Se alguém fosse resumir em uma única frase a tese que está por trás do movimento fé e trabalho na atualidade, provavelmente diria: “Seu trabalho é importante para Deus”.
Dezenas de livros foram publicados sobre o assunto e um movimento aparentemente significativo de conferências, sites e recursos ganhou força nas últimas duas décadas. As respostas sobre por que nosso trabalho é importante para Deus e o que isso significa na prática podem variar, mas a mensagem de que “nosso trabalho é importante para Deus” deu forma à grande parte dessa conversa, tanto nas igrejas quanto em ambientes de trabalho cristãos.
Mas acredito que precisamos de uma compreensão mais kuyperiana desse conceito. Nosso trabalho é importante para Deus porque toda a ordem criada pertence a Cristo, e encontramos no relato da criação não apenas as verdades antropológicas que importam para esse assunto (que a humanidade é portadora da imagem de Deus), mas também as verdades ontológicas (que nosso próprio ser está ligado ao nosso mandato pré-queda para sermos trabalhadores e cultivadores da criação de Deus). Esse apelo fundante a uma teologia do trabalho exige uma compreensão pré-queda do trabalho e do propósito e, em seguida, uma aplicação pós-queda.
Uma compreensão kuyperiana dessa teologia oferece uma visão do trabalho que, assim como toda a natureza, está contaminado pelo pecado, mas também está submetido à obra redentora do plano de Deus na história. Os seres humanos, como portadores da imagem de Deus — que foram criados com uma incompreensível capacidade de produtividade e criatividade — demonstram o senhorio de Cristo, mesmo em um mundo caído, e participam do glorioso processo de redenção, à medida que nossos esforços terrenos constroem o reino de Deus tijolo a tijolo, tarefa por tarefa.
“Algumas pessoas imaginam o estado de glória, em volta do trono de Deus, como se todo o trabalho tivesse terminado, para saborearmos o júbilo celestial em agradável ociosidade”, dizia Abraham Kuyper. “Essas pessoas não conhecem Deus, nem seus anjos, nem como será a vida no céu”.
Uma visão decadente do trabalho, que vemos na cultura em geral, conseguiu retratar o trabalho como um fator que contribui significativamente para o estresse, a ansiedade, a desolação e o isolamento. Pressupostos humanistas, muitas vezes inconscientemente associados ao elitismo, deram origem à ideia de que as profissões básicas do mercado — dos trabalhadores de colarinho azul ou de atividades que não exigem um diploma de pós-graduação — são “inferiores”, o que contribui para um olhar arrogante da sociedade e para uma grave insatisfação do trabalhador. Essa dinâmica de causa e efeito é um círculo vicioso que prejudica a realização e o florescimento [do ser humano].
O movimento fé e trabalho promete ser um antídoto para esse ciclo de feedback negativo. Uma visão elevada do trabalho nega a necessidade de a pessoa sucumbir ao pensamento de que o trabalho é um “beco sem saída”, e certamente evita a tentação de abandonar de uma vez por todas o mercado de trabalho (onde os graus de desespero são dos mais intensificados).
Mas eu argumentaria que, no próprio mandato da criação (Gênesis 1—2), encontramos significado para nossos esforços terrenos, o que oferece um remédio para essa crise de desespero. Não só podemos evitar a noção terrivelmente contraproducente de que o trabalho está causando esses problemas, como também podemos acatar a solução que o trabalho pode nos oferecer para solucioná-los.
A sociedade ocidental parece sugerir que, no mercado, altos estratos sociais e valor econômico são significativos; no entanto, rende-se à ideia de que outras formas de trabalho não podem proporcionar significado e realização ao ser humano. Mas será que o movimento fé e trabalho está preparado para fazer algo melhor do que isso? Será que algumas décadas dizendo “seu trabalho é importante para Deus” realmente nos prepararam para o que temos nas mãos? Ou será que “seu trabalho é importante para Deus” é um lema que só vale para o mesmo grupo demográfico ao qual a cultura secular se refere — isto é, aos membros da elite, bem remunerados, altamente instruídos e de colarinho branco, que compõem a força de trabalho e ganham elogios significativos da cultura em suas profissões?
