Há dez anos, publiquei meu primeiro livro. Como muitos de meus colegas, meu trabalho se baseia em experiências pessoais e usa elementos de minhas memórias. Afinal de contas, tornei-me escritora no auge dos blogs confessionais, quando Glennon Doyle e Jen Hatmaker escreviam da mesa de suas cozinhas sobre as lutas da vida doméstica e da feminilidade. O primeiro blog que li descrevia a dor do parto em todos os seus detalhes sangrentos.
Mas essa abertura para falar sobre assuntos pessoais não é nada, se comparada ao tipo de exposição pessoal que as plataformas atuais exigem.
À medida que os blogs deram lugar às mídias sociais, o conteúdo tornou-se mais performático [no sentido de algo encenado em um palco] e, ironicamente, mais íntimo. Em vez de escrever da mesa da cozinha, os influenciadores fazem transmissões ao vivo de suas cozinhas, de seus banheiros e quartos. Nada fica fora dos limites da Internet. O público é convidado a acompanhar o arco dramático de relacionamentos pessoais, experiências sexuais e de dúvidas religiosas. Juntos, comemoramos datas especiais da vida de crianças que sequer conhecemos.
No setor editorial, a pressão para expor a vida pessoal está enraizada na necessidade de o autor impulsionar as vendas de seus livros por meio da presença on-line e de plataformas — algo que tem sido considerado uma “marca pessoal”. A escritora Jen Pollock Michel, em cuja carreira me espelho, confessou recentemente que está pensando em se afastar, não da escrita, mas da publicação de livros, porque “há cada vez menos maneiras de divulgar um livro que não pareçam autopromoção”.
Tudo isso contribui para uma cultura editorial profundamente destituída de modéstia, na qual a exposição pessoal é considerada uma virtude.
Considerar a autopromoção de um autor como um problema de [falta de] modéstia pode lhe parecer descabido. É um jeito de atrair a atenção, com certeza, e talvez até mesmo um pouco cringe [vergonhoso], como dizem as crianças, mas será que é mesmo uma falta de modéstia? Parte do motivo pelo qual penso nisso em termos de modéstia é porque, para conquistar seguidores nesse espaço virtual ruidoso e superlotado, é preciso chamar a atenção dos leitores. E expor a si mesmo com certeza é uma fórmula garantida para alcançar esse resultado.
Esse cenário também é desafiador, pois muitas vezes entendemos mal o conceito de modéstia, especialmente em espaços moldados pela cultura da pureza. Na melhor das hipóteses, é uma espécie de autodepreciação humilde (da qual as mídias sociais poderiam fazer mais uso); na pior, é uma forma de envergonhar o corpo das mulheres. Mas quando definimos modéstia ou pudor nesses termos, deixamos escapar as maneiras pelas quais esse conceito poderia nos ajudar a impor e a manter limites saudáveis no universo on-line. Afinal, a questão central da modéstia não é o que está sendo escondido, mas sim de quem está sendo escondido.
Dessa forma, a modéstia está profundamente relacionada à intimidade, a qual, segundo sugere Luke Bretherton, especialista em ética cristã e professor da Duke Divinity, é o alicerce básico na construção da comunidade humana. Em A Primer in Christian Ethics [Cartilha sobre ética cristã], ele apresenta a intimidade como a capacidade de se aproximar do outro com vulnerabilidade e confiança. Embora a intimidade inclua o sexo, ela é mais do que isso. É o meio pelo qual nos abrimos para a possibilidade de nos ligarmos a outros e buscarmos a dependência mútua necessária para prosperar.
Mas isso também torna a intimidade algo arriscado — pois, da mesma forma que a intimidade nos permite criar laços, ela também nos abre à exploração. Quando nos expomos, confiamos que os outros não se aproveitarão de nós e honrarão o caráter sagrado daquilo que compartilhamos. Quando os outros baixam a guarda e se revelam para nós, não devemos abusar de sua confiança. Devemos ter fé uns nos outros.
Em termos ideais, as normas tácitas e os pactos comunitários protegem essa vulnerabilidade, mas esse ideal não é o que acontece na realidade. As normas tácitas não são mais sequer normas. O cumprimento dos pactos não é exigido e, ao mesmo tempo, as comunidades fazem vista grossa para abusos. A leste do Éden, precisamos avaliar quem é confiável e quem não é. Precisamos perceber com quem podemos nos tornar vulneráveis. A quem podemos voltar nosso lado mais frágil? Quem honrará o sagrado em nós?
A relação entre intimidade, vulnerabilidade e confiança está no coração da modéstia, e é por isso que é tão necessária para o engajamento on-line. A modéstia — seja ela física, emocional ou espiritual — reconhece o risco inerente da nudez em um mundo voltado para a profanação, e nos cobre, assim como Deus cobriu o homem e a mulher no jardim (Gênesis 3.21). Ainda temos a opção de nos revelar, mas a revelação depende, em parte, do contexto e do relacionamento.
