Este artigo foi adaptado da newsletter de Russell Moore. Inscreva-se aqui.
Certa vez, quando eu estava pregando em uma igreja mais inclinada para uma liturgia cristã “decente e ordenada”, meu anfitrião me avisou que havia uma mulher na igreja que era muito mais expansiva do que o restante da congregação. “Há certas músicas que cantamos que a fazem começar a chorar e acenar com as mãos”, disse ele. “E está tudo bem. Só queremos ter certeza de que não passaremos a adotar um tipo de adoração movida pela emoção”.
Sei o que ele quis dizer. Eu me pergunto, porém, se o “emocionalismo” daquela mulher não pode estar mais próximo da aplicação bíblica do que a lista de tarefas a fazer, dada no final do estudo bíblico que ela tinha acabado de frequentar.
Quer isso signifique começar uma nova igreja ou um grupo de estudo bíblico ou inscrever-se em uma academia ou em uma aula de ioga, a maioria das pessoas em algum momento sente a necessidade de uma mudança de vida. A maioria dos que estão no ministério deseja ver “vidas mudadas” ou pessoas “transformadas”. A questão é: como as pessoas realmente mudam?
Essa pergunta tem me acompanhado desde que li um artigo de Simeon Zahl, na revista The Mockingbird, que falava sobre as “teorias de mudança” em ação na vida da igreja americana. Zahl descreve várias dessas teorias. A maioria delas começa com um pressuposto sobre onde está o problema de fato, antes de propor uma maneira de “consertá-lo".
A teoria que Zahl vê como a mais comum nas congregações evangélicas é a que trata de uma abordagem voltada para a “informação cristã”. Alguns questionariam o quanto é difundido esse modelo, dadas as constantes (e reais) preocupações sobre o anti-intelectualismo e o “escândalo da mente evangélica” no cristianismo americano.
Certamente, uma teoria da mudança cuja abordagem é voltada para a informação cristã poderia incluir palestras altamente intelectuais e abstratas sobre teologia ou filosofia. Porém, com mais frequência, essa abordagem é altamente prática. Por ver a falta de conhecimento como a raiz do problema, procura argumentar por meio de uma passagem bíblica ou de uma visão de mundo específica, seguida por um tempo de “aplicação” que sugere maneiras pelas quais os ouvintes podem colocar os novos princípios em prática em suas vidas.
Zahl contrasta essa teoria com um modelo de “participação sacramental”. Neste modelo, o principal fato que impulsiona a mudança não é a informação embutida no sermão, mas sim as práticas embutidas na Ceia do Senhor ou no batismo. Um terceiro modelo envolve direcionar uma atmosfera de adoração para uma experiência emocional altamente catártica, por meio da qual a pessoa sai transformada.
Em contraste, Zahl defende o que chama de “teoria da mudança agostiniana”. Esta teoria parte do pressuposto de que “os seres humanos são movidos não pelo conhecimento nem pela vontade, mas sim pelo desejo. Somos criaturas do coração, criaturas do amor”. Ele ainda argumenta que o coração humano é altamente resistente à mudança, muitas vezes bloqueando tentativas diretas de modificá-lo.
Para provar seu ponto de vista, Zahl nos pede para relembrarmos uma ocasião em que tentamos mudar a opinião de alguém sobre política por meio de argumentos racionais ou — pior ainda — quando tentamos convencer uma pessoa a parar de correr atrás de alguém por quem se apaixonou.
Bem no início do meu ministério, fui pego de surpresa por um homem que era capaz de recitar de memória todas as passagens bíblicas relevantes sobre os perigos do adultério e a importância da fidelidade conjugal, mas que se sentou em meu escritório — acompanhado da esposa e de seu bebê recém-nascido — e colocou todo esse ensinamento de lado, enquanto me dizia que estava deixando seu casamento por outra pessoa. “Eu me apaixonei”, disse ele, com um encolher de ombros que parecia implicar: O que mais resta a dizer?
É por isso que, segundo argumenta Zahl, “extrair conselhos práticos para a vida cristã” não é algo que superará a resistência do ser humano caído ao julgamento e à lei. É também por isso, afirma ele, que os pentecostais — quaisquer que sejam as deficiências que possam ter — tendem a ser mais eficazes em ver vidas transformadas. “A intransigência do coração humano é o problema fundamental do ministério cristão”, escreve ele. “O Espírito de Deus transita em meio a emoções e desejos.”
