Perdemos três homens para o suicídio em dois anos

Como pastor, aprendi que a igreja pode desempenhar um papel vital de ajuda a membros com problemas de saúde mental.

Christianity Today October 19, 2023
Illustration by Mallory Rentsch / Source Images: Unsplash / Pexels

Certa manhã, no último mês de janeiro, recebi um telefonema angustiado de uma mulher de nossa congregação.

Ela e o marido eram membros de longa data, aparentemente casados e felizes há mais de 40 anos. Seu marido era um empresário de sucesso e ela era uma líder alegre e capacitada, que supervisionava várias iniciativas diferentes em nossa igreja. Ambos eram pessoas encantadoras e em muitos aspectos suas vidas me pareciam idílicas.

Naquela manhã, porém, ela estava muito angustiada — havia recebido uma mensagem sinistra do marido, que sugeria que ele estava prestes a tirar a própria vida.

Entramos em pânico, fizemos algumas ligações e tudo o que podíamos para encontrá-lo. Mas era tarde demais. Naquela manhã, depois de dar um beijo de despedida na esposa e dizer-lhe que a veria depois que ela voltasse do estudo bíblico, ele dirigiu até um lugar deserto, à beira do rio, e tirou a própria vida.

A família deles ficou destruída. Nossa comunidade ficou completamente abalada. Ele não tinha histórico conhecido de depressão ou de doença mental, e não havia mencionado nada a ninguém sobre alguma luta pessoal. Até hoje não sabemos por que ele fez essa escolha terrível.

Mas ele não é o único. Em quase vinte anos de ministério pastoral, enterrei três homens que morreram por suicídio — e todos os três ocorreram nos últimos 24 meses.

Você poderia dizer que é coincidência, mas os dados sugerem o contrário. Os Centros de Doenças, Controle e Prevenção relatam que as taxas de suicídio aumentaram aproximadamente 36% entre 2000 e 2021 nos Estados Unidos. O suicídio foi responsável por cerca de 49.500 mortes no ano passado — o maior número já registrado.

Na verdade, no ano passado, o suicídio foi a segunda principal causa de morte entre pessoas com idades entre 25 e 44 anos. O número de pessoas que pensam em se suicidar ou tentam é ainda maior. Em 2021, cerca de 12,3 milhões de adultos americanos pensaram seriamente em suicídio, 3,5 milhões planejaram uma tentativa de suicídio e 1,7 milhões de fato tentaram. A taxa de suicídio é mais alta entre homens brancos de meia-idade.

Claramente há algo, no momento cultural atual, que está tornando o suicídio muito mais predominante. Embora eu não compreenda todas as razões para isso, sei que, nos últimos anos, tenho visto pessoalmente mais problemas de saúde mental do que nunca antes entre as pessoas da nossa congregação.

Ansiedade, depressão e vício. Casamentos sob tensão e desmoronando. Distanciamento familiar e conflito nos relacionamentos. E, claro, incidentes de ideação suicida e o próprio ato de suicídio. Ao conversar com outros pastores, percebi que minha congregação não é uma anomalia, mas simplesmente reflete as tendências mais amplas que atingem todo o cenário das igrejas nos EUA.

Tudo isto me levou a refletir sobre o meu papel como pastor e a responsabilidade da igreja local em ajudar a tratar dos problemas de saúde mental em nossas congregações. Mas esta não é para mim apenas uma questão de interesse profissional — é também pessoal.

Desde o início da adolescência, a depressão e a ansiedade têm sido companheiras quase constantes em minha vida. Nos meus piores momentos, os pensamentos suicidas foram opressivos e inevitáveis. Minha avó suicidou-se, de modo que reconheci que parte dessa escuridão interior dela provavelmente estava em mim. No entanto, em minha visão espiritual de mundo, eu achava que se acreditasse profundamente em Deus e em suas promessas, poderia ser feliz e me sentir inteiro — e admitir a qualquer pessoa da minha comunidade cristã que eu estava lutando contra pensamentos tão sombrios me parecia fora de questão.

Essa abordagem me ajudou durante o ensino médio, a faculdade e no início da idade adulta, embora com alguns vales sombrios ao longo do caminho. Mas, em 2010, como um plantador de igrejas inexperiente, com vários filhos pequenos e uma vida familiar agitada, cheguei a um vale tão profundo que não conseguia rastejar para fora dele.

Por desespero, e com o incentivo de minha esposa que é muito resiliente, comecei a me tratar com um terapeuta que me ajudou a desembaraçar os fios emaranhados da minha mente. E aprendi que meu cérebro, assim como meu corpo, precisava de apoio e de intervenção cuidadosa. Fui encaminhado a um psiquiatra, que me diagnosticou com depressão clínica e prescreveu um ISRS [inibidor seletivo da recaptação de serotonina, um medicamento antidepressivo] para ajudar a regular minhas emoções mais opressivas, aumentando os níveis de serotonina no cérebro.

