Mesmo eu sendo alguém que já escreveu centenas de milhares de palavras sobre fé e cultura na última década, que se esforçou para entender esse movimento contraditório e desconcertante chamado evangelicalismo, que estudou e dialogou sobre a ascensão do nacionalismo cristão na América do Norte, ainda assim me vi por várias vezes completamente sem palavras, à medida que a eleição para a presidência dos Estados Unidos se aproximava.
Na minha mente, a letra de uma antiga canção do Over the Rhine [uma banda de Ohio] toca quase sem parar, como um suspiro pesaroso: “Eu simplesmente não tenho muito mais a dizer. / Estes últimos dias cobraram seu preço.”
Estamos enfrentando problemas imensos como cultura. Histórias de violência e guerra ecoam nas manchetes. A vida humana — de um embrião, de um refugiado, de uma criança judia ou palestina, ou de um imigrante — é desvalorizada e abandonada à própria sorte, desprotegida. Parece que estamos todos exaustos por tudo o que aconteceu na última década e por todo barulho, caos, polarização e mordacidade que ela trouxe.
Também estamos enfrentando problemas imensos como cristãos. O movimento evangélico se tornou irreconhecível para mim, pois muitos de seus adeptos mantêm uma lealdade aparentemente inesgotável ao movimento MAGA [Make America Great Again, slogan usado por Donald Trump que acabou virando um movimento nos Estados Unidos]. Minha teologia não mudou, mas me sinto mais do que nunca confusa, alienada e preocupada com o evangelicalismo no meu país.
Em termos mais amplos, nunca me senti tão desencorajada quanto agora pelo estado da igreja estadunidense, a qual frequentemente reflete a mesma polarização que vemos na cultura do país. E quando olho ao redor e converso com outros escritores, pastores e líderes, parece que ninguém sabe bem o que fazer. Ninguém sabe como consertar uma cultura e uma igreja que se encontram tão destroçadas.
Não estamos no controle do que acontece nas eleições. Não estamos no comando dos acontecimentos internacionais. Não podemos usar uma varinha mágica para resolver os problemas que a igreja enfrenta. Muitos dias me parece que mal consigo colocar o jantar na mesa, quem dirá entender e ajudar a restaurar nosso mundo ferido, complexo e multipolar. Mas, enquanto eu ruminava minha própria dor e ansiedade sobre essa dura realidade, encontrei esperança e inspiração no mais estranho dos lugares: no resgate de tartarugas.
Tenho lido bem lentamente a obra Of Time and Turtles [Sobre tempo e tartarugas], de Sy Montgomery, que explora a vida de pessoas que buscam resgatar e reabilitar o que ela chama de “o maior dentre os grupos de animais mais ameaçados da Terra”. O livro se concentra no trabalho de Montgomery na Turtle Rescue League [Liga de Resgate de Tartarugas], em Massachusetts, mas também aborda temas maiores sobre paciência e reparação.
Muitas espécies de tartarugas, segundo ela explica, estão em risco extremo de extinção. Os perigos que elas enfrentam são quase infinitos: ataques de cães ou guaxinins, mudanças climáticas e poluição luminosa, carros e caminhões que atropelam animais selvagens que se movem lentamente, desenvolvimento de áreas de nidificação e um mercado negro no qual certas espécies são vendidas por centenas de milhares de dólares.
Os problemas são tão grandes que parece quase inútil tentar ajudar essas criaturas. Qualquer solução em que possamos pensar parece completamente insignificante. No entanto, Montgomery encontra um grupo de pessoas motivadas, conectadas em rede pelo mundo todo, que fazem coisas de tirar o fôlego para salvar e reabilitar tartarugas, uma por uma, casco por casco.
O livro de Montgomery renovou meu compromisso com a igreja local, por mais estranha que essa ligação possa lhe parecer. Os problemas que esses salvadores de tartarugas enfrentam são enormes: ameaça de extinção! Mercados negros globais! Mudanças climáticas! Industrialização! A causa pela qual eles lutam parece quase totalmente perdida. No entanto, com coragem e uma atitude desafiadora, eles se dedicam a seus pequenos trabalhos de reparo e de resgate, todos os dias, com alegria e um senso de propósito.
Cada história de uma tartaruga que é devolvida à natureza me lembra disto: muitas vezes, diante de grandes problemas, tudo o que temos são pequenas soluções, mas é por aí que começamos. É assim que toda a criação pode ser restaurada, dia por dia, vida por vida.
À medida que enfrentamos problemas imensos, como cultura e como igreja, é tentador olharmos para grandes coisas na busca por grandes soluções: eleições nacionais, movimentos de massa, revolução, um avivamento espetacular, alguma mensagem on-line intensamente viral. Queremos algo evidente e épico, que traga uma solução rápida. Estamos impacientes por mudanças.
Mas Montgomery me lembrou da virtude e da necessidade das mudanças provocadas pelas pequenas coisas, por paciência e tempo. Ela escreve que “Tempo é tudo que as tartarugas têm”. Em sua resenha deste livro para o The Washington Post, Jacob Brogan escreveu que o trabalho de resgate de Montgomery demonstra como “coisas consistentes e lentas podem durar”.
