Cresci no Japão, em uma família na qual minha mãe era seguidora de Jesus, mas meu pai não era crente. Minha mãe levava os filhos à igreja toda semana, e desempenhou um papel central na formação da minha fé. Consequentemente, ela está presente na maioria das minhas memórias de Natal, em coisas como comparecer aos cultos natalinos, atuar em peças sobre o Natal e compartilhar sobre Jesus e o “significado” do Natal com outras pessoas. Dentro da minha família, minha mãe foi meu primeiro e principal exemplo cristão, e desempenhou um papel indispensável na formação da minha fé.
Muitos cristãos são capazes de se conectar com minha história, especialmente aqueles que cresceram em uma família na qual a mãe era a única figura adulta que seguia Jesus. De fato, um estudo do Barna Research Center de 2019 sobre lares cristãos nos Estados Unidos aponta para o papel proeminente das mães na fé de seus filhos. Os adolescentes consistentemente identificaram as mães como as principais figuras que oram e conversam com eles sobre assuntos relacionados à Bíblia e à fé. “Repetidamente, este estudo fala sobre o impacto duradouro que têm as mães — no diálogo, no companheirismo, na disciplina e, principalmente, no desenvolvimento espiritual”, concluiu a pesquisadora Alyce Youngblood. Para muitos crentes, a fé em Jesus não teria sido uma realidade sem o papel e o legado das matriarcas da família em sua vida.
A temporada do Advento oferece uma oportunidade de meditar sobre o amor de Cristo, mas também nos dá a chance de apreciar sua linhagem materna, particularmente de sua grande ancestral Rute. Proponho que a história de Rute sirva como história de Advento do Antigo Testamento. Para os cristãos, o Advento carrega uma conotação específica da “vinda de Cristo na encarnação”. Mas o termo também tem um significado amplo de “chegada de um evento, de uma pessoa ou de uma invenção importante”. Nesse aspecto, o Livro de Rute aguarda o advento ou a vinda do rei Davi e de Jesus. A conexão entre Rute, Davi e Jesus fica especialmente evidente na genealogia de Mateus, que inclui Rute, bem como outras quatro mulheres: Tamar, Raabe, Bate-Seba e Maria (Mateus 1.3, 5–6, 16).
O amor e o caráter de Deus são manifestados por meio das personagens femininas no desenrolar da narrativa de Rute — um lembrete de que a salvação de Deus é realizada não somente por meio de homens “heróicos”, mas também de mulheres que desempenham um papel vital na história da redenção que Deus escreve. Ler o Livro de Rute como uma história de Advento nos fornece oportunidade para refletir sobre os atributos de Deus especialmente expressos por meio das mulheres, tanto na Bíblia quanto em nossa vida pessoal.
Provisão e inclusão divinas
A história do Livro de Rute se passa durante uma crise espiritual e material em que os israelitas repetidamente cometiam “o mal aos olhos do Senhor” (Juízes 2.11). Como história de Advento do Antigo Testamento, o Livro de Rute constrói a expectativa da vinda de um salvador e comunica a mensagem de fé aos gentios.
A provisão de Deus para as necessidades materiais e espirituais das pessoas, por meio de um paradigma de carência e satisfação, destaca-se neste livro. Noemi, que não tem comida, recebe sustento em Belém. Ela perde o marido e os filhos, mas ganha um “filho” por meio de Rute. Rute, que é viúva, encontra um marido. Acima de tudo, durante um período em que o povo não tinha um rei terreno, Deus deu início a um plano de Advento, para prover o futuro rei de Israel.
O advento do nascimento de Obede (e, um dia, o de Jesus) depende não apenas da chesed (“bondade”) de Deus, mas também da chesed que os personagens humanos demonstram em relação uns aos outros na história. Por exemplo, Noemi abençoa Boaz por não abandonar ela mesma e Rute, e Boaz elogia a busca de Rute por ele como um retrato do amor inabalável de Deus.
A história de Rute afirma que esse amor também acolhe os gentios. Ao longo do livro, o autor se refere a Rute como uma “moabita”. A identidade moabita de Rute choca a audiência original, pois os moabitas consistentemente representam uma ameaça física e espiritual a Israel. Por exemplo, Balaque, rei de Moabe, tenta amaldiçoar Israel (Números 22–24); também foram os moabitas que levaram os israelitas a adorarem os deuses de Moabe (Números 25.1–3; Juízes 10.6).
Em contraste com esses retratos negativos dos moabitas, Rute, a moabita, desfruta da inclusão na comunidade israelita. Ela se casa com um israelita e imigra para Israel. E promete a Noemi: “Aonde fores irei, onde ficares ficarei! O teu povo será o meu povo e o teu Deus será o meu Deus!” (Rute 1.16). Os anciãos de Israel até mesmo oram para que Deus faça Rute semelhante a Raquel e Lia, as matriarcas de Israel.
O compromisso de Rute com Deus, Noemi e Boaz resulta em sua inclusão na comunidade israelita — apesar de sua identidade moabita — e no privilégio de dar à luz um filho, algo que leva ao nascimento do rei Davi e, finalmente, ao nascimento de Jesus.