Embora eu provavelmente não concorde com todos os pormenores dessa estrutura luterana de lei/evangelho concebida por Zahl, acredito que ele esteja plenamente certo quanto ao fato de que a mudança transformadora verdadeira acontece em um nível muito mais profundo do que o do intelecto ou da força de vontade. É por isso que muitas das críticas aos cultos de adoração “excessivamente emocionais” podem estar equivocadas.
Alguns dos que têm uma inclinação mais cínica podem chegar à conclusão de que olhos marejados de lágrimas e mãos levantadas no meio de uma multidão de adoradores cantando não passam de baboseira emocional — o que os sociólogos podem chamar de “efervescência coletiva”, algo semelhante a cantar “Sweet Caroline” em um jogo do Red Sox ou a uma multidão dançando em uma boate. Mas e se Deus de fato nos concebeu para nos conectarmos uns aos outros — e aos recantos mais profundos do nosso próprio coração — justamente dessa maneira?
O argumento mais amplo de Zahl abrange a ideia de que as práticas espirituais, a leitura da Bíblia, os sermões bíblicos, o serviço cristão, os sacramentos e assim por diante estão de fato moldando as pessoas — inclusive no nível do desejo e da emoção. Mas ele diz que “só podemos fazer tudo isso quando nossos corações já tiverem mudado o suficiente para desejarmos nos engajar na prática”.
“’Ninguém desenvolverá uma prática de oração que seja nova, transformadora e duradoura, a menos que fundamentalmente queira, e queira o suficiente para superar os inevitáveis obstáculos da vida‘, escreve ele. ‘Como Jesus nos disse, você deve primeiro mudar a árvore e, então, o fruto certo virá (Mateus 12.33-35). Concentre-se no coração e as práticas virão em seguida; concentre-se somente nas práticas e voltará a bater de frente com uma parede de tijolos.’"
Em vez de dicas práticas, axiomas doutrinários ou silogismos, Zahl recomenda que abracemos as “tecnologias do coração” que falam a “estranha e eletrizante linguagem” da psique. Ele nos pede para considerar o quanto as histórias, a arte e a música são mais poderosas do que somente ideias. A Bíblia tem tudo isso e muito mais — histórias, salmos, poemas, parábolas, argumentos, raciocínios e exclamações de admiração.
C. S. Lewis escreveu que concebeu Nárnia para que “passasse furtivamente por aqueles dragões vigilantes” que colocamos na porta de nosso coração. Tentamos nos proteger entorpecendo nosso coração para a familiaridade da história cristã. E, no entanto, há momentos em que nossas defesas caem — e somos abalados, ao ouvir as palavras da Escritura cantadas, recitadas, ensinadas ou apenas lidas com a Voz que convoca: “Venha, siga-me”.
No momento de maior cinismo da minha vida, eu me senti abalado apenas por ouvir as palavras“Jesus me ama”. Isso é algo que eu sei. E eu poderia apresentar mil argumentos fundamentados sobre por que a Bíblia me diz isso — e por que podemos confiar que a Bíblia diz a verdade.
Mas uma parte mais profunda de mim havia se esquecido disso — e não podia realmente acreditar que fosse verdade. Quando ouvi essas palavras de novo, naquele dia, essa mensagem me impactou com uma força diferente. Por um momento fiquei maravilhado com a verdade daquelas palavras. “Jesus realmente me ama.”
É somente às vezes que percebemos de verdade como Deus está nos alcançando naquele recanto mais profundo do nosso coração. Isso é algo que não podemos planejar nem inventar. Mas que também não devemos ignorar nem reprimir.
Talvez o alcoólatra em recuperação, que está sentado no banco à sua frente na igreja, chore quando canta “Maravilhosa Graça”, pois sabe o quão perdido ele já esteve um dia. Ou, talvez, cantar “Maravilhosa Graça” seja justamente o que o tenha feito mudar a ponto de querer ser encontrado.
Talvez aquela senhora cristã, cuja emoção constrange sua igreja no culto, esteja apenas buscando uma dose de dopamina emocional. Ou, talvez, o que ela esteja fazendo seja abrir mão de toda autocensura que preserva a sua imagem e a impede de clamar “Abba, Pai!”
Talvez, por baixo de tudo isso, esteja o Espírito Santo que ainda transforma vidas.
Russell Moore é o editor-chefe da Christianity Today e lidera seu Projeto de Teologia Pública.
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