Morreu em 6 de setembro, aos 64 anos, em decorrência de um câncer, Daniel Bourdanné, cientista do Chade, país localizado na porção central da África. Ele inspirou jovens evangélicos ao redor do mundo inteiro como secretário-geral da IFES e foi um histórico defensor da publicação de livros cristãos na África.
Após anos de ministério com estudantes, Bourdanné se tornou secretário-geral da IFES (International Fellowship of Evangelical Students) em 2007, tendo servido nessa função até 2019. Um leitor ávido (e às vezes escritor), de 2018 até sua morte Bourdanné trabalhou com a Africa Speaks para fomentar a publicação de livros cristãos em todo o continente.
Bourdanné passou grande parte da vida em nações francófonas, entre elas Togo, Camarões e Costa do Marfim, antes de se mudar para Oxford, Inglaterra, quando se tornou secretário-geral da IFES. Na época de sua morte, ele estava morando em Swindon, Inglaterra.
“Deus me enviou ao mundo a partir deste continente, e para este mesmo continente ele me traz de volta, com o mundo, para que eu possa completar meu papel como missionário da igreja africana”, disse Bourdanné em seu discurso de despedida na África do Sul, em 2019, na Assembleia Mundial da IFES.
“Daniel tinha orgulho de ser africano”, disse Tiémoko Coulibaly, secretário-geral da filial nacional da IFES no Mali. “Embora vivesse no Ocidente, seu coração permaneceu na África, o continente em que nasceu e do qual ele nunca desistiu.”
Filho de pastor, Bourdanné nasceu em 18 de outubro de 1959, em Pala, Mayo-Kebbi Ouest, no Chade. Aos 10 anos, ele perdeu o pai, cuja morte forçou Bourdanné a começar a trabalhar no campo, cortando lenha e cultivando hortaliças para sua mãe vender. Essas responsabilidades ficaram ainda mais pesadas por causa de uma guerra civil, que durou de 1965 a 1979 e tirou a vida de milhares.
Poucos meses antes do fim da guerra, Bourdanné ganhou uma bolsa para estudar ecologia animal na Université du Tchad. Ele, então, conquistou um diploma de bacharel em ciências naturais na Université de Lomé, Togo (antiga Université du Bénin).
Em 1983, Bourdanné mudou-se para Abidjan, na Costa do Marfim, para fazer um doutorado em ecologia animal. Em 1990, ele defendeu sua tese sobre milípedes, tornando-se posteriormente membro da International Society of Myriapodologists.
Enquanto estudava, Bourdanné começou a trabalhar como professor de biologia no ensino médio. No entanto, sua paixão por compartilhar o evangelho com estudantes havia sido despertada muito antes. “Aos 14 anos, em um estudo bíblico sobre Apocalipse 1, eu senti pela primeira vez a visão e a paixão de ver estudantes sendo salvos para o Senhor”, ele disse uma vez.
“Direta ou indiretamente, as universidades influenciam e guiam profundamente o futuro das sociedades humanas”, ele escreveu em um artigo sobre evangelismo estudantil, publicado no Dictionnaire de théologie pratique, em 2011. “Os estudantes estão frequentemente na vanguarda da mudança social ao redor do mundo. De fato, quando eles se movem juntos, motivados por sua energia, vitalidade, determinação, paixão, imaginação e criatividade, eles têm o poder de mover a sociedade.”
Em 1990, Bourdanné começou a trabalhar com a IFES como secretário itinerante; foi nomeado secretário regional da IFES Francophone Africa (GBUAF) em 1996.
Quando ele se tornou secretário-geral em 2007, sucedendo Lindsay Brown, que ocupava o cargo desde 1991, o movimento IFES tinha 60 anos e estava estabelecido em mais de 150 países. Ainda assim, durante seus 12 anos de mandato, o movimento cresceu significativamente, em especial na diversidade de sua liderança.
