Como transformar o coração dos europeus?
Uma coisa é falar sobre Jesus para as pessoas. Outra coisa completamente diferente é levá-las a mudar sua forma de viver e ajudá-las a desenvolver o tipo de práticas diárias que, como o filósofo estadunidense Dallas Willard escreveu, “de fato levem à transformação de vida”.
Esse pensamento fez Michael Stewart Robb — teólogo estadunidense que mora em Munique e escreveu um livro sobre Willard — fundar o Instituto Sanctus, em 2017. Ele queria um espaço — uma infraestrutura, uma organização — onde pudesse ensinar cristãos a desenvolver disciplinas e práticas diárias que formem as pessoas espiritualmente. Hoje, o instituto reúne ministros e ministérios de todo o continente que têm interesse na formação espiritual.
Evangélicos de outras partes da Europa também começaram a explorar e a redescobrir maneiras de se conectar com Deus. Das reuniões de bando metodistas na Bulgária a monges urbanos em Paris e Berlim, bem como retiros espirituais em Portugal, missionários, pastores e cristãos comuns estão procurando maneiras de não apenas converter pessoas, mas também de ajudá-las a se tornarem semelhantes a Cristo.
De acordo com Willard, que faleceu em 2013, os evangélicos dos Estados Unidos começaram a sentir uma necessidade urgente de enfatizar o discipulado após a Segunda Guerra Mundial. Muitos ministros e líderes cristãos sentiram que apenas o sermão de domingo, ou mesmo o sermão de domingo acompanhado de um estudo bíblico no meio da semana, não davam às pessoas sustento suficiente para realmente viverem como cristãos. As igrejas haviam dado muita ênfase ao conhecimento intelectual e às crenças, mas não focaram o suficiente na formação.
Hoje, as ideias sobre a importância do discipulado estão difundidas nos Estados Unidos, disse Robb. Os americanos podem facilmente encontrar livros — entre eles, títulos de Willard e de vários autores, como Richard Foster, Henri Nouwen, Richard Rohr, Elizabeth Oldfield, Ruth Haley Barton, Barbara Peacock, Diane Leclerc, James Wilhoit, John Mark Comer e muitos outros —, bem como retiros e seminários sobre o assunto. Muitos seminários ensinam sobre direção espiritual e oferecem especialização em formação espiritual.
“Um seminário nos Estados Unidos não consegue funcionar, a menos que também ofereça formação espiritual. Faz parte do pacote”, disse Robb. “Na Europa, não acontece o mesmo.”
Robb disse que os seminários protestantes na Europa ainda oferecem educação teológica da forma como era concebida por Friedrich Schleiermacher, conhecido como o “pai da teologia liberal”. Ou seja, o seminarista estuda teologia bíblica, teologia sistemática e teologia prática. Matérias ou programas que abordem a vida espiritual e a piedade individual não fazem parte da grade de ensino. Se, em sala de aula, surgir algum debate sobre como colocar ideias e conceitos aprendidos em prática, os professores provavelmente tratarão de questões relacionadas à ação social ou política.
Com isso, os líderes da igreja, incluindo aqueles ligados a tradições evangélicas ou pietistas, muitas vezes não têm treinamento em formação espiritual. Mas essa realidade começou a mudar. Um número crescente de programas educacionais na Europa tem ajudado cristãos — tanto a liderança quanto os leigos — a se aprofundarem na vida espiritual.
O European Nazarene College [Faculdade Nazarena Europeia], que fica na cidade de Gelnhausen, no centro da Alemanha, por exemplo, oferece um certificado em formação espiritual. Várias organizações no Reino Unido também oferecem retiros de formação espiritual e treinamento em direção espiritual.
O crescimento do interesse em disciplinas, práticas e hábitos espirituais entre os cristãos, disse Robb, resulta de uma nova abertura a ideias ligadas à transformação pessoal.
“As pessoas estão curiosas e buscando, às vezes de forma bastante radical, algo que as ajude a lidar com a vida”, disse ele.
