Leia Jeremias 31.31-34
O PROFETA JEREMIAS escreve a partir de um contexto social, político e espiritual estreito e escuro, como se tivesse caído em um poço úmido, cujo ar estivesse carregado com o peso do arrependimento. Suas palavras, a mensagem de Deus, combinam com esse tom. Leia qualquer parte da profecia de Jeremias e verá o tema: o fracasso do povo de Deus. Eles não conseguiram manter sua parte na aliança que Deus fizera com seu povo, e o jovem profeta transmite a resposta de Deus com uma força implacável. Logo no início, a primeira visão de Jeremias define o que se seguirá: “Do norte se derramará a desgraça sobre todos os habitantes desta terra” (Jeremias 1.14).
Assim como Moisés antes dele, Jeremias inicialmente protesta contra a obra que Deus o chamou a fazer, apontando a própria idade como algo que o desqualificava para a tarefa (Jeremias 1.6). Pelos relatos da tradição, Jeremias ouviu o chamado de Deus por volta de 627 a.C., o que o situa na casa dos 20 anos de idade quando o livro começa. E ele, por 40 anos, continua alertando sobre um desastre que virá do norte.
Não muito diferente do tempo dos juízes, o povo de Deus está mais uma vez preso em um círculo vicioso, impulsionado por eles mesmos, de quebra de seus compromissos com Deus e de busca por vindicação e consolo em qualquer outro lugar [que não seja em Deus]. Jeremias traz notícias da ira de Deus e profetiza sobre as maneiras pelas quais o Senhor responderá à infidelidade do seu povo.
O desastre chega em 587 a.C., quando a Babilônia destrói Jerusalém, arrasando de forma rápida e fulminante o que vinha sendo erodido por séculos. Como uma inundação, o derramamento profetizado destrói a morada de Deus na terra de Israel — como se fosse um desfazimento da criação.
Seria razoável supor que, para uma pessoa como Jeremias — um israelita da tribo de Benjamim — esses foram tempos mais terríveis do que os que vemos em Juízes. Isso aconteceu antes de Davi, antes do templo. Com a ruína de Jerusalém, o reino de Davi foi levado embora pela inundação provocada por essa onda de destruição babilônica. Jeremias ocupa esse espaço de destruição, de “descriação”.
Jeremias ouve de Deus que não deve arrumar uma esposa nem ter filhos. Neste ponto da história e no âmbito dessa cultura israelita, você não encontrará nenhuma categoria que fosse adequada para encaixar homens solteiros e sem filhos. Um estudioso do Antigo Testamento, Joel R. Soza, chega a sugerir que o conceito de um homem solteiro é algo tão incompreensível [nesse contexto cultural] que não existe nenhuma palavra sequer na língua hebraica para descrevê-lo. A ideia é que Jeremias não só carregue notícias da tragédia de Israel, que ele não só ocupe esse lugar, mas que ele, em si mesmo, de fato incorpore essa “descriação” de tudo. Algo antes carregado de potencial, e que agora se torna estéril.
Jeremias 31 é uma leitura comum na época do Natal. A familiaridade da passagem pode nos fazer perder a força de suas palavras e o fato de que essa mensagem sobre uma nova esperança passou por lábios ressequidos e rachados. Às vezes, nós, que estamos deste outro lado da história, apenas manifestamos um mero reconhecimento distraído em relação a partes de antigas histórias sobre as quais faríamos melhor se meditássemos um pouco. Isso faz parte desse período de espera do Advento.
Jeremias é o profeta que habita em uma terra infiel, que transmite os julgamentos mais severos de Deus, que os sente em si, e que persevera o suficiente para dizer estas palavras:
“Estão chegando os dias quando farei uma nova aliança com a comunidade de Israel” (Jeremias 31.31)
Jeremias diz a um povo destroçado que, um dia, Deus se aproximará novamente. E, desta vez, seus caminhos serão escritos nos corações e ele será conhecido muito além da instrução. Ele perdoará e estabelecerá uma nova aliança, livre das ações e omissões dos homens, que dá início a uma volta para a paz e a fecundidade, para o Éden. Embora seja uma luz ainda tímida, ela ilumina.
Aaron Cline Hanbury é escritor e editor.