Sob Bourdanné, a IFES deu mais espaço a teólogos do Sul Global. Em 2007, ele nomeou Christy Jutare, das Filipinas, como a primeira secretária regional feminina da IFES a liderar a região da Eurásia. Em 2011, ele nomeou os dois primeiros representantes estudantis para o conselho diretivo da IFES. Em 2016, ele trouxe de volta um periódico global de reflexão teológica e missiológica (Word and World).
Quando perguntado sobre os destaques de sua gestão, Bourdanné respondeu que, entre eles, estavam ter testemunhado Deus “seguir o caminho incomum”, convidando pessoas inesperadas para se juntarem à caminhada com ele, bem como a alegria de ver Deus abrindo portas em contextos difíceis.
Ele também destacou um desafio fundamental. “Celebramos nossa unidade”, escreveu ele em seu e-mail de despedida para a IFES, “mas somos humanos; por isso, não é surpreendente que às vezes alguém tente promover sua agenda ou suas preferências pessoais. […] Por ter crescido em um contexto de guerra e conflito tribal, eu talvez fosse mais sensível a como isso poderia se tornar uma ameaça à unidade da IFES.”
Uma das maiores paixões de Bourdanné era possibilitar que a igreja global ouvisse mais os cristãos africanos. E fazia isso encorajando-os a não seguirem uma única escola de pensamento, mas a se tornarem vozes proeminentes no campo teológico.
“Alguns de nós podem ficar do lado de Billy Graham”, ele declarou no mesmo discurso de 2019. “Outros [alinham-se] com John Stott, ou com John Piper, e essas diferenças nos enriquecem mais do que nos dividem.” Mas ele acrescentou: “Entre esses três nomes, não há nenhum africano. Nem há ninguém da América Latina ou da Ásia.”
O amor de Bourdanné pelos estudantes só era rivalizado por seu amor pelos livros. O cientista possuía centenas, senão milhares deles, cuidadosamente guardados em três bibliotecas diferentes — uma, em sua casa, na Inglaterra; outra, em seu escritório, em Oxford; e a terceira, em uma residência na Costa do Marfim.
A certa altura, a paixão de Bourdanné pela palavra escrita o levou a começar uma revista. Ele e quatro amigos juntaram seus recursos para financiar a primeira edição e investir na publicação. A revista funcionou sem dívidas até o grupo se desfazer, e, exceto por uma doação única de 80 dólares de alguns missionários, eles nunca dependeram de ajuda externa.
Em 1995, Bourdanné se tornou o diretor da Presses bibliques africaines (Imprensa Bíblica Africana). Em 2018, ele se juntou ao conselho da Africa Speaks, onde continuou a servir até sua morte, trabalhando para promover o crescimento da indústria editorial cristã na África, encorajando escritores cristãos africanos a escreverem e a publicarem e divulgando seus livros.
Bourdanné acreditava que, para os cristãos africanos, os livros poderiam ser catalisadores para uma transformação. “A África não experimentará sua revolução editorial até que vençamos a batalha pelo amor aos livros”, ele escreveu. Por sua vez, essa paixão “contaminaria” a África positivamente, de dentro para fora, dizia ele, em uma metáfora inspirada pelas palavras de Jesus em Marcos 7 de que o que contamina (ou torna impura) uma pessoa é o que sai de dentro para fora.
Bourdanné tinha firme convicção de que a África precisava se preparar para seu próprio progresso, o que exigia, em sua opinião, uma mudança de mentalidade acompanhada de colaborações produtivas com o Ocidente.
“Qual é a utilidade do fervor dominical da África, se os demônios da corrupção, do conflito e do genocídio ressurgem na segunda-feira?”, pregou Bourdanné em Genebra, em 2006, para uma audiência de líderes evangélicos, principalmente europeus. “Qual é o sentido de nosso culto e de nossas orações na Europa, se nossas vidas ainda são movidas pela busca do maior lucro e se nossas igrejas continuam divididas?”
Ele convocou os cristãos europeus a lutarem por mudanças: “Nossas ações falam mais alto do que nossas palavras. As vítimas da injustiça devem ver o compromisso dos cristãos ocidentais nessa área.”