Talvez eu não seja o candidato perfeito para afirmar que nosso trabalho é importante para Deus não só quando é acompanhado de riqueza e prestígio, mas universalmente. Reconheço abertamente que sou um trabalhador de colarinho branco que alcançou sucesso financeiro em um campo notoriamente reconhecido pela cultura (em Wall Street). O garçom frustrado ou o motorista de ônibus exausto podem não estar interessados em ouvir, da boca de uma elite rica e engravatada, que seu trabalho é importante. E, no entanto, o valor universal de todo tipo de trabalho é o ponto crucial para uma compreensão devidamente estruturada de trabalho, de vocação, de criação e dos compromissos teológicos que envolvem esse assunto.
Um apelo do século 21 para integrarmos fé e trabalho, assim como qualquer outro apelo à importância de todo trabalho, morre, quando não está conectado a uma compreensão criacional da pessoa, do propósito e dos planos do ser humano.
A mensagem de que nosso trabalho é importante para Deus é precisa, mas a implicação de que isso é verdade na medida em que levar ao sucesso nos quatro cantos de um escritório é excludente, arrogante e, o pior de tudo, teologicamente falha, ainda que bem-intencionada. O mundo e, com bastante frequência, a própria igreja se esforçam tanto para dar propósito à força de trabalho, pelo simples fato de que o próprio fundamento da mensagem de que nosso trabalho é importante para Deus é falho ou incompleto.
Nosso fundamento para o trabalho e a vocação sempre se refere à pessoa humana. Deus se importa com o trabalho porque se importa com o trabalhador e, em uma antropologia distintamente cristã, não estamos lidando meramente com produtores e consumidores ou com economia unitária [ou seja, com a relação custo-receita por unidade], mas sim com seres humanos criados por Deus com propósito e dignidade.
Embora certas formas de trabalho exijam mais expertise ou instrução do que outras, todo tipo de trabalho é feito por um ser humano criado à imagem de Deus e é feito em benefício de outros seres humanos criados à imagem de Deus. A realidade econômica de que as pessoas só pagarão por um trabalho que agregue valor é fundamental. Nosso trabalho desempenha algum papel na produção de bens ou serviços que atendem a necessidades humanas. Em um nível econômico básico, isso tanto era verdade quando eu varria o chão do cinema do meu bairro, aos 16 anos, quanto é agora, quando gerencio carteiras de investimentos, aos 50 anos.
A mensagem de Gênesis 1 é que o sujeito que faz o trabalho (o trabalhador) é importante para Deus. Pode haver uma grande variação no valor do objeto do trabalho, do ponto de vista sociológico, cultural e comercial. O que não muda é o valor subjetivo do trabalho, incutido em uma criação que deu domínio e dignidade ao sujeito. Deus, em seu amor e sabedoria infinitos, como alguém que não faz acepção de pessoas, deu a toda a criação humana a bênção do trabalho — a bênção de um processo criativo, produtivo e inovador de serviços e atividades.
Ao longo da história, tanto a tecnologia quanto o capital modificaram as ramificações objetivas desse fato, alterando os meios e as circunstâncias por intermédio dos quais os bens e serviços são produzidos. Mas ambos jamais alteraram a realidade subjetiva de Gênesis 1, o fato de que o mandato da criação é universal e está indissociavelmente ligado à pessoa humana como protagonista da atividade econômica.
E, se a pessoa humana é o protagonista, o trabalho é o verbo da economia [e não o sujeito]. Nessa estrutura, nós nos divorciamos da inveja de classes, da luta de classes e de um sistema de castas em prol do movimento fé e trabalho. As forças do mercado atribuem valores diferentes a determinadas habilidades e funções, porém, não podem alterar a realidade criacional que está em jogo nessa discussão. Os diferentes níveis de remuneração e de status não vão desaparecer, nem deveriam, quando pensamos nas dimensões objetivas do trabalho e da vocação.
O fato de que uma força de trabalho diversificada sempre terá variações na precificação de mercado para diferentes habilidades, serviços e empreendimentos aumenta a aposta para aqueles de nós que pedem a integração entre fé e trabalho.
A mensagem kuyperiana do senhorio de Cristo é endossada na cozinha do restaurante e na sala da diretoria executiva, quando ela parte de verdades criacionais sobre a antropologia. A tolice da mensagem do mundo é que o trabalho é importante na medida em que constrói status, o que leva a uma grande fatia de pessoas insatisfeitas na população, pelo fato de esse status ser algo tão difícil de se alcançar. A mensagem para o movimento fé e trabalho do século 21 deve ser que o trabalho é importante porque o trabalhador é importante.
David L. Bahnsen é o fundador, sócio-gerente e diretor de investimentos do The Bahnsen Group e autor de Full-Time: Work and the Meaning of Life (2024).