Cresci em uma pequena igreja evangélica, que fica no Vale Central da Califórnia, na qual havia mais operários do que executivos, empresários e profissionais liberais. Cerca de 25 famílias se aglomeravam nos bancos todos os domingos; eram pessoas amorosas, generosas e atenciosas. Acampamos na Sierra Nevada, fizemos mochilões no parque Yosemite e montamos armadilhas para caranguejos em Half Moon Bay. Estudávamos a Palavra, compartilhávamos alimentos, quando o infortúnio nos atingia, e fomos mais vezes ao Taco Bell depois do culto do que qualquer ser humano seria capaz de suportar. Vivemos uma espécie de evangelicalismo ensolarado da Califórnia, que exibia seu conservadorismo em camisetas, shorts de surfista e um humor alegre e despreocupado.
Quando penso naquela igreja, por mais imperfeita que fosse, eu me sinto imensamente grato. Ela me vacinou contra a caricatura tóxica sobre a qual eu ouviria com tanta frequência nos anos seguintes — especialmente em universidades seculares — de que as igrejas evangélicas eram bastiões da ignorância e do preconceito.
Quando deixei a academia, em 2009, foi em parte por desilusão. Os departamentos da área de humanas pareciam mais interessados em conformidade ideológica do que em investigação intelectual. Lembro-me como se fosse hoje de um seminário de doutorado em que uma das minhas colegas jogou fora toda a história das missões cristãs, como se não tivesse passado de um voraz colonialismo. Concordo que há muita coisa a se lamentar nessa história, mas com certeza parte dela também teve missionários que tinham boas intenções, não?
Por uma questão de honestidade intelectual, parecia que o mínimo que minha interlocutora deveria fazer era admitir tal fato. Em vez disso, ela me denunciou ao nosso professor pelo suposto crime de “defender uma instituição maligna”.
Este episódio foi apenas um de uma longa série de experiências desse tipo. Muitas aulas mais pareciam recrutamento para programas políticos; muitos seminários poderiam ser considerados competições para ver quem seria o primeiro a se ofender. Se você apresentasse uma tese que desafiasse as tendências predominantes nos departamentos da área de humanas, não haveria evidência ou argumentação no mundo que bastasse para defendê-la; em contrapartida, se você apresentasse uma tese que servisse a alguma causa que tivesse a simpatia dos departamentos, pouquíssimas evidências e argumentos seriam necessários. Afinal, uma vez que abandonarmos o conceito de que há uma verdade unitária, por que cada um de nós não pode escolher a história que mais convenha à nossa própria tribo? Quem se importa com precisão, quando se pode fazer “justiça”?
Então, deixei a academia para ajudar a lançar um novo empreendimento de mídia. Hoje é até irônico me lembrar do idealismo que acompanhou o surgimento da blogosfera e das mídias sociais naqueles anos. O cenário digital era um espaço aberto onde poderíamos reimaginar um diálogo público que fosse compassivo, informado e disposto a desafiar convicções partidaristas. Talvez os cristãos pudessem dar o exemplo de uma forma de engajamento público que simultaneamente defendesse valores cristãos e exibisse virtudes semelhantes às de Cristo. Talvez as mídias sociais pudessem ser o que a universidade deveria ser: um espaço aberto de ideias onde os melhores argumentos vençam por mérito próprio.
No entanto, ao longo dos anos seguintes, novos negócios de mídia criaram modelos financeiros que incentivavam o que há de pior no comportamento humano. O caminho para a riqueza e a influência passava pela viralização, e o caminho mais seguro para a viralização era incitar animosidades tribais. Tristan Harris, especialista em ética da tecnologia, chama isso de “corrida para o fundo do tronco cerebral”. Reafirme os preconceitos e pressupostos do seu público, alimente seus medos, despreze a outra tribo e você conquistará seguidores apaixonados e em número cada vez maior, os quais você pode monetizar por meio de engajamento com palestras [em vídeos] e textos.
Em outras palavras, a maneira mais rápida de construir um público não era consolidando expertise e credibilidade durante uma longa carreira de trabalho sério, mas sim alcançando fama viral ao jogar com as antipatias tribais de um grupo ou de outro. O que começou como um esforço para colher a atenção [do público] se transformou em empenho para plantar a ira [no coração desse público].
