Este artigo foi adaptado da newsletter de Russell Moore.
Alguns colegas e eu nos encontramos em New England recentemente, e decidimos ir para o norte, até uma pequena vila, em Vermont, chamada St. Johnsbury, bem na linha da totalidade do eclipse solar.
Antes mesmo do céu escurecer, fiquei hipnotizado pelas pessoas reunidas na praça da cidade, todas elas tomadas por um senso de antecipação e de empolgação por compartilhar essa experiência. Acabamos parando no gramado da casa de alguém, comendo sanduíches enquanto esperávamos o pôr do sol. Os donos da casa estavam sentados na varanda, e não só não ficaram incomodados por acamparmos em sua propriedade, como pareciam apreciar a oportunidade de receber as pessoas no jardim da sua casa.
Vários artigos comentaram como o eclipse pareceu ter esse efeito de inspirar nas pessoas gentileza e conexão, quase da mesma forma que um desastre natural faria, só que nesse caso sob a forma de admiração coletiva, e não de sofrimento ou de um medo comum. E não só isso, mas alguns estudos estão mostrando que esse tipo de camaradagem e receptividade é muito mais comum do que pensamos, mas esses casos são ofuscados pelo vendaval divisivo que varre as mídias sociais e os noticiários.
Jim VandeHei e Mike Allen descrevem essa sensação que temos de que o país está que irremediavelmente dividido como “a máquina de distorção da realidade da América”. As pessoas, em sua maioria, não são nacionalistas cristãos de extrema direita nem são ativistas universitários de extrema esquerda. Esses polos opostos, no entanto, são amplificados não só pela natureza da nossa mídia, mas também pelo incentivo dos políticos para agradar os extremos.
Algumas semanas atrás, no meu podcast, fiz ao psicólogo social Jonathan Haidt algumas das perguntas que recebi dos ouvintes, desde a última vez que tínhamos conversado. Uma das perguntas principais foi a enviada por administradores de escolas sobre o uso de smartphones em sala de aula.
Segundo vários desses administradores me disseram, quando eles sugerem a proibição do uso de smartphones durante o horário de aula, o problema não é a resistência que eles encontram por parte das crianças, mas sim a oposição que recebem dos pais. Haidt, no entanto, apontou uma pesquisa que mostra que, na maioria dos casos, mais de 80% dos pais apoiam totalmente que as escolas tomem tais medidas.
A questão central, segundo ele, é que nunca se ouve nada sobre os pais que apoiam essas medidas. As escolas [frequentemente] recebem ligações, e-mails e visitas dos pais que estão indignados, pois têm medo de que seus filhos não consigam entrar em contato com eles de forma rápida.
A observação de Haidt me soa verdadeira. Pouquíssimas pessoas pensam em contatar o diretor da escola dos filhos para dizer que estão felizes com a forma como a escola está sendo administrada. Pouquíssimas pessoas enviam e-mails para seus pastores para dizer que a igreja as está beneficiando espiritualmente.
Parte disso acontece pelo mesmo motivo que os canais de notícias não publicam histórias sobre todas as casas que não pegaram fogo, ou sobre todos os CEOs de bancos que não desviaram dinheiro, ou sobre todos os líderes evangélicos que não têm casos extraconjugais. Temos a tendência a achar que essas coisas são o normal, o que se espera mesmo, e quando algo está indo muito bem, presumimos que aquilo é o óbvio e que nem precisa ser enaltecido.
Percebi essa tendência em mim mesmo algumas semanas atrás, quando eu estava dizendo a um grupo de pessoas de outro estado o quanto admiro e sou grato pela minha igreja: por seu testemunho cristão vibrante; por nunca ouvir ninguém falar mal do pastor; pela maneira como meus filhos respeitam e amam seu pastor de jovens. Ocorreu-me que, embora eu frequentemente diga essas coisas sobre nossa igreja, raramente as digo para os líderes da nossa igreja. Inconscientemente, tenho a tendência a presumir que todos sabem o quanto a nossa congregação e a sua liderança são boas.
Em qualquer ambiente — seja de uma escola a uma igreja, seja de um bairro a um país —, as pessoas normais tocam adiante suas vidas sem dizer muita coisa. Quando extremistas raivosos emergem — em um campus universitário, ou dentro de um ministério, ou em um partido político — as pessoas normais geralmente presumem que, se tão somente ficarem bem quietinhas e tentarem manter o Olho de Sauron [símbolo do vilão de Senhor dos Anéis] longe de si, a fúria se acalmará num passe de mágica, por conta própria.
Esses extremistas sabem disso. Eles sabem que o restante de nós vai começar a ficar exasperado com o membro do conselho escolar, com o líder dos diáconos, ou com o síndico pelo simples fato de eles atraírem o ódio desses grupos. “Por que eles geram tanta controvérsia o tempo todo?”, perguntam-se as pessoas normais e, então, começam a se afastar. O que não percebemos é que esse tipo de mentalidade é exatamente aquilo que os grupos extremistas usam para causar estragos.
