Maia Mikhaluk sente como se não dormisse há uns três anos. Há muito ela não sabe o que é ter uma boa noite de sono.
Os ataques aéreos russos atingem Kiev à noite. Mas ela nunca sabe em que noite será. Nos primeiros dias da guerra, Maia e seu marido corriam para um abrigo antiaéreo improvisado, que fica em um corredor entre o apartamento deles e o apartamento de sua filha. Agora, quando os ataques acontecem, eles apenas ficam deitados na cama e oram por proteção contra os drones Shahed, de fabricação iraniana; os mísseis Hwasong-11A, de fabricação norte-coreana e, claro, os mísseis de fabricação russa: Novator Kalibr, 9K720 Iskander e os Kinzhal (os Kh-101, Kh-47M2 e Kh-555).
Maia disse que as crianças em Kiev conseguem distinguir os diferentes sistemas de armas com base no som das explosões.
Ela está cansada. Está mais do que pronta para viver dias de paz.
Mas Maia não acha que o presidente Donald Trump compartilhe desses sentimentos. Ela viu um vídeo em que ele repreende o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky por não ser suficientemente grato e por não aceitar os termos da Rússia para um acordo de paz. Ela o ouviu ordenar aos ucranianos que aceitassem “um cessar-fogo agora mesmo,” sem nenhuma garantia de que a Rússia não violaria os termos da paz novamente. Não lhe pareceu que Trump estivesse tentando acabar com a guerra.
“Não tinha nada a ver com a paz”, disse Maia à Christianity Today. “Aquilo foi um jogo
de poder.”
O desastre diplomático na Casa Branca pode marcar uma reviravolta crítica para a guerra. A Ucrânia tem contado com o apoio americano e europeu desde a invasão de 2022, rechaçando o exército russo, que é um dos maiores do mundo, e sobrevivendo a bombas, apagões e uma escassez assombrosa. Contudo, alguns dias após a discussão no Salão Oval, Trump interrompeu toda a ajuda militar que os EUA ofereciam à Ucrânia.
Ao mesmo tempo, cristãos ucranianos disseram à CT que a vida continua. Eles têm suas rotinas e, através delas, tentam manter uma aparência de normalidade. Em meio a esse caos, eles colocam sua confiança em Deus.
“Quando o inimigo é forte e mesmo quando os aliados traem, Deus ainda está no controle”, disse Maia, esposa de pastor que tem ajudado a plantar igrejas na Ucrânia desde 1997. “Sabemos que ele não abandonará os oprimidos.”
A igreja pode ser uma espécie de porto seguro em meio ao caos; por isso, muitas congregações evangélicas fizeram adaptações significativas para continuar se reunindo.
As igrejas começaram a fazer cultos online, o que ajuda as pessoas que foram deslocadas pela guerra a permanecerem conectadas entre si. Elas também instalaram geradores, permitindo que as congregações convidem pessoas da vizinhança para virem ao templo carregar seus celulares, beber uma xícara de chá e ouvir o evangelho.
A maioria das igrejas ainda se reúne várias vezes por semana.
“Eles ainda estão celebrando cultos”, disse Jon Eide, que coordena o apoio da Mission to the World [Missão para o Mundo] para as igrejas ucranianas. “Ainda estão fazendo estudos bíblicos nas noites de terça-feira. E continuam fazendo muitas coisas que podem parecer inúteis em um tempo como este.”
Na cidade de Kherson, que fica no Sul, onde o rio Dnipro é a única barreira que separa os ucranianos das forças russas, o pastor presbiteriano Vova Barishnev dirige uma van pela cidade para pegar as pessoas em casa e levá-las para a igreja. Atualmente, no entanto, sua rotina de domingo de manhã começa quando ele liga um dispositivo de detecção de drones. O equipamento segue com ele na van; se disparar, Barishnev corre para algum lugar seguro, de preferência um local onde possa se proteger debaixo de um viaduto.
Este equipamento é uma modernização do seu método anterior. O pastor costumava colocar a cabeça para fora da janela [do carro] e escanear o céu com os olhos, enquanto dirigia.
“Olha, se você conseguir um [acordo de] cessar-fogo agora, aceite-o, para que parem de voar balas para todos os lados e seus homens parem de ser mortos”, disse Trump a Zelensky na Casa Branca. O presidente americano disse que um cessar-fogo seria “uma coisa boa pra c…”, e os cristãos ucranianos que falaram com a CT concordam.
Mas eles também se lembram de que seu país abriu mão de suas armas nucleares, em 1994, em troca de uma promessa de proteção. Os Estados Unidos e a Rússia concordaram com isso. Mas, então, em 2014, a Rússia invadiu a Ucrânia e tomou à força parte do país, apesar da promessa anterior.
E eles também se lembram de que, em 2015, a Rússia concordou com um cessar-fogo novamente. Foi celebrado um acordo de 12 pontos, que incluía troca de prisioneiros, retirada de armas e respeito à lei ucraniana nas áreas anexadas.
Mas a Rússia não cumpriu os compromissos assumidos. O governo de Moscou alegou, de maneira totalmente absurda, que nem ao menos fazia parte do acordo, e, então, em 2022, empreendeu uma invasão em larga escala.
Mais de 46.000 soldados ucranianos morreram desde então. E mais de 12.000 civis.
Anna e Vasyl Feier conheciam algumas das 290 pessoas mortas no ataque a Irpin, um subúrbio de Kiev onde há muitos evangélicos. Já foi um local que abrigava diversos ministérios cristãos, tanto que às vezes era chamado de a “Wheaton da Ucrânia” [região em Illinois, nos Estados Unidos, que concentra muitos ministérios cristãos].
“Tudo foi destruído”, disse Vasyl Feier. “Negócios foram destruídos, a nossa casa foi destruída.”
A família Feier deixou a cidade onde morava em 2022, quando os russos a invadiram, e foram às pressas para a capital. Eles voltaram para Irpin depois que as forças ucranianas retomaram o controle da cidade. Vivem em um abrigo temporário e fazem o melhor que podem com as constantes interrupções causadas pela guerra. Sirenes de ataque aéreo interrompem o sono à noite e o trabalho durante o dia. Seus três filhos, de 4, 7 e 15 anos, passam horas e horas nos abrigos antiaéreos.
Eles gostariam de reconstruir sua casa, mas precisam esperar a guerra acabar.
“É muito difícil fazer planos”, disse Vasyl Feier. “Todos os dias acordamos sem saber se viveremos mais um dia ou não”.
Isso se tornou rotina. É difícil dormir. Você observa o céu em busca de drones. Seus filhos aprendem a distinguir os sons de explosões. Você não faz grandes planos para o futuro. E espera por mudança, enquanto os líderes estadunidenses fazem a maior balbúrdia sobre um cessar-fogo que você, pessoalmente,não tem como levar a sério.
“Quando se vive em uma zona de guerra, cada momento pode ser o último”, disse Maia em Kiev. “Isso faz a gente querer se concentrar no que realmente importa: compartilhar a mensagem de esperança, o evangelho, com o máximo de pessoas possível.”