À medida que voltam às aulas [pois o ano escolar norte-americano começa depois das férias de julho], muitas crianças americanas chegarão nas escolas com smartphones nas mãos. A idade média em que as crianças nos Estados Unidos ganham seu primeiro celular é de apenas 11 anos, e a maioria das escolas públicas proíbe o uso dos aparelhos em salas de aula apenas para fins não acadêmicos — e até mesmo essa medida requer esforço para ser aplicada.
Sabemos que isso é um problema. Pesquisas de acadêmicos como Jonathan Haidt e Jean Twenge continuam a mostrar que os jovens norte-americanos estão vivendo uma crise de saúde mental, e há evidências convincentes de que a infância vivida em frente às telas dos celulares é a principal causa desse problema. E a igreja não é uma exceção aqui; se você trabalhou em ministérios de jovens recentemente, entende os desafios que vêm com uma sala cheia de adolescentes que estão cronicamente conectados online. Se você próprio for jovem, entende o quão fortemente o uso da tecnologia está ligado à questão do pertencimento, e o quanto pode ser difícil desviar sua atenção do seu próprio celular, por medo de estar perdendo alguma coisa.
Os cristãos já começaram a considerar como as igrejas podem encorajar o uso mais seguro das mídias sociais no ministério e como podem abordar o uso da tecnologia como uma questão de discipulado. Mas quero recomendar outra resposta que tem uma longa história na igreja: o envolvimento cristão em políticas públicas.
Se acreditamos que o evangelho tem o poder de falar a todas as áreas da nossa vida, devemos reconhecer que isso inclui nossa vida digital, e não apenas individualmente, mas também como comunidade: como famílias e congregações, sim, mas também na política. O envolvimento cristão em políticas públicas — que diz respeito ao modo como seguimos a Deus enquanto povo arraigado em um determinado tempo e espaço e em uma comunidade política — pode ser parte de como amamos e servimos a Deus e ao próximo em nossa era digital.
Eu entendo por que alguns cristãos são cautelosos em se envolver na política e no governo, seja por razões teológicas ou históricas ou simplesmente por causa do ceticismo quanto à capacidade de o governo fazer algo produtivo. Mas se tivermos a oportunidade de defender políticas públicas que promovam segurança e prosperidade para nós e nossos próximos, devemos exercer com boa mordomia essa responsabilidade, como os servos na parábola dos talentos, em Mateus 25. E, de vez em quando, teremos o dever de assumir o papel de defensores daqueles que não podem defender a si mesmos.
Isso significa particularmente crianças e adolescentes cujas famílias não têm o conhecimento, os recursos ou os meios necessários para fazer da limitação do tempo de tela uma prioridade. Crianças de famílias de baixa renda têm duas a três vezes mais probabilidade do que seus pares de desenvolver transtornos de saúde mental, e algumas pesquisas mostram que elas também têm mais probabilidade de passar muito tempo online. Escolas sem smartphones forneceriam pelo menos uma certa trégua das redes sociais intencionalmente viciantes.
Então, como a igreja historicamente se envolveu nesse engajamento político para o bem de nossos próximos? Cristãos que transitaram pelas rápidas mudanças tecnológicas, econômicas e sociais da Revolução Industrial fornecem exemplos com os quais podemos aprender muito hoje.
A mudança de economia agrária para economia industrial, tanto nos EUA quanto no Reino Unido, trouxe consigo novas conveniências e oportunidades, mas também novos perigos para as crianças. Isso lhe soa familiar? Pode ser que seja difícil para nós imaginarmos hoje em dia, mas aquela foi uma época em que a escolaridade não era obrigatória e na qual não havia regulamentação para questões de segurança. As crianças frequentemente trabalhavam ao lado dos pais ou de outros adultos nos campos ou nas fábricas.
Sem as leis trabalhistas com que hoje contamos, as crianças às vezes trabalhavam 16 horas por dia ou mais. Elas tinham poucas pausas na jornada de trabalho. Ferimentos eram comuns, e as crianças não eram alvo de nenhum cuidado especial. Até mesmo a prostituição infantil era encontrada em muitos locais de trabalho, como a historiadora Penelope Carson escreveu em seu texto para Christian History, e não havia “regulamentos de segurança nem multas financeiras, além de espancamentos serem impostos para penalizar os mais mínimos deslizes ou contravenções. Acidentes e mortes eram muito comuns”. Os órfãos eram particularmente vulneráveis, pois não tinham tutores para intervir em seu favor.