Assim, ao longo do livro, Deus e as pessoas — sejam elas israelitas ou gentias — fazem e recebem bondade. Portanto, como uma história de Advento, o livro de Rute pinta um belo quadro de inclusão na comunidade de Deus — algo que não é estritamente hereditário, mas está aberto a todos que acreditam no Deus de Israel e se comprometem com ele.
Amor de mãe
Além de abrir uma janela para a inclusão do plano de salvação de Deus, o Livro de Rute também aponta para o amor fiel de Deus, expresso por meio das ações exemplares de mulheres. Especialmente digna de nota é a disposição da personagem de suportar o sofrimento, que desempenha um papel essencial na história do Advento.
O autor cristão japonês Shusaku Endo acredita que o aspecto maternal de Jesus atrai os japoneses que não são cristãos. Em seu livro A Life of Jesus [Uma biografia de Jesus], Endo afirma:
Os japoneses tendem a buscar em seus deuses e budas uma mãe amorosa… Com isso sempre em mente, tentei não descrever Deus tanto com a imagem paterna que tende a ser característica do cristianismo, mas sim descrever o aspecto maternal bondoso de Deus, que nos é revelado na personalidade de Jesus.
O que Endo chama de “aspecto maternal de Deus” consiste na disposição de Jesus de se submeter ao sofrimento.
Uma das passagens do Antigo Testamento repetidas com mais frequência, Êxodo 34.6, diz: “Senhor, Senhor, Deus compassivo e misericordioso, paciente, cheio de amor e de fidelidade”. O termo hebraico rachum, frequentemente traduzido como “compassivo”, está relacionado ao substantivo rechem, que significa “útero” e, portanto, implica em como Deus expressa uma natureza maternal. Como essa característica de Deus é frequentemente mencionada em contextos que lidam com o pecado e a rebelião de Israel, a compaixão de Deus naturalmente envolve suportar a infidelidade humana.
Embora o termo rachum não apareça no Livro de Rute, a história, no entanto, exemplifica como Rute suporta o sofrimento lado a lado com sua sogra. Noemi sofre muita angústia com a perda do marido e dos dois filhos. Em agonia, ela afirma que a mão de YHWH “voltou-se contra mim” e que o Todo-poderoso “me trouxe desgraça” (Rute 1.13, 21). Ela até mesmo avisa suas noras que não pode se casar novamente e que não será capaz de prover futuros maridos para elas. Ela, então, instrui suas noras a voltarem cada uma para a “casa de sua mãe”.
Apesar dos alertas de Noemi, Rute decide acompanhar Noemi e se juntar a ela em seu sofrimento. É dito que Rute se “apegou” a Noemi. O termo hebraico para “apegar” (davaq) é o mesmo termo usado para expressar o profundo compromisso de um marido para com sua esposa, bem como o apego que as pessoas devem ter a Deus. Embora Noemi tenha alertado Rute sobre a “mão” de Deus em seu infortúnio, a confissão de Rute, “que YHWH me castigue”, reflete sua determinação de compartilhar do sofrimento de Noemi até a morte. O amor implacável de Rute por Noemi é mais tarde descrito como melhor do que o amor de “sete filhos”.
Assim como Rute deixou sua terra natal, “apegou-se” a Noemi e suportou dificuldades, Maria também deu à luz e acompanhou Jesus na ida para o Egito e na volta de lá, apesar de todas as dificuldades. Jesus, por meio da Encarnação, fez-se homem para suportar nosso sofrimento, como uma mãe suportaria por seu filho.
Aguardando o Prometido
Assim como os Evangelhos relatam o nascimento de Jesus, o Livro de Rute aguarda o nascimento do rei Davi (Rute 4.17-22) e conta como Deus providenciou o nascimento de um rei durante um tempo de violência e pecado desenfreados. Ambas as histórias compartilham de um cenário semelhante: um tempo de desastre nacional que destaca a necessidade que o mundo tem de um salvador. Ambas também compartilham de um enredo semelhante, que inclui casamento, o nascimento de uma criança e uma figura feminina que viaja para Belém. Ambas servem para comunicar como Deus trabalha por meio das vidas e das ações de pessoas comuns e contrasta a fidelidade delas com os padrões pecaminosos do mundo. A natureza exemplar desses personagens humanos antecipam Cristo, o paradigma de fé e de conduta cristãs.
Que neste Advento os cristãos ao redor do mundo celebrem o amor maternal de Deus que nos busca implacavelmente, que voluntariamente suporta o sofrimento ao nosso lado e aceita graciosamente todos os que se arrependem e creem. Espero que a história do Advento em Rute incentive as mães a reacenderem seu compromisso de “apegar-se” a Deus e a seus filhos. Que os cristãos estendam o amor de Deus àqueles que estão sofrendo nesta época do ano e caminhem com eles. E para aqueles que estão pessoalmente passando por dificuldades, que vocês encontrem encorajamento em um Deus que graciosamente sofre por nós, até o ponto de enviar seu Filho unigênito à Terra para nos salvar.
Kaz Hayashi (PhD, Baylor University) é professor associado de Antigo Testamento no Bethel Seminary/University, em Minnesota. Ele nasceu e foi criado no Japão, cursou o ensino médio na Malásia e hoje mora em Minnesota com a família. É membro do Every Voice: A Center for Kingdom Diversity in Christian Theological Education [Toda voz: Um Centro para a Diversidade do Reino na Educação Teológica Cristã].