Inicialmente, isso me pareceu uma derrota — senti vergonha de que minha fé e meus hábitos espirituais não fossem fortes o suficiente para me conceder uma atitude esperançosa que fosse digna de um crente. Encontrei um terapeuta em outra cidade, para evitar de encontrar alguém que me conhecesse. Escondi meus remédios em uma gaveta do banheiro, para que ninguém os visse quando me visitasse. Afinal, eu era um pastor — o mais ostensivamente “maduro do ponto de vista espiritual” entre todos —, portanto, eu não podia permitir que outros pensassem que seu líder espiritual precisava de alguma ajuda que fosse além do simples evangelho.

No entanto, pouco a pouco fui me cansando de fingir. Em parte, isso ocorreu porque meu próprio pensamento sobre o evangelho e a saúde mental começou a mudar. Mas também comecei a testemunhar cada vez mais os danos causados por uma cultura nas igrejas que não reconhece as lutas com a saúde mental como uma batalha comum para muitos cristãos. Vi os danos causados pela falta de disposição em enfrentar estes desafios com o arsenal completo do potencial de cura do nosso Deus, através do corpo de Cristo.

Embora tenha havido uma grande mudança, na última década, em relação à estigmatização da doença mental, muitos cristãos evangélicos de hoje ainda pensam que a saúde mental reflete diretamente a força da fé pessoal. A lógica é que se você está ansioso, deprimido ou tem pensamentos suicidas, não deve estar confiando o suficiente em Deus — e se você procura psicoterapia ou tratamento médico, não deve estar confiando totalmente em Deus para a cura.

Quando o ambiente faz os crentes que lutam desta forma sentirem vergonha, isso pode levar a um sofrimento desnecessário e, nos piores casos, à morte. Então, como podemos cultivar congregações nas quais seja não apenas seguro, mas profícuo, falar sobre os nossos desafios de saúde mental — até mesmo os mais terríveis? Existe alguma forma de a congregação local se tornar não só uma comunidade de apoio, no caso de lutas com saúde mental, mas também uma comunidade de prevenção?

Primeiro, precisamos de uma teologia da pessoa humana que seja melhor. No âmbito do evangelicalismo americano, ainda existe um conflito perceptível entre ciência e espiritualidade, entre corpo e espírito. Esta abordagem defeituosa, que se chama “dualismo”, cortou, na mente de muitos cristãos, a ligação vital entre a nossa saúde espiritual e a nossa existência física e corpórea.

Mas a visão cristã do ser humano desafia o dualismo material e espiritual. Na história bíblica, a pessoa humana não é um produto de forças evolucionistas materialistas, nem é uma alma que foi colocada dentro de um invólucro corpóreo. Em vez disso, como seres humanos feitos à imagem de Deus, fomos criados para sermos um todo.

Como uma bela tapeçaria, nosso corpo, mente e espírito estão entrelaçados em uma personalidade totalmente integrada. E, como tal, o nosso cuidado com os seres humanos deve envolver a pessoa como um todo — atentando não apenas para as dimensões espirituais da vida de uma pessoa, mas também para a forma como os nossos corpos e cérebros muitas vezes carregam legados obscuros de pecado e de traumas das nossas histórias pessoais e familiares.

Dificilmente há história melhor para ilustrar isso do que a de Lucas 8, na qual Jesus encontra o homem que vivia nos sepulcros e estava possuído por demônios, e que se autodenominava “Legião”.

O mal arruinou a tapeçaria da vida deste homem. Ele andava nu, vivia isolado, afastado da família e da comunidade, era incapaz de trabalhar ou de contribuir significativamente para a sociedade, estava fisicamente desfigurado e preso a comportamentos autodestrutivos. Ele era um ser humano desintegrado, cuja personalidade havia se desintegrado do ponto de vista físico, espiritual, mental, psicológico e social. A bela tapeçaria dessa integralidade que a vida dele deveria ter parecia ser nada mais do que um amontoado de fios emaranhados.

Mas depois do seu encontro com Jesus, o homem mudou completamente. Jesus produz uma transformação total, entrelaçando novamente os fios da vida daquele homem. Sim, foi uma transformação espiritual — mas foi muito mais do que isso. Jesus o vestiu, fez com que ele recobrasse o juízo e o enviou de volta à sua comunidade. Jesus restaurou esse homem de todas as maneiras: física, psicológica e socialmente. Jesus devolveu toda a vida a este homem que estava completamente quebrado. Jesus fez dele um ser humano íntegro novamente.

