“A perseguição está chegando ao Ocidente?”
Essa é uma pergunta que ouço com frequência, como líder na organização Portas Abertas Estados Unidos, um ministério que há quase 70 anos serve e apoia os cristãos perseguidos ao redor do mundo.
Em resposta às culturas no Ocidente, que podem parecer cada vez mais indiferentes ou até mesmo antagônicas à fé cristã, alguns seguidores de Cristo por aqui, com medo da cultura mais ampla, recuaram e buscaram o isolamento. Outros, irados, partiram para a luta e declararam guerra contra a cultura “secular”.
A Bíblia afirma claramente que qualquer um que seguir a Jesus enfrentará algum nível de oposição (Mateus 24.9; 2Timóteo 3.12). Mas, quando pensamos em perseguição, a maioria de nós tende a gravitar em direção à ideia de violência física, como martírio, agressão ou prédios de igrejas em chamas.
Embora essas coisas certamente se qualifiquem como perseguição, nas Bem-aventuranças, Jesus também diz que são bem-aventurados aqueles que suportam insultos ou que são alvos daqueles que “por minha causa, […], mentindo, disserem todo tipo de mal contra vocês” (Mateus 5.11).
Quando olho para as palavras de Jesus em Mateus 5, eu me questiono se a pergunta sobre a probabilidade de perseguição no Ocidente é realmente a pergunta certa a se fazer. Em vez dela, que tal se perguntássemos simplesmente: “Nós tratamos a perseguição como uma bênção?”. É neste ponto que nossos irmãos e irmãs perseguidos têm muito a nos ensinar.
Independentemente de a resposta ser medo ou hostilidade, a raiz de ambas as reações parece ter a mesma suposição subjacente: a perseguição é algo inerentemente ruim e deve ser evitada.
No entanto, em seu sermão do Monte, Jesus desafia essa noção, dizendo: “Bem-aventurados os perseguidos”” (Mateus 5.10, ênfase acrescentada).
Embora eu não esteja dizendo que devemos orar por perseguição, Jesus a apresenta como se fosse uma dádiva. Como cristãos, certamente acreditamos que as palavras de Jesus são verdadeiras; ainda assim, essa ideia de perseguição ser uma dádiva parece contraintuitiva e incrivelmente distante de nossa experiência sensível no Ocidente.
Talvez, pensemos que a perseguição seja uma daquelas dádivas que não somos capazes de apreciar em toda a sua plenitude agora. Quando pensamos dessa forma, aceitamos as palavras de Jesus, quando ele diz a seus seguidores: “Alegrem‑se e regozijem‑se, porque grande é a sua recompensa nos céus” (v. 12). Essa noção de gratificação adiada repercute em nós. Podemos entender a ideia de suportar o desconforto agora para ter um benefício futuro.
Este é um princípio que vivemos quase que diariamente, das mais variadas maneiras. Aceitamos reduzir nosso poder de compra hoje para que possamos ter economias no futuro. Sentimos a dor e o desconforto do exercício físico agora em troca da perspectiva de ter uma saúde melhor a longo prazo. Em Gênesis, José reconheceu a mão de Deus décadas depois, nas más ações de seus irmãos: “Vocês planejaram o mal contra mim, mas Deus o planejou para o bem, para que a vida de um numeroso povo fosse salva hoje” (Gênesis 50.20).
Neste contexto, não é tão difícil entendermos a ideia de que a perseguição que experimentamos hoje possa resultar em recompensa futura no céu.
No entanto, embora Jesus fale de recompensas no céu, suas palavras não são apenas sobre bênçãos futuras. “Bem-aventurados os perseguidos”, ele diz. Ele não diz: “Bem-aventurados serão os perseguidos, um dia”. É realmente possível que a perseguição possa ser uma bênção aqui e agora?
A perseguição se manifesta de forma diferente em diferentes partes do mundo. Em lugares como a Coreia do Norte, os cristãos podem ser presos por terem uma Bíblia. Em certos lugares, os crentes são marginalizados, rejeitados ou excluídos por suas comunidades. Em outros contextos, os cristãos podem ter acesso negado à educação ou a um emprego de que precisam para sustentar sua família.
