Theology

O nacionalismo cristão e sua consciência pesada

Em vez do controle mundano da sociedade, Cristo clama por corações renovados.

Christianity Today October 22, 2024
Illustration by James Walton

Muitos de nós presumimos que o nacionalismo cristão promete um roteiro que conduz a uma Nova Jerusalém ou a uma Nova Roma ou a uma Nova Constantinopla. Isso é compreensível, dada a retórica triunfal e bélica dos aspirantes a teocratas. Mas e se o roteiro de fato não nos conduzir a nenhum desses lugares?

E se essa nova face do nacionalismo cristão não quiser nos levar à cidade fulgurante de Cotton Mather, reedificada sobre o monte na Colônia da Baía de Massachusetts, mas apenas para uma noite de cupom duplo no Hotel Bellagio, em Las Vegas?

O jornalista Jonathan V. Last observou, há alguns anos, quando estava hospedado em um resort e cassino em Las Vegas, o quanto ficou momentaneamente comovido com o compromisso do hotel em ajudar seus hóspedes a salvarem o planeta. Last observou o cartão, sobre a pia do banheiro, que pedia aos hóspedes que economizassem água usando a mesma toalha várias vezes. Sobre a mesa de cabeceira, ele viu outro cartão que pedia aos hóspedes que protegessem os recursos naturais optando por não trocar a roupa de cama.

Então, ele olhou para a frente do hotel, onde duas fontes gigantes estavam “jorrando água preciosa na aridez do ar desértico”. Foi nesse momento, segundo ele escreveu, que “me ocorreu que a … preocupação [do hotel] com o meio ambiente poderia ser simplesmente uma tentativa de economizar em custos de lavanderia”.

Uma aposta [desse tipo] em um hotel de Las Vegas não é assim tão alta, mas é uma barganha que revela um impulso da natureza humana caída de forma que todas as partes envolvidas saiam ganhando. Os hóspedes sentem que estão fazendo algo virtuoso, e a casa economiza uns tostões. É um microcosmo de algo que Martinho Lutero identificou como o jogo psicológico que estava por trás de Johann Tetzel e de outros que vendiam indulgências para os cristãos medievais.

Dar dinheiro ajudava a aliviar a consciência daqueles que estavam com medo do purgatório, ao mesmo tempo em que ajudava a arrecadar dinheiro para a construção da Basílica de São Pedro em Roma. Os vendedores ambulantes de indulgências podiam dizer a si mesmos que estavam envolvidos na missão de salvar almas, e não no ramo da arrecadação de fundos sem fins lucrativos ou no ramo imobiliário comercial. E os compradores de indulgências podiam se tranquilizar com a penitência, algo que era, e ainda é, muito mais fácil do que o arrependimento.

Dar uma moeda é mais fácil do que carregar uma cruz. A contrição, a confissão e a rendição genuínas são realidades espirituais, internas e intangíveis que exigem que confiemos o perdão à promessa de um Deus invisível. Já as indulgências, por outro lado, vêm acompanhadas de recibos.

Para Lutero, a crise em tudo isso não estava apenas no fato de que a igreja era corrupta, mas em algo mais importante do que isso, ou seja, no fato de que a garantia comprada com esse tipo de indulgência na verdade impedia as pessoas de verem o que realmente é capaz de superar o pecado e limpar a culpa — a fé pessoal em Cristo, e nele crucificado.

“Os cristãos devem ser ensinados que, se o Papa soubesse das exigências dos pregadores do perdão, ele preferiria que a igreja de São Pedro fosse reduzida a cinzas, do que vê-la ser construída com a pele, a carne e os ossos de suas ovelhas”, Lutero afirmou na sua 50ª. tese.

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Em nossa época, as indulgências se parecem mais com a agenda verde de um hotel do que com a construção da Basílica de São Pedro. O novo nacionalismo cristão — assim como as velhas igrejas estatais que definham na Europa e os antigos e secularizados evangelhos sociais do protestantismo histórico — define o cristianismo em termos de reforma de estruturas externas, em vez de regeneração de psiquês internas. Ao contrário dos antigos liberalismos teológicos, porém, os nacionalistas cristãos de hoje buscam solidariedade não na mitigação concreta do sofrimento humano, mas em marcadores de limites, sobretudo simbólicos, como demonstrar a dose certa de uma ofensa teatral com ultrajes da guerra cultural, ter o tipo certo de inimigos, “lacrar os liberais”.

A consciência incomodada do nacionalismo cristão finge que nosso problema é o oposto do que Jesus nos disse: que, ao reivindicar direito sobre um jardim, podemos colher frutos de árvores doentes (Mateus 7.15-20), que, ao controlar o que está fora de nós, podemos renovar o que está dentro (Mateus 12.33-37).

Esta é uma mensagem popular, em todas as épocas; evangelhos da prosperidade e religiões de fertilidade sempre o são. Uma religião extrínseca permite que as pessoas reivindiquem o cristianismo sem seguir a Cristo, e permite que guerreiros culturais despidos de poder, sem uma oração nos lábios e viciados em pornografia se convençam de que estão marchando rumo ao céu. Ao amenizar nossa culpa com nossas escolhas políticas, podemos nos convencer de que o que encontramos em nossa nova Betel é a escada de Jacó para o céu, quando, na verdade, é apenas o bezerro de ouro de Jeroboão (1Reis 12.25-31).

Após a queda da União Soviética, Philip Yancey, colunista de longa data aqui na CT, junto com outros cristãos, encontrou-se com comunistas desiludidos do regime, entre eles os propagandistas do jornal Pravda do Kremlin. O experimento bolchevique, é claro, havia subjugado a ética pessoal, e mais ainda a fé pessoal à causa coletiva — ao suposto “paraíso dos trabalhadores” do futuro, que justificaria cada mentira contada, cada dissidente exilado, cada vida aniquilada ao longo do caminho.

O que Yancey achou mais pungente não foi apenas o fato de que o comunismo soviético havia fracassado, mas a maneira particular como fracassou. Conforme ele refletiu:

Os seres humanos sonham com sistemas tão perfeitos que ninguém precise ser bom, escreveu T. S. Eliot, alguém que viu muitos de seus amigos abraçarem o sonho do marxismo. “Mas o que o homem é vai projetar sua sombra sobre o que o homem finge ser”. O que ouvimos dos líderes soviéticos, da KGB e agora do Pravda foi que a União Soviética acabou com o pior dos dois mundos: com uma sociedade muito longe de ser perfeita e com um povo que havia se esquecido de como ser bom.

Não deveríamos fingir que não somos capazes de enxergar a mesma coisa que vimos no império soviético sem alma, de homens ocos, nesse nacionalismo cristão distópico, politizado e sem vida. Que fim trágico seria acabar com uma sociedade tão depravada quanto sempre foi e com um povo que se esqueceu de como ser salvo.

O caminho a seguir é o mesmo de sempre. Como Lutero disse em sua Disputa de Heidelberg, “O teólogo da glória chama o mal de bem e o bem de mal. O teólogo da cruz chama a coisa do que ela é.” Às vezes, isso significa pregar algumas palavras na porta de um castelo. Às vezes, isso pode significar abrir mão de bens e familiares. Toda a vida cristã trata do arrependimento. Esse arrependimento deve ser sobre renovar nossas mentes e nossos corações, e não apenas sobre lavar consciências que não estão mais sujeitas à Palavra de Deus.

Hoje, como sempre, todo dia é dia da Reforma.

Russell Moore é o editor-chefe da CT.

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