Esse princípio explica por que a paixão sexual de Cantares é modesta e também por que o livro é escrito em forma de poesia — por que ele é velado. A vulnerabilidade dos amantes é sagrada por causa de seu caráter indefeso, por causa de sua liberdade. Como tal, ela deve ser honrada e protegida pela comunidade ao seu redor. Isso inclui protegê-la de voyeurs[indivíduos que sentem prazer sexual ao ver coisas que lhes provocam estímulos sexuais].
Em compensação, alguns lugares e relacionamentos impedem a intimidade — não pelo fato de que revelar-se seja inerentemente errado, mas por não se poder confiar que certos espaços ou pessoas vão nos honrar. Estes abusarão da sacralidade de nossa revelação ou a desprezarão. Certos espaços, como as mídias sociais, são inerentemente precários. A ansiedade e a incerteza que neles sentimos não têm a ver tanto com a ideia de nos abrirmos, mas sim com nossa percepção instintiva de que estamos profundamente inseguros quando fazemos isso.
A modéstia também é o motivo pelo qual os leitores nunca terão acesso a todos os detalhes da minha vida ou do meu processo — o motivo pelo qual me recuso a expor certas partes de mim on-line ou por escrito. Uma das primeiras resenhas do meu primeiro livro sugeriu que eu não estava contando tudo para o leitor. A crítica se resumia ao seguinte: certas percepções em meu texto sugeriam um certo grau de experiência de vida e até mesmo de sofrimento. Então, o crítico se perguntou: de onde vieram essas percepções? O que eu não estava compartilhando?
Ora, tudo. E nada.
Da mesma forma que visto meu corpo, também visto minhas palavras. O formato do meu coração ainda fica perceptível, mas mesmo que os leitores consigam traçar seus contornos, eu não vou expô-lo em carne viva. Da mesma forma que cubro as feridas em meu corpo para evitar que infeccionem, não exporei as feridas da minha alma, até que estejam curadas.
E não me desculpo por isso. Algumas coisas são sagradas demais para o consumo público, por mais que promovam a venda de livros. A dor, a tristeza e até mesmo a alegria que sentimos devem ser separadas e encaradas como algo sagrado, pois são demasiadamente vulneráveis. Às vezes, também, optamos por ocultar as partes mais belas de nós mesmos para preservá-las apenas para o olhar de quem consegue perceber seu valor.
Minha vida mudou muito em dez anos. Não estou mais correndo atrás de crianças pequenas. Não escrevo mais em blogs. Ainda moro no mesmo lugar, mas as pessoas que moram lá mudaram. Não cuido com tanta frequência do jardim, e minha casa está mais silenciosa do que nunca. Faço parte de uma igreja local, mas não estou na liderança. Voltei a estudar. Provavelmente preciso atualizar minha biografia.
Algumas dessas mudanças eu compartilhei com meus leitores, e outras — especialmente as que envolveram perda e luto — guardei para mim, optando por honrar seu caráter sagrado. Quando necessário, afastei-me das mídias sociais por longos períodos de isolamento, enquanto partes de mim se refaziam em privado.
Sempre me perguntei o que devemos uns aos outros nesta era sem limites. Sem os limites do espaço, do tempo e do relacionamento presencial, como posso saber a quem pertenço? Como sei em quem posso confiar? Às vezes, eu me revelei com inocência e apenas para ver minha sinceridade ser recebida com agressão. Mas, em vez de me proteger endurecendo o coração, estou escolhendo a modéstia. Estou optando por proteger ativamente as partes mais vulneráveis de mim mesma, para que permaneçam sensíveis, para que eu possa continuar sendo eu mesma.
O fato de nos expormos constantemente no universo on-line nos dessensibiliza, e torna difícil honrar a sacralidade de nossas vidas. A modéstia pode estar nadando contra a corrente da sabedoria predominante, mas acredito que ela atua para o bem da minha alma. Parafraseando Marcos 8.36-38, eu me pego perguntando: O que dará uma mulher em troca de sua alma? Se ela ganhar o mundo inteiro, vender todos os seus livros, ganhar todos os prêmios e aparecer no New York Times, que proveito isso lhe traria?
Nossas histórias e nossas almas são sagradas demais para serem vendidas pelo maior lance. Elas guardam em si sabedoria, sim, mas guardam também pessoas e realidades sagradas demais para serem mencionadas em lugares banais. Na medida em que pudermos compartilhar o que aprendemos com o mundo, devemos fazê-lo, mas todo o resto são meros detalhes — detalhes cuja revelação não mudaria a vida do leitor, mas definitivamente mudaria a minha.
Hannah Anderson é autora de Made for More [Feita para algo mais], All That's Good [Tudo o que é bom] e Humble Roots: How Humility Grounds and Nourishes Your Soul [Raízes humildes: como a humildade alicerça e alimenta a sua alma].