Nos primeiros anos da cultura da viralização, as linhas divisórias separavam grandes grupos de pessoas, como evangélicos conservadores e progressistas históricos. Com o passar do tempo, ficou claro que as plataformas de mídia social poderiam aumentar ainda mais o engajamento e trazer publicidade mais bem direcionada (ou seja, ganhar mais dinheiro), canalizando leitores para subcategorias cada vez mais estreitas. Comunidades mais amplas com uma convicção comum se dividiram e se subdividiram em campos de guerra; cada campo era alimentado por fontes de informação próprias e se unia em torno dessa hostilidade compartilhada com aqueles ao seu redor. A raiva que sentimos pelos chamados traidores da nossa tribo é muito maior do que a raiva que sentimos por aqueles que nunca pertenceram à nossa tribo.
E assim chegamos ao ponto em que estamos hoje, no qual evangélicos são comprados e vendidos nos mercados do desdém e jogados uns contra os outros na busca por lucro. No qual escritores e leitores estão igualmente viciados na dopamina da divisão. Essa realidade é bem parecida com a dos departamentos das áreas de humanas nos quais convivi e trabalhei.
Tudo se reduz à política. Os fatos não importam se a história convier à sua tribo. Carreiras são construídas não com base em amar e entender os outros, mas com base em zombar deles e distorcê-los.
Para que fique bem claro, a Christianity Today jamais defendeu que os cristãos deveriam se retirar da vida política. Embora os mortos não sejam ressuscitados pela política, os vivos são auxiliados por ela.
O problema não é quando o conflito está fora do cristão. O problema é quando o conflito está dentro do cristão. Nosso engajamento de uns com os outros e com a sociedade em geral deve seguir o padrão de Cristo, e não a cultura.
A Christianity Today nunca se encaixou perfeitamente na agenda política de ninguém, porque estamos mais comprometidos com o reino de Deus do que com os interesses de qualquer partido ou país. Isso frustra aqueles que patrulham as linhas divisórias da conformidade política, mas vemos essa postura como algo essencial para o nosso chamado. E nos recusamos a participar do ciclo de insultos.
Nosso chamado é para promover as histórias e ideias do reino de Deus. Contamos essas histórias quando são encorajadoras e quando são difíceis. Convidamos vozes cristãs ortodoxas a apresentar seus argumentos para pontos de vista contrários. Buscamos entender e exemplificar o que significa seguir a Jesus em nosso tempo. A CT é composta por diretores, executivos, funcionários, escritores e leitores que possuem diferentes posições políticas. E vemos isso como uma força, não como uma fraqueza.
Um dos cânticos que cantávamos naquela igreja no Vale Central da Califórnia era “Eles Saberão Que Somos Cristãos Pelo Nosso Amor”. Experimentar esse amor do corpo de Cristo deixou sua marca em minha alma. Como Jesus disse em João 13: “Com isso todos saberão que vocês são meus discípulos, se vocês se amarem uns aos outros” (v. 35). E como ele orou ao Pai, em João 17, é por causa da unidade da igreja que “o mundo [sabe] que tu me enviaste, e os amaste como igualmente me amaste.” (v. 23)
Isso é algo sério. O amor que demonstramos uns aos outros, a unidade que mostramos ao mundo, tudo isso dá testemunho da divindade de Cristo e da realidade do amor de Deus. A Igreja carrega em si a imagem de Cristo para o mundo; no entanto, hoje essa imagem é controversa e fragmentada.
O reino de Deus está sempre confundindo as expectativas do mundo. Ele pega aquilo que o mundo virou de cabeça para baixo e vira de cabeça para cima, de volta à sua posição correta. Ele eleva os humildes acima dos arrogantes, os mansos acima dos fortes, os impotentes acima dos poderosos. O reino de Deus é profundamente contracultural.
Talvez a coisa mais contracultural que os cristãos possam fazer neste momento que vivemos é se recusarem a demonizar uns aos outros. Cristãos com corações e mentes sadios chegarão a conclusões diferentes sobre o que o amor exige deles na próxima eleição. Apoie quem sua consciência lhe disser para apoiar. Mas que seu primeiro amor seja o seu primeiro amor, e que nosso amor de uns pelos outros seja nosso testemunho ao mundo de que Cristo está vivo e operando entre nós.
Timothy Dalrymple é presidente e CEO da Christianity Today.