Embora estivesse mais envolvido em promover a literatura cristã na África do que em escrevê-la, foi autor de Ces évangéliques d’Afrique, qui sont-ils? (Quem são os evangélicos africanos?, 1998) e L’Évangile de la prospérité, une menace pour l’Église en Afrique (O evangelho da prosperidade, uma ameaça à igreja africana, 1999), entre outros.
Em 2018, a Calvin University concedeu a ele o Prêmio Abraham Kuyper de Excelência em Teologia Reformada e Vida Pública, destacando seu trabalho na área de publicação cristã francófona e seu ministério com a IFES.
“Há vinte e cinco anos, Daniel viu a necessidade de que estudantes cristãos fossem orientados, a partir de uma cosmovisão cristã, sobre vários tópicos que eram uma grande preocupação para eles; então, Daniel entrou em ação”, disse Jul Medenblik, presidente do Calvin Theological Seminary.
Timothée Joset, professor de missiologia na Faculté libre de théologie évangélique (FLTE), na França, e membro da IFES Global Resource Ministries, disse que seu amigo Bourdanné o apresentou a questões complexas enfrentadas pela África francófona e também pelas relações globais Norte-Sul.
“Algo que também me impressionava era a sua resiliência. Ele nunca ficou ressentido, mesmo tendo sofrido muito racismo”, disse Joset, destacando um exemplo tão flagrante que o teólogo N.T. Wright até o mencionou em um sermão de Páscoa.
Depois que a IFES o nomeou para a função de secretário-geral, “o Alto Comissariado Britânico em Accra demorou para se manifestar sobre o pedido de residência de Daniel, e, em seguida, recusou-o com uma explicação sucinta”, disse Wright. “Daniel, então, pediu permissão para viajar para o Reino Unido com seu visto atual de visitante, e foi informado de que poderia. Mas, quando ele chegou, ficou detido por 22 horas, seus celulares foram apreendidos e ele foi despachado de volta para a África.”
Apesar desses incidentes, Bourdanné inspirava seus colegas com sua cortesia e humildade. Um de seus alunos lembra com carinho que Bourdanné lhe enviava livros pessoalmente, depois de o sistema postal inglês continuar confundindo seu endereço com um endereço de outro país. Outro colega internacional lembrou que ele se prontificava a sentar no chão, durante as conferências, para que outros tivessem uma cadeira para sentar.
Essa modéstia nunca impediu Bourdanné de desafiar seus colegas cristãos sobre questões com as quais ele se importava profundamente, como o evangelismo. Ele serviu ao Movimento de Lausanne como Diretor Adjunto Internacional para a África de Língua Francesa (21 países) até a conferência de Lausanne de 2010, na Cidade do Cabo, África do Sul. Quando deixou essa posição, foi nomeado para o conselho do Movimento de Lausanne.
“Podemos ter credibilidade, se proclamarmos um evangelho que ignora a exploração dos fracos pelos fortes? Podemos continuar a nos importar apenas com a salvação das almas africanas, enquanto fechamos os olhos para a sua situação social?”, ele perguntou em 2016. “De que forma o evangelho é boa-nova para comunidades que lutam para satisfazer suas necessidades básicas? Como podemos permanecer em silêncio diante das crescentes desigualdades sociais na África ou das questões ambientais? Proclamação e ação devem caminhar de mãos dadas.”
Bourdanné também é lembrado com carinho pelo pastor Ziel Machado, amigo e companheiro de ministério por muitos anos na IFES: “Meu coração está em um misto de tristeza, profunda gratidão e paz. […] Daniel partiu, se antecipou a mim, foi ao encontro do nosso amigo eterno. Deixou comigo este sentido de profunda reverência do lugar sagrado que é a amizade. Lugar no qual discernimos um espaço seguro para as decisões mais importantes que venhamos a tomar. Por um tempo, agora, nosso lugar de encontro será a minha memória, até o momento em que nosso reencontro será marcado pela eternidade”.
Daniel Bourdanné deixa a esposa Halymah, natural do Níger, e quatro filhos.