Assim, uma visão cristã que apoie as pessoas no que diz respeito à sua saúde mental reflete esta visão do que significa ser humano. Servimos pessoas para que alcancem sua inteireza — ajudando-as a integrar corpo, mente e espírito — e para isso usamos todas as ferramentas que Deus forneceu em sua ordem criada.

No entanto, precisamos de muito mais do que uma boa teologia. Para que a cura aconteça, precisamos de relações em que haja confiança e vulnerabilidade. A obra de florescimento humano deve ser realizada no contexto de uma comunidade — na qual as pessoas sejam capazes de identificar com segurança seus pontos de mais profunda desintegração. Se uma pessoa que sofre puder ser comparada a uma planta que enfrenta dificuldades [para sobreviver], a igreja pode fornecer o “bom solo” para que essa pessoa floresça.

Mas para que isso aconteça, a igreja não pode ser apenas um evento dominical com boa pregação, adoração e programação. Ela deve esforçar-se para se tornar uma comunidade vulnerável — uma comunidade na qual, nas palavras de Dietrich Bonhoeffer, as pessoas não sejam “pecadoras hipotéticas”, mas sim pessoas que lutam verdadeiramente e que podem identificar em voz alta os seus tropeços ao longo de suas jornadas.

Para a pessoa que luta com questões como depressão profunda, ansiedade ou pensamentos suicidas, ter uma comunidade na qual as dificuldades de saúde mental sejam abertamente identificadas e discutidas pode salvar vidas. Nos últimos seis meses, a nossa própria igreja tem procurado facilitar conversas desse tipo, organizando aulas e fóruns nos quais tanto profissionais da área quanto pessoas que lutam com esses problemas diariamente possam compartilhar suas histórias.

À medida que eu e outros em nossa congregação fomos arriscando nos abrir mais sobre as nossas lutas interiores, isso concedeu às pessoas permissão para começarem a falar de lutas semelhantes em suas próprias vidas. A nossa vulnerabilidade convida aqueles que nos rodeiam a saírem do esconderijo — a saírem lentamente da escuridão e a perguntarem aos outros onde podem encontrar luz.

Em seu poema, “Bem-aventurados os que carregam a luz”, Jan Richardson fala em levar luz para aqueles que se encontram nas trevas — em dar testemunho da resistência da luz em meio ao insuportável e de sua persistência em meio às sombras e à dor.

Especialmente nas igrejas de pessoas negras, há uma longa e sólida tradição de testemunho público — em que irmãos e irmãs compartilham publicamente histórias do resgate e da libertação de Deus em face de circunstâncias aparentemente intransponíveis. Tais histórias convidam outros a compartilharem honestamente sobre as suas próprias necessidades e obstáculos, e a buscarem formas pelas quais Deus possa trazer provisão.

Ao nos abrirmos sobre nossas lutas na área de saúde mental e ao testemunharmos sobre como Deus nos resgatou e nos libertou — seja por meio de oração, exercícios, terapia, programas de recuperação, amizades, medicamentos ou de todas essas formas citadas — não apenas criamos espaço para as pessoas compartilharem suas lutas, mas também cultivamos comunidades em que a esperança é oferecida a todos, mesmo àqueles que se encontram nos lugares mais sombrios. Como escreveu Henri Nouwen: “A comunidade cristã é o lugar onde mantemos viva a chama da esperança entre nós e a levamos a sério, para que essa chama possa crescer e se fortalecer em nós”.

Naquele terrível período de crise da minha vida, nunca me esquecerei de como um amigo me alcançou com uma mensagem. Ele citou palavras da música “The Cave”, de Mumford & Sons: “Mas vou me agarrar à esperança / E não vou deixar você sufocar / Com esse laço em volta do seu pescoço”. E com isso, ele disse: “Estou aqui e você precisa estar aqui também. Seu cérebro está lhe dizendo o contrário, mas não é este o caminho. Embora você não seja capaz de ver isso no momento, Deus está com você, Deus é por você e há esperança. Vamos fazer isso juntos.”

Eu gostaria de ter tido a oportunidade de dizer essas palavras a cada um daqueles homens que nossa igreja enterrou nos últimos dois anos. Mas, por enquanto, nós os confiamos às mãos bondosas do Senhor Jesus ressuscitado, que os carrega para o amanhecer que nunca desvanece. E para nós, que lutamos aqui, vamos criar comunidades nas quais a escuridão que enfrentamos possa ser identificada — onde as nossas lutas sejam enfrentadas em conjunto, lado a lado, e os muitos caminhos em direção à integralidade sejam semeados com sementes de esperança.

Corey Widmer é pastor principal da Third Church em Richmond, Virgínia; ele já trabalhou com plantação de igrejas e tem um doutorado em teologia.

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