Toda vez que é publicado outro estudo sobre como não somos de fato tão polarizados quanto parecemos, minha preocupação é que as pessoas concluam que isso significa que a polarização não é real. Quando as pessoas que prezam a gentileza, a civilidade, a decência e as normas ficam caladas, os extremistas se tornam menos radicais. As pessoas começam a imitar o que passam a ver como “normal” e, se o que veem como normal é insanidade, a insanidade logo passa a ser o normal.
Para os cristãos, isso tem implicações para o nosso testemunho. Por uma geração inteira ou até mais, temos ensinado os membros da igreja e as próximas gerações a lidar com uma cultura que é hostil a eles. Às vezes, isso é feito de maneira salutar e bíblica, enfatizando corretamente que seguir a Cristo tem um custo e que devemos estar preparados para sermos rejeitados, assim como ele foi.
O problema é que, sem o equilíbrio da ênfase bíblica simultânea na graça comum, acabamos nos transformando não em cristãos contraculturais, mas em cristãos paranoicos.
Se você espera ser odiado por seus próximos, é quase inevitável que você notoriamente vista uma armadura protetora. Imagine se alguém dissesse que você tem um encontro às cegas com uma pessoa e afirmasse: “Esta pessoa pode ser o amor da sua vida”. Agora, imagine se as palavras ditas a você fossem: “Esta pessoa pode ser um psicopata armado que irá lhe caçar até o túmulo”. Isso muda toda a sua atitude.
O resultado é que, em espaços seculares, os cristãos frequentemente não se sentem confiantes e se revestem de um certo complexo de inferioridade em relação ao evangelho que carregam. Sim, o evangelho é contracultural, é uma espada de dois gumes, é escândalo para o mundo, é uma contradição para o status quo. Mas o evangelho também é genuinamente a boa-nova — e fala às esperanças e aos medos primitivos que estão incutidos na psique humana.
Frequentemente, esses próximos que presumimos que nos odeiam não estão sequer pensando em nós — eles nem sabem que existimos. Se você — que de fato crê que seus próximos podem perfeitamente ser seus futuros irmãos e irmãs em Cristo, e que o evangelho de fato pode restaurar qualquer coração e reconciliar qualquer pessoa — ficar na defensiva, então, os únicos cristãos que seus próximos conhecerão serão pessoas iradas que, como Jonas, ficariam furiosas ao ver seus inimigos em busca da graça.
Na realidade, muitos descrentes — especialmente alguns do que habitam os espaços não religiosos em que há mais desencanto — estão curiosos sobre o que motiva as pessoas que têm fé. Alguns deles estão mais do que curiosos. Eles estão tentando imaginar como seria ser o tipo de pessoa que busca um Deus que pode amá-los, como seria alcançar uma expiação que os liberta da culpa e da vergonha.
Às vezes, essas pessoas curiosas parecem ser as mais ansiosas para apresentar argumentos contra o cristianismo. Quanto mais perto elas chegam de perguntar “e se for verdade?”, mais vigorosamente tentam argumentar contra, para se afastarem desse “perigoso” limite.
Quando automaticamente esperamos que nossos próximos nos detestem, tendemos a ver cada potencial conversa sobre questões espirituais como uma disputa de argumentos irrefutáveis. Tentamos encontrar respostas espirituosas, cáusticas e certeiras que mostrariam que a descrença é irracional. Às vezes, os encontros que falam sobre coisas espirituais são discussões desse tipo, mas raramente são confrontos únicos nos quais alguém vence por votação do público, como um debate universitário.
E a ideia de que tais conversas devam ser assim pode nos fazer ficar em silêncio, até sentirmos que estamos adequadamente preparados para responder a qualquer pergunta em potencial sobre filosofia, arqueologia ou história do antigo Oriente Médio. Ninguém jamais se sente preparado para demolir todo e qualquer argumento em potencial ou para responder a qualquer pergunta concebível. Tal mentalidade silencia pessoas como aquelas que, nos Evangelhos, têm o tipo mais poderoso de testemunho: aquele que diz “venha e veja”.
Nosso país é mais gentil do que aquilo que vemos em nossa política e em nossa mídia. A realidade está distorcida, com toda certeza. Contudo, quanto mais normalizamos essa polarização, mais real ela se torna.
Quanto mais presumimos automaticamente que nossos próximos nos odeiam, mais começaremos a odiar preventivamente nossos próximos. Jesus nos disse que é loucura acender uma lâmpada e colocá-la embaixo de um cesto (Mateus 5.15). Em muitos casos, nestes tempos loucos e raivosos, essa luz pode ser eclipsada por outra coisa. Mas um eclipse que dura muito tempo é indistinguível da noite, e uma noite que dura muito tempo é quase indistinguível da morte.
Sim, pode ser que as pessoas odeiem você — mas é bem provável que não odeiem.
Russell Moore é o editor-chefe da Christianity Today e lidera seu projeto de teologia pública.