Dos bancos de qualquer igreja que a gente olhe, parece que estamos realmente vivendo um momento difícil para o corpo de Cristo. (Em outros locais, talvez não aconteça o mesmo)
Alguns de nossos próximos veem a igreja como um agente reativo, que pisa no freio em todos os principais movimentos em prol do progresso, desde a fundação do país. Outros acreditam que a igreja é um lobo em vias de perder sua pele de cordeiro, e que finalmente revelará sua face tóxica, abusiva e autoprotetora. Para outros ainda, a igreja é um completo fiasco, até mesmo invisível. Talvez as gerações mais velhas frequentassem os cultos de Natal e de Páscoa e as gerações mais novas dissessem que os frequentavam. Porém, não há mais necessidade de fingir.
Para aqueles de nós que permanecem comprometidos com a igreja — até mesmo pastores, apologetas e escritores cristãos — pode parecer tentador enfrentar esse momento com uma atitude de minimizar a importância da igreja o máximo possível. “Você não precisa ir à igreja para ser cristão”, podemos dizer. O cristianismo é sobre um relacionamento pessoal e individual com Jesus. O que importa é se você conhece a Jesus, se o segue e o ama em sua vida diária. A religião organizada pode ajudar algumas pessoas, mas está tudo bem se esse não for o seu caso. Em vez de ir à igreja, você pode tentar ouvir uma pregação online.
Gostaria de propor uma perspectiva diferente. Não é exatamente um estudo de caso teológico, embora não porque não haja algum. Como escrevi em outro artigo, teologicamente falando, há uma razão e tão somente uma razão para irmos à igreja: Deus.
Se o Deus do evangelho é o único Deus vivo e verdadeiro, então, cada um de nós deveria estar na igreja todo domingo de manhã (e nos outros dias também). Se ele não é o único Deus vivo e verdadeiro — se Jesus não ressuscitou dos mortos — então, a igreja é construída sobre uma mentira, nossa fé é inútil e “somos, de todos os homens, os mais dignos de compaixão” (1Coríntios 15.16-19). Se o evangelho fosse falso, a igreja seria uma perda de tempo, mesmo que ela acrescentasse décadas à nossa vida e garantisse absolutamente que florescêssemos de forma plena e pessoal. Se o Deus de Abraão é fictício, se ele não é o Criador do céu e da terra, seria melhor viver na verdade e ser miserável do que encenar uma liturgia de ser feliz.
Mas, por definição, os cristãos acreditam que o evangelho é verdadeiro. E se é verdadeiro, então, a igreja — “que é a igreja do Deus vivo, coluna e fundamento da verdade” (1Timóteo 3.15) e “que é o seu corpo [de Cristo], a plenitude daquele que enche todas as coisas, em toda e qualquer circunstância” (Efésios 1.23) — é um elemento vital da vida humana vivida em toda a plenitude.
Por isso é tão equivocado esse instinto de enfrentar a crítica ou a ignorância da nossa cultura em relação à igreja minimizando sua importância. A igreja não é um complemento opcional à fé cristã. É nela que aprendemos a ser os seres humanos que Deus pretendia que fôssemos. Na verdade, é a igreja que torna possível vivermos uma vida verdadeiramente humana diante de Deus.
A igreja tem o que precisamos, tem o propósito, a comunidade e o cultivo da virtude que o restante da nossa cultura está buscando às cegas, na escuridão. Tudo isso está bem aqui, na igreja. Ela não tem nada que possa nos fazer ficar inibidos ou nos envergonhar. Nada pelo que devamos nos desculpar. As pessoas têm fome de igreja, mesmo que não percebam isso. E, às vezes, nós mesmos, que somos cristãos, não percebemos.
Considere alguns diagnósticos populares recentes sobre o que aflige nossa sociedade, especialmente nossas famílias e nossos jovens. An Anxious Generation [Uma geração ansiosa], de Jonathan Haidt, denuncia a infância “baseada em telas” da Geração Z e da Geração Alfa. Bad Therapy [Terapia ruim], de Abigail Shrier, condena a colonização da educação e da criação de filhos por uma visão de mundo terapêutica falsamente científica e quase religiosa. James Davison Hunter, Yuval Levin e Rob Henderson detalham a precariedade econômica que assombra a esfera pública, e uma lista crescente de escritores, entre eles Richard Reeves e Louise Perry, analisaram nossa confusão em torno de coisas como gênero, corpo, trabalho, casamento e criação de filhos.
