A recente morte do pastor e teólogo Tim Keller despertou certa nostalgia pelos dias agitados da minha juventude, como participante do movimento Young, Restless, and Reformed (YRR) [Jovens, Inquietos e Reformados], que ele ajudou a liderar.
Como alguém que foi criada no fundamentalismo cristão, esse movimento me propiciou uma espécie de rebelião santa, onde a graça gratuita, a música contemporânea e o engajamento cultural vinham envoltos pela glória e pelo poder de Deus. Contudo, duas décadas depois, eu me vejo menos jovem, menos inquieta, menos reformada e mais velha, mais cansada e mais em processo de redirecionamento.
Não posso deixar de me perguntar como fui de um ponto a outro. Que caminho me levou das tradições da minha infância para outras e por outras tradições? Quanto do meu caminho espiritual foi escolha minha e quanto me foi dado? Minha vida espiritual foi “gerada [por Deus] ou feita [por mim mesma]”?
A ideia de que nossas jornadas de fé são maiores do que nossas escolhas desafia a própria espiritualidade que a maioria de nós considera natural. Um relacionamento pessoal de compromisso com Deus é algo característico da maioria das expressões modernas do cristianismo. Meu filho de 17 anos, por exemplo, considera um abominação que crianças sejam batizadas contra sua vontade. Ele não está fazendo uma afirmação teológica, mas muito mais uma afirmação antropológica, informada pela cultura americana mais ampla, que pressupõe essa noção da autoconcepção do indivíduo por meio da escolha.
Sendo justa com ele, a maioria das tradições das igrejas que dão pouca ênfase aos rituais — incluindo a igreja em que fui criada — mantém esse mesmo pressuposto individualista. O compromisso com a conversão pessoal e a afiliação voluntária como membro também pode explicar por que as igrejas não denominacionais representam hoje o maior segmento de protestantes nos Estados Unidos.
Essas igrejas são profunda e irrestritamente modernas, não por causa dos tênis e das máquinas de gelo seco que usam, mas porque se alinham com nossa compreensão contemporânea de escolha. Sem um progenitor denominacional, elas incorporam a autodeterminação e a autoconcepção em nível organizacional.
No entanto, os cristãos modernos não necessariamente rejeitam as tradições mais antigas. Quando um amigo meu confessou recentemente que estava considerando o anglicanismo, outro cogitou em voz alta: “Não é isso que significa ser evangélico hoje em dia?” Essas tradições preenchem um vazio da vida moderna, pois propiciam um sentimento de pertencer a algo maior do que nós mesmos.
Como escreveu o padre católico Henri Nouwen, em The Wounded Healer [O curador ferido], os seres humanos modernos são uma “geração sem pais”, sem raízes e sem limites. Para muitos deles, portanto, retomar práticas mais antigas é uma forma de encontrar um lar. Isso tem sido verdade para mim. A descoberta das doutrinas reformadas do século 16 ajudou a me dar algumas raízes teológicas. Mas, ironicamente, revisitar espaços pré-modernos é algo que se dá pelos meios tremendamente modernos da escolha pessoal.
Mesmo quando nós, líderes cristãos, condenamos essa maneira de buscar a igreja certa como algo consumista, continuamos a ensinar as pessoas a praticá-la. Ensinamos a elas que a riqueza e a dimensão real de suas vidas espirituais correspondem às suas escolhas. E, ao fazer isso, não fazemos nada mais do que garantir que suas caminhadas cristãs se tornem uma busca sem fim pela próxima coisa verdadeira. Tendo começado pela escolha, as pessoas são aperfeiçoadas pela escolha.
Em uma ironia ainda mais estranha, as igrejas com as quais escolhemos nos associar podem se tornar uma forma de projetar nossa identidade para o mundo. Nossas próprias biografias religiosas são reduzidas a conjuntos lineares de decisões, que explicam nosso estado espiritual atual. Para citar Robert Frost, chegamos a uma bifurcação na estrada, e qualquer caminho que escolhermos fará toda a diferença.
Mas, à medida que reflito sobre minha jornada pessoal, duvido do papel que a escolha pessoal desempenhou nela — não por ter me faltado arbítrio, mas porque a Providência me entregou escolhas como um pacote fechado. Elas foram limitadas pelo conhecimento e pelo que era possível em um dado momento [da jornada]. (Se a pessoa não morar perto de uma igreja luterana, por exemplo, as chances de se converter ao luteranismo são drasticamente reduzidas).
Em vez de refletir sobre meu passado pelas lentes do que escolhi, estou pensando mais sobre o que me foi dado. Eu me junto a Nouwen e concebo minha fé como “a aceitação de tradições de séculos [em vez de] uma atitude que cresce a partir de dentro [de mim]”. Essa estrutura me libertou, de modo a ver minha história espiritual com um distanciamento que me permite avaliá-la com mais honestidade. Como meu caminho não é mais uma afirmação sobre minha própria pessoa, posso pesá-lo e ponderá-lo. Posso honrar o que é bom, verdadeiro e belo, e, ao mesmo tempo, rejeitar o que é mau e feio.
Esse ato de diferenciação é particularmente importante para aqueles que vêm de ambientes disfuncionais ou espiritualmente tóxicos. Enquanto documentários como Shiny Happy People e The Secrets of Hillsong listam os pecados de movimentos evangélicos doentios, também desencadeiam um acerto de contas público. A historiadora Kristin Du Mez, refletindo sobre a popularidade dessas séries e de seu próprio livro, Jesus and John Wayne , observa que “isso ajudou integrantes [desses movimentos] a entenderem seu mundo e pode lhes dar alguma clareza para seguir em frente”.
Vejo uma dinâmica semelhante em ação na recente votação da Convenção Batista do Sul (SBC) para garantir que o papel de “ pastor / presbítero / bispo seja limitado aos homens ”. Embora a posição da Convenção nunca tenha sido questionada, até mesmo os mais ferrenhos complementaristas, como Denny Burk, ficaram surpresos com a velocidade e a intensidade da mudança.
Em respostas públicas, observadores de fora da Convenção se perguntaram por que as mulheres permanecem nela. Alguns chegaram a sugerir que as mulheres complementaristas estão funcionalmente em relacionamentos abusivos e não podem sair porque estão sendo controladas. Outros chamaram as mulheres de cúmplices de sua própria opressão. Em outras palavras, as pessoas de fora perguntavam: “Por que as mulheres escolhem ficar lá?”
Do meu ponto de vista, essas respostas colocam muito peso na escolha individual. Muitas mulheres — inclusive aquelas que discordam do posicionamento da Convenção — permanecem na SBC porque é lá que foram colocadas. Elas podem ficar lá para sempre, ou não. No momento, algumas estão lutando para saber se devem deixar suas igrejas alinhadas com a SBC, enquanto outras jamais ponderarão sobre essa questão.
No entanto, o ponto não são as escolhas delas. Suas jornadas espirituais e as nossas fazem parte de uma matriz maior de