As gerações mais jovens parecem estar insatisfeitas com a falta de formação espiritual nas igrejas em que foram criadas, disse Robb. Elas estão sendo atraídas por práticas cristãs históricas que possam ajudá-las a encontrar significado e paz em meio à tensão da vida diária.
Na Bulgária, o pastor Daniel Topalski, da Igreja Metodista Global, trouxe de volta uma antiga prática wesleyana de discipulado: “reuniões (ou aulas) de bando”. Elas são semelhantes aos famosos pequenos grupos, mas enfatizam a confissão de falhas, o monitoramento do progresso espiritual e o apoio mútuo no esforço para viver uma vida santa.
“Essas aulas fornecem formas e estruturas importantes para desenvolver uma personalidade cristã madura”, disse Topalski. “Elas têm como objetivo tornar a santificação um processo diário.”
Topalski foi inspirado pela história metodista. Como pastor de uma congregação de 100 pessoas em Varna, uma cidade na costa do mar Negro na Bulgária, e presbítero-presidente da Conferência Anual da Bulgária, desde 2011 ele vem pensando sobre a melhor maneira de cultivar o que ele chama de “DNA metodista”. Topalski se apegou a uma prática do século 18, as “reuniões de bando”, que consistiam em pequenos grupos, com cerca de cinco pessoas, que confessavam seus pecados umas às outras e falavam sobre onde viam que o Espírito Santo estava trabalhando em suas vidas.
Ao reintroduzir o conceito em sua congregação, Topalski enfatizou que as reuniões não eram sobre informação, mas sobre transformação.
“O cristianismo não é só teoria”, disse ele. “[O cristianismo] É sobre o estado de nossas almas.”
De forma lenta, mas segura, as pessoas começaram a se inscrever. Ele organizou quatro “bandos”, cada um com menos de doze pessoas, e treinou quatro líderes para liderá-los. Eles se encontram após o culto, aos domingos, e ajudam uns aos outros a “irem mais longe”, disse Topalski.
Em Paris, os estadunidenses Paul e Jordan Prins estão olhando para um período diferente da história cristã, com o intuito de resgatar práticas de formação espiritual. Eles adaptaram a Regra de São Bento, estabelecida para um mosteiro na Itália, no século 6, para ajudá-los a viver uma vida mais monástica em uma metrópole europeia moderna.
Quando os Prins desembarcaram em Paris, em 2016, eles passaram por um período difícil tentando plantar uma igreja em um dos ambientes urbanos com maior densidade populacional da Europa, o terceiro arrondissement — [divisão administrativa adotada em países de fala francesa. O termo pode ser traduzido como bairro ou distrito administrativo] —, onde mais de 32 mil pessoas vivem em pouco mais de um quilômetro quadrado, na margem direita do rio Sena. Enquanto travavam sua luta, eles se perguntavam o que significava viver como cristãos neste contexto. Falavam sobre ser mais intencionais sobre práticas espirituais e começaram a experimentar o jejum e a oração contemplativa.
Hoje, o casal faz parte de uma rede de cristãos que explora esforços semelhantes de formação espiritual em ambientes urbanos na Alemanha, bem como no Reino Unido, Irlanda, Suécia e Itália. Os Monásticos Urbanos, como eles se autodenominam, tentam combinar práticas espirituais antigas com atos cotidianos e comuns de graça e bondade, entre os quais está a hospitalidade básica.
“Nosso lema é estar presente com Deus e presente com os outros”, disse Paul, que é formado pelo Seminário Bethel, perto de Minneapolis, nos Estados Unidos. “É um estilo de vida que diz que o cristianismo vai além da salvação, permitindo-nos experimentar o fato de que Deus está presente na cidade.”
Mais do que outros evangélicos, os Prins se apoiam em práticas de formação espiritual que são tradicionalmente católicas, mas eles não são os únicos estadunidenses na Europa que sentiram a necessidade de estabelecer essa ênfase na formação.