Estamos até mesmo vendo pensadores seculares explorando novamente os benefícios práticos e culturais do cristianismo — tanto que Justin Brierley escreveu um livro intitulado The Surprising Rebirth of Belief in God [O surpreendente renascimento da crença em Deus]. Além de relatar conversões reais, ele interage com intelectuais que querem ser cristãos, mas não conseguem (ainda) se converter, um desdobramento digno de nota em uma era supostamente secular.
Agora, dê um passo para trás e considere o que esses autores prescrevem.
Eles nos dizem que as pessoas em geral, e as crianças em particular, florescem quando os pais são casados, quando as famílias permanecem intactas, quando temos casas e bairros repletos de irmãos, irmãs e primos.
As crianças precisam brincar com amigos ao ar livre, e não em ambientes fechados e presas a telas. Elas precisam aprender o gosto pela leitura — serem leitoras de livros que não apenas forneçam sabedoria, mas também as levem por aventuras no mundo da imaginação.
Elas precisam ser encarregadas de desempenhar um bom trabalho, de ajudar seus próximos e de servir aqueles que necessitam. Elas precisam ser inseridas em uma diversidade de ambientes sociais intergeracionais que as ensinem a transitar por relacionamentos incertos, e às vezes arriscados, com outras crianças e adultos.
E, por falar em adultos, as crianças precisam de mentores em quem possam confiar. Elas precisam de rituais de passagem que marquem transições, seja da infância para a adolescência ou da adolescência para a idade adulta. Elas precisam de espaços nos quais se sintam livres para discutir e debater em voz alta, com amigos e adultos de confiança, o que significa ser homem ou ser mulher.
Elas precisam de espaços livres de tecnologia, nos quais possam habitar seus corpos e estar presentes para os outros: velhos e jovens, negros e brancos, casados e solteiros, deficientes e fisicamente aptos. Elas precisam sentir tédio — durante um sermão, por exemplo, ou durante uma longa reunião para discutir o orçamento — sem ter [à mão] uma maneira fácil de acabar com esse tédio. Elas precisam observar as amizades entre adultos em seus melhores e piores momentos.
Ora, se você fosse projetar do zero uma instituição local para atender a essas necessidades de qualquer criança, indivíduo ou família, pertencente a qualquer faixa de renda, você acabaria com algo muito parecido com a igreja. Mesmo aqueles que estão fora da igreja já estão começando a perceber isso. Veja Derek Thompson, do The Atlantic, lamentando “a crise da igreja” (embora ele próprio seja agnóstico) ou Haidt falando que existe “um buraco em forma de Deus no coração de todos” (embora ele seja ateu).
Ao dizer tudo isso, não estou sugerindo que a igreja seja redutível a seu papel de solucionar problemas sociais. Ela é mais do que isso, embora não seja menos. Além disso, nossos problemas sociais também são problemas espirituais — e a igreja também é o lugar em que aprendemos a orar, a adorar com os outros, a ver o que deveria ser óbvio, mas muitas vezes escapa à nossa compreensão: que o mundo está repleto da grandeza de Deus. A igreja nos oferece a solenidade de ritos e práticas que treinam nossos olhos e corações a permanecerem focados em Jesus, em meio a uma cultura de perpétua ironia, sarcasmo barato e entretenimento fácil.
Nada disso deveria ser um choque, quando visto a partir de uma perspectiva teológica. Deus fundou a igreja. Ela não é uma instituição meramente humana. Deveríamos esperar que ela seja finamente ajustada às necessidades complexas da experiência humana — para nos ajudar com tudo, desde a socialização precoce até a crise da meia-idade e a morrer bem.
É verdade, para usar uma frase de Jesus, que a igreja foi feita para o homem (Marcos 2.27). Em um sentido mais profundo, porém, o homem foi feito para a igreja. A humanidade foi feita para a comunhão com Deus, e temos um antegozo desse banquete de comunhão na igreja, que é o corpo de Cristo. Fomos criados para florescer nela, na igreja. Pois o que nos faz florescer de forma mais suprema é encontrado de forma mais poderosa lá, onde adoramos juntos, ouvindo a Palavra e recebendo os sacramentos.
Você pode pensar que os cristãos enxergariam nisso uma oportunidade — a chance de dizer à nossa sociedade que temos o que ela está buscando, que já existe uma instituição local que tem a resposta para esses males sociais. Mas, na maioria dos casos, estamos deixando de aproveitar a oportunidade do momento, e acho que existem duas razões para isso.
No nível cultural, muitos cristãos tendem a tratar a igreja como um embaraçoso estorvo ou uma isca apelativa [que não cumpre o que promete], algo a ser suportado se você quiser seguir a Jesus.
