foram confiados aos seus cuidados.
Evidentemente, nenhum homem consegue viver plenamente à altura dessa visão de liderança altruísta, que tem seu exemplo máximo em Jesus na cruz. Não importa o quanto tentemos, não conseguiremos atingir a perfeição. Além disso, simplesmente compreender a visão bíblica de masculinidade não é o suficiente para lidarmos com esse mal-estar dos homens em nossa cultura. Como igreja, precisamos dar um passo além.
A cruz não é apenas o lugar onde encontramos a visão de Deus para a masculinidade. É nela também que Deus nos molda conforme a sua visão do homem que somos chamados a ser. Na cruz, confrontamos a dualidade preocupante da nossa humanidade. Por um lado, somos confrontados com uma visão clara da nossa depravação, fraqueza e inadequação como homens. Somos tão falhos que não podemos salvar a nós mesmos. Se não podemos prover para a nossa própria alma, quem dirá para as almas dos outros. Somos completamente dependentes de Deus, que enviou seu Filho para conquistar aquilo que não conseguimos.
Por outro lado, a cruz revela o quanto somos incondicionalmente amados por Deus e valiosos para ele. A nossa fraqueza não diminui o amor dele por nós. Apesar da nossa inadequação, somos tão valiosos para ele que Jesus sofreu voluntariamente as consequências que merecíamos, permitindo-nos ganhar a esperança de sermos “transformados segundo a sua imagem com glória cada vez maior, a qual vem do Senhor, que é o Espírito” (2Coríntios 3.18).
A cruz é o único lugar onde um homem pode ser, ao mesmo tempo, inadequado e valioso. Somente nela os homens podem encontrar o poder da graça redentora de Deus, um poder que os capacita a enxergar seu valor e sua identidade verdadeiros, e os transforma nos homens que Deus os chama para ser.
Nesse sentido, a solução definitiva para o mal-estar masculino é a mesma de sempre: devemos pregar o evangelho para os nossos homens. O evangelho deve ser mais do que uma mensagem que recitamos; deve ser o lugar onde ancoramos nossa própria identidade e valor como homens. A Bíblia deve ser mais do que um livro que lemos para encontrar um código moral; deve ser onde vamos para encontrar a graça de Deus, até que ela nos transforme em líderes altruístas. E o mais importante: Cristo não deve ser apenas nosso exemplo de masculinidade. Ele deve ser nosso Salvador.
Domonic D. Purviance é escritor, líder de ministério de homens e especialista em finanças e economia. Ele foi cofundador da King Culture, uma organização sem fins lucrativos que capacita homens a ser um reflexo da liderança altruísta de Cristo.