Benjamin Seidl, diretor regional na Europa da New International, agência de envio para missões sediada na Flórida, disse que a vida em um contexto transcultural levantou questões críticas sobre a formação espiritual dos missionários.
“Passamos anos avaliando a saúde espiritual geral da nossa organização”, disse Seidl, “e percebemos que precisávamos fazer mais para ajudar nossos missionários a redescobrirem o que significa ser formado à luz do evangelho em um contexto transcultural”.
Os líderes da New International, porém, não tiveram clareza imediata sobre quais práticas ajudariam nessa formação. Eles deveriam exigir que os missionários que estavam em oito países europeus praticassem devocionais matinais? Pequenos grupos? Oração contemplativa? Jejum?
“Foi aí que nos perguntamos: será que sabemos o que é formação espiritual?”, disse Seidl. “É algo tão diverso e difuso. Não há uma direção clara a respeito de como essa formação deve ser feita para pessoas que vivem essa vida europeia estranha, misteriosa, bela e às vezes caótica”.
A New International ainda está no processo de responder a essa pergunta, mas a organização começou a fazer retiros regulares, reservando um tempo para que os missionários se concentrem em sua própria vida espiritual. Quando Seidl falou com a CT, sua esposa, Jasmin Seidl, estava participando de um “retiro de cuidado da alma” em Portugal, com missionários da New International.
Jasmin disse que o retiro incorporou formação espiritual por meio da reconexão guiada com Deus, consigo mesmo e com os outros. “Isso foi feito por meio de momentos de silêncio para descanso e autorreflexão, oração guiada, lectio divina, meditação e reuniões em grupo para troca de percepções pessoais”, disse ela.
O retiro também incluiu um dia inteiro de silêncio e solitude. Outras iniciativas que a New International está explorando incluem suporte e aconselhamento na área de saúde mental.
No entanto, nem todos concordam totalmente com a nova ênfase na formação espiritual. Na República Tcheca, o pastor luterano confessional Ondřej Stroka e sua esposa, Kimberly, expressaram certo ceticismo.
Eles disseram que durante anos sua igreja, que fica na parte nordeste do país, teve todos os tipos de programas, como estudos bíblicos e grupos de oração, para ajudar as pessoas a se aprofundarem em sua fé.
“As pessoas apenas se habituaram a fazer essas coisas e sequer pensavam por que as faziam”, disse Kimberly.
Embora Stroka e a esposa acolham bem a redescoberta de antigas liturgias ou hábitos bíblicos, eles não têm certeza se esses esforços trouxeram o benefício que deveriam. As práticas espirituais se tornaram obrigações sociais. Muitas reuniões se tornaram fórmulas repetitivas e rígidas. Às vezes, mais se pareciam um fardo — algo que introduz uma espécie de legalismo na comunidade e que contradiz as coisas em que esse casal diz acreditar.
“Nós pregamos o evangelho, Cristo crucificado”, disse Ondřej. “Não queremos que as pessoas tenham a impressão de que, se não participarem desse tipo de evento, Deus irá puni-las.”
De volta a Munique, no Instituto Sanctus, Robb também tem pensado sobre o significado do evangelho. Para ele, a grande preocupação não é que as pessoas acrescentem muitos requisitos [à prática da fé], mas sim que a ideia de formação espiritual fique rasa.
“O entendimento evangélico ortodoxo”, disse ele, “é algo que vai além da mera conversão. É sobre formação moral e morrer para si mesmo.”
O assentimento intelectual à mensagem de Cristo não pode ser o fim de tudo, na visão de Robb. Deve ser um catalisador para o discipulado e a formação espiritual. Juntos, cristãos e congregações podem desenvolver práticas que tragam mudanças poderosas.
“A obra do Espírito estará se concretizando através do que o indivíduo está fazendo e do que a congregação vai fazer”, disse Robb. “Obviamente, isso tem um impacto nos diferentes tipos de igrejas que podemos ter no continente [europeu] e nos tipos de transformação que veremos ou não.”
Ele acredita que a formação espiritual pode mudar o coração dos europeus. E que isso pode mudar a Europa.