Mas alguns cristãos intervieram, e desempenharam um papel fundamental na aprovação de leis para regulamentar o trabalho infantil em ambos os lados do Atlântico. Richard Oastler, um metodista devoto e abolicionista do século 19, começou a trabalhar pela conscientização pública tão logo soube como as crianças eram tratadas nas fábricas britânicas. Então, ele buscou soluções legais para garantir a proteção infantil. Os métodos e a retórica por vezes radicais de Oastler o colocaram em apuros mais de uma vez, mas sua preocupação com os pobres e as vítimas da injustiça ajudou na aprovação dos Factory Acts [Leis das Fábricas] do Reino Unido de 1833 e 1847, que limitavam as horas de trabalho para mulheres e crianças.
Décadas depois, nos EUA, um sacerdote episcopal chamado Edgar Gardner Murphy estava preocupado com o bem-estar das crianças que trabalhavam nas fábricas. Durante anos, ele defendeu uma legislação que encurtaria as horas trabalhadas por elas, aumentaria o limite de idade para as crianças que trabalhavam em fábricas e minas e proibiria o trabalho noturno. Entendendo que as reformas eram essenciais para proteger as crianças dos empregadores e, às vezes, de seus próprios pais, ele fundou o National Child Labor Committee (NCLC) [Comitê Nacional de Trabalho Infantil], em 1904, para disseminar a conscientização e promover soluções políticas.
Apenas dois anos após o estabelecimento do NCLC, as conversas sobre a reforma das leis sobre trabalho infantil foram passadas de nível estadual para nível federal, e o comitê conseguiu destacar tanto a injustiça do trabalho infantil quanto os benefícios que a escola pública proporcionaria. Muitos pais e empregadores estavam satisfeitos com o status quo, mas as fotografias tiradas por Lewis W. Hine expuseram a difícil situação das crianças que trabalhavam em fábricas e minas, motivando ações legislativas.
Os smartphones não oferecem os mesmos perigos físicos das primeiras minas industriais ou fábricas de algodão, mas seu risco para as crianças é real. Portanto, é responsabilidade dos cristãos intervir em favor de crianças vulneráveis, defendendo melhores políticas públicas para uso da tecnologia em escolas públicas ou privadas.
Claro, não há garantia de que nossa luta terá sucesso. A história e pesquisas atuais sugerem que, apesar de nossos melhores esforços, as propostas para proteger as crianças do mundo online têm uma grande chance de fracasso. Muitos pais — e certamente muitas crianças — prefeririam manter o status quo, ou seja, deixar tudo como está. Mas essa possibilidade não deve nos desencorajar de lutar.
Em um discurso na Conferência Internacional Cristã de Política, em 1977, o senador Mark Hatfield, do Oregon, listou muitos projetos de lei que ele defendeu ou nos quais votou por causa de sua fé cristã. “Acontece que”, ele continuou, “cada uma dessas propostas foi derrotada. No entanto, eu confio que em cada caso foi dado um testemunho dos objetivos que nos moveriam na direção do reino — como eu o concebo.” Mesmo que não tenhamos as políticas que queremos, ainda assim podemos praticar esse tipo de testemunho fiel em praça pública. Ainda podemos dar testemunho da esperança que temos em Cristo, confiando que Deus fará justiça.
Em nível prático, os cristãos — e especialmente os pastores e outros líderes da igreja — devem construir relacionamento com membros do conselho escolar, autoridades estaduais e municipais e até mesmo membros do Congresso que possam moldar as políticas para uso de tecnologia em nossas escolas. Podemos mostrar para esses líderes — assim como Oastler fez com os responsáveis por formular as políticas britânicas há dois séculos — que temos o dever e a capacidade de proteger melhor jovens e famílias vulneráveis em nossas comunidades. Afinal, temos o dever de verdadeiramente amar nossos próximos.
Emily Crouch é uma profissional que trabalha nas áreas de políticas públicas e comunicações; ela vive e trabalha em Alexandria, Virgínia. Emily lidera o programa para estudantes universitários e a bolsa para desenvolvimento de liderança congressista em início de carreira no Center for Public Justice [Centro para Justiça Pública].