Muito pelo contrário: a igreja é o ponto de venda. Não quero dizer que queremos que as pessoas se juntem às igrejas pelas vantagens sociais. Quero dizer que o próprio Cristo fez da oferta do evangelho e da oferta de se juntar a um povo uma coisa só. Assim como não podemos ter o Pai sem o Filho (1João 2.23) ou não podemos ter a adoção por Deus sem a adoção por Abraão (Gálatas 3.6–4.7), também não podemos ter Cristo sem seu corpo e sem sua noiva (Efésios 2.1-22). É um pacote. O Senhor e a família dele são coisas que vêm juntas; ou temos os dois ou não temos nenhum deles.
Em um contexto diferente, o teólogo protestante Filipe Melanchthon certa vez comentou que conhecer a Cristo é conhecer seus benefícios. Algo assim também é verdade no caso de que tratamos: a igreja é um refúgio para a humanidade. É uma escola para aprender a ser humano como Jesus, o único ser humano verdadeiro e completo. Consequentemente, dados os desafios dos nossos dias, a igreja é um campo de treinamento para a antifragilidade.
Não importa como você a chame, a igreja está lá por um motivo. Ela não é um estorvo. Ela não é uma religião organizada que você pode pegar ou largar. Sem a igreja, o evangelho é algo incorpóreo, fantasmagórico. De acordo com as Escrituras, a comunidade à qual Cristo se ligou para sempre não é outra senão a igreja (Efésios 5.25-33; 1Coríntios 12.4-27; Apocalipse 21.1-14). O Deus vivo habita nela. Neste mundo, portanto, a igreja é onde se encontra a plenitude de vida. Vamos agir à altura.
No nível congregacional — e admito que isso é fruto da minha experiência pessoal — o que vejo são igrejas ansiosas sobre seu status decaído, nervosas quanto a perder a Geração Z e aflitas para dar às pessoas o que elas querem (isto é, aquilo que os líderes da igreja acham que elas querem). O cenário religioso se tornou um mercado, e as igrejas competem entre si, oferecendo um produto cada vez mais chamativo. Mais tecnologia, adoração em volume mais alto, menos rituais, slogans mais atraentes e um monte de jargões terapêuticos. Algo que entretenha. Algo que mantenha o tédio sob controle. Talvez até algo que viralize nas redes sociais.
A lição que deveríamos ter aprendido há muito tempo é que quanto mais a igreja não se diferencia do mundo, menos o mundo tem qualquer razão para se interessar por ela. A igreja não pode fazer terapia melhor do que os psicólogos, nem fazer shows melhor do que as bandas de rock, nem fazer palestras melhor do que muitos autores de best-sellers. Na competição para entreter, a igreja sempre perderá para os eventos esportivos ou para os encontros com amigos em bons restaurantes.
Quanto mais tentamos alcançar Hollywood, Nashville e o Vale do Silício, menos diferenciada a igreja será — e menos adequada a seu propósito de adorar a Deus e formar seres humanos. Os benefícios práticos da vida comum da igreja não são o seu devido centro. São subprodutos do Espírito que reune uma comunidade humana em torno do Filho de Deus encarnado, e esses subprodutos se deteriorarão ou desaparecerão por completo, se não estivermos mais centrados em Cristo.
Cada geração da igreja tem alguma pergunta urgente a responder. A pergunta da nossa geração não é sobre cristologia, iconografia ou mesmo soteriologia. É sobre a antropologia teológica, a doutrina do ser humano.
Nós, cristãos, sabemos algo sobre o que significa ser humano — e as muitas maneiras pelas quais o ser humano pode dar errado —, e nossa sociedade está desesperada por respostas para essa pergunta. Felizmente, nossos próximos não precisam ler Agostinho, Calvino ou mesmo Paulo para descobrir isso. Ser humano não é algo que você aprende lendo. Você aprende a ser humano com outros seres humanos, na companhia do povo de Deus. Em outras palavras, na igreja.
Deus nos mostrou como sermos humanos em Cristo, e aprendemos a lição em sua escola, ao lado de colegas aprendizes, ao longo da vida (afinal, é isso que significa ser “discípulo”). Tenhamos a confiança para mostrar isso aos outros. Digamos a uma só voz com o salmista: “Venham e vejam o que Deus tem feito; como são impressionantes as suas obras em favor dos homens!” e “vou contar-lhes o que ele fez por mim” (Salmos 66.5, 16). O mundo está batendo à porta. Vamos convidá-los a entrar.
Brad East é professor associado de teologia na Abilene Christian University. É autor de quatro livros, entre eles The Church: A Guide to the People of God [A igreja: Um guia para o povo de Deus] e Letters to a Future Saint: Foundations of Faith for the Spiritually Hungry [Cartas para um futuro santo: Fundamentos da fé para quem tem fome espiritual].