Há um ditado que começou como um mantra no Vale do Silício, mas que se aplica cada vez mais à nossa cultura em geral: mova-se rápido e quebre as coisas. No ano passado, enquanto plantávamos uma pequena igreja e lutávamos com nossa desorientação sobre como ser fiéis neste momento cultural, meu marido e eu adotamos um mantra para nós: vá devagar e conserte as coisas.
Não sei como resolver os grandes problemas do mundo. Gostaria de saber, mas não sei. E não sei como consertar, aqui nos Estados Unidos, uma igreja que se tornou politicamente idólatra e não exibe o fruto do Espírito.
Mas eu sei que podemos ir devagar e consertar as coisas da maneira que pudermos, nos lugares onde moramos, nas instituições em que estamos, com as pessoas ao nosso redor. Podemos servir aos necessitados e desfavorecidos em nossas cidades e vilas. Podemos buscar a fidelidade no contexto de nossas pequenas congregações locais. Podemos ajudar a formar igrejas que sejam humildes, responsáveis e uma alternativa radical para o mundo, seja para a direita política, seja para a esquerda política. Podemos pensar e ler com profundidade; podemos aprender com os santos que nos precederam; podemos ensinar e incorporar uma teologia política que seja mais robustamente bíblica e ortodoxa. Em nosso trabalho, em nossas amizades, em nossos lares e bairros, podemos assumir o desafio de construir algo sólido, lento e duradouro — algo que possa dar testemunho de Jesus e de seu reino, um reino que de forma alguma é refém da política.
Este artigo encerra uma série do projeto Evangelicals in a Diverse Democracy [Evangélicos em uma Democracia Diversa]; em certo sentido, quase tudo sobre esse projeto é pequeno. Ele consiste em pessoas que se reuniram presencialmente para sentar em volta de uma mesa, orar, debater ideias, chorar, rir, comer. E envolve fazer amizades e mudar opiniões. Está cultivando uma curiosidade sobre como capacitar melhor as pessoas que estão nos bancos das nossas igrejas, em nossas escolas e debaixo dos nossos tetos a viverem com fidelidade e confiança em um mundo que não controlamos.
Este projeto parte do pressuposto que uma comunidade saudável, especialmente uma comunidade que busca seguir fielmente a Jesus, não recorre à violência, à coerção ou ao menosprezo daqueles que são diferentes de nós. E, portanto, pressupõe que a enorme tarefa de reconstruir uma sociedade saudável e uma igreja saudável é, com frequência, um trabalho lento, pequeno e orgânico.
Acredito que os cristãos podem buscar o bem comum e promover a justiça e a misericórdia por meio da política.
Mas votar não pode ser o auge ou a totalidade da missão política dos cristãos. Provavelmente nem é a coisa mais importante que você fará em dias de eleição. A primeira tarefa social da igreja, como o teólogo Stanley Hauerwas frequentemente nos lembra, é ser a igreja — é ser uma comunidade alternativa formada por Jesus que encarna um tipo diferente de reino.
A fidelidade a esse reino é a nossa responsabilidade política e social mais verdadeira. Acatar os apelos radicais do Sermão do Monte para a mansidão, o pranto, o perdão e o amor por nossos inimigos parecerá algo pequeno e ineficaz diante de um mundo em convulsão. Mas, como Jesus nos mostra, esse é o caminho para a reparação e a renovação.
Na noite de 6 de janeiro de 2021, poucas horas depois que manifestantes — muitos deles empunhando Bíblias, cruzes e outros símbolos cristãos — invadiram o Capitólio estadunidense, ameaçando violência e buscando anular uma eleição justa, meu editor na Christianity Today me pediu para escrever o que eu estava pensando. No final do artigo, eu disse:
Temos que assumir o lento trabalho de reparar, de reformar nossas igrejas em torno das verdades profundas e imutáveis da luz de Cristo. Devemos reconstruir comunidades onde possamos conhecer e falar a verdade, servir aos necessitados e aos pobres, amar nossos próximos, aprender a sermos pobres de espírito, a nos alegrarmos no sofrimento e a darmos testemunho da luz de Cristo em meio à escuridão.
Este trabalho será frustrantemente pequeno e local, passará despercebido e longe das manchetes. Ele parecerá insignificante e sem importância diante das nações em fúria e da generalizada decadência eclesiática e nacional. Será longo, arriscado e incerto.
Hoje, neste exato momento, não tenho muito mais do que essas palavras a dizer. Mas ainda posso dizer isto.
O trabalho que precisamos fazer ainda é um trabalho de reparação lento — e longo, e arriscado, e incerto. E não podemos fazer esse trabalho apenas por meio de um voto. O resgate e a redenção não serão conquistados por meio de nenhum partido político.
O trabalho diário de se tornar um novo tipo de povo — um povo cujas marcas são a misericórdia, a graça, o amor e a humildade de Jesus — é um trabalho que deve recomeçar hoje, amanhã e depois de amanhã. Deve continuar dia após dia, concha por concha, vida por vida, quaisquer que sejam os resultados das eleições. Devemos, pela graça de Deus, ir devagar e reparar as coisas.
Tish Harrison Warren é uma pastora anglicana, autora de vários livros, entre eles Liturgy of the Ordinary [Liturgia do Ordinário] e Prayer in the Night [Oração da Noite], também é artista residente na Igreja Anglicana Immanuel, em Austin, Texas.
Saiba mais sobre Evangélicos em uma Democracia Diversificada.