Recentemente, conversei com Ibrahim, um irmão cristão do Sudão. Quando ele se converteu do islamismo, foi expulso de casa. Depois de compartilhar sua fé com outros muçulmanos, ele foi preso, torturado e, mais tarde, expulso de seu país de origem. Ele chama essa época de sua vida de “tempos sombrios”, pois ficou confinado em uma cela escura, tão pequena que ele mal conseguia se virar dentro dela. E ele suportou essa experiência não uma só, mas várias vezes, por causa de sua decisão de seguir a Jesus e compartilhar seu evangelho.
Quando perguntei a Ibrahim sobre as palavras de Jesus em Mateus 5, sua perspectiva foi impressionante. Para ele, a bênção da perseguição não foi adiada para um futuro distante. Em vez disso, parece que a bênção é algo que ele já havia experimentado e ainda continua a experimentar. “Fui para a prisão como um gatinho”, ele me disse, “mas saí de lá como um leão”.
Em seus momentos mais sombrios na prisão, Ibrahim disse que foi forçado a reconhecer que era pobre em espírito (um grupo a quem Cristo também chama de “bem-aventurados”); mas, em sua pobreza, teve as riquezas de Cristo derramadas sobre ele. Naquela cela escura da prisão, a luz de Cristo brilhou intensamente, transformando seu sofrimento em uma profunda declaração de fé em Jesus — tanto para aqueles ao seu redor quanto para si mesmo.
Da mesma forma que a disposição de Abraão em sacrificar Isaque, seu amado filho da promessa, mostrou que ele valorizava a obediência a Deus acima de tudo, meu irmão Ibrahim demonstrou que ele valorizava Cristo acima de tudo, ao se agarrar a ele na prisão. Para Ibrahim, a perseguição que ele experimentou é uma dádiva que ele valoriza, e não um presente indesejado, algo que ele ganha sem realmente querer. É uma dádiva, um presente ao qual ele se apega, e que ele é verdadeiramente grato por receber. É uma dádiva, um presente que mudou a sua vida.
Apesar dos desafios a cada passo do caminho, Ibrahim continua a ministrar ao povo do Sudão. Depois de ser forçado a deixar o Sudão, ele se mudou para o Egito, onde continuou a servir e a encorajar outros sudaneses deslocados. Em pouco tempo, ele recebeu uma notificação para deixar o Egito também, num prazo de dois dias.
Ele está agora no Quênia, focado em capacitar crentes sudaneses que viajam para o Quênia para receberem treinamento, e depois voltam para o Sudão para ministrar. Ele está planejando voltar para o Sudão nos próximos anos, e espera o dia em que, além de capacitar outros crentes sudaneses, ele poderá participar na linha de frente do evangelismo de seus compatriotas sudaneses.
Embora a perseguição certamente possa parecer diferente no Ocidente, quando comparada ao Sudão, oro para que nossas respostas à perseguição sejam iguais as de nosso irmão sudanês. Em vez de respondermos com reações viscerais de medo ou de ira, responderemos à rejeição, à pressão, à discriminação ou a outros tipos de maus-tratos com uma atitude de gratidão pelo que Deus está fazendo por meio do sofrimento? Será que nos alegraremos, como o apóstolo Pedro nos encorajou a fazer, ao “participarmos dos sofrimentos de Cristo”? (1Pedro 4.13).
Oro para que, em vez de darmos lugar ao medo ou à ira, supliquemos que as insondáveis riquezas de Cristo possam suprir nossas falhas. Oro para que, mesmo que entremos na perseguição como gatinhos, possamos sair dela como leões. Isso está além do que qualquer um de nós pode fazer por si só. Mas o testemunho de Ibrahim nos mostrou que, por meio do poder do Espírito Santo, que vive em cada um de nós, isso é algo que Deus pode fazer em nós e por nós.
Ryan Brown é presidente e CEO da Portas Abertas Estados Unidos, uma das vinte e cinco bases nacionais da Open Doors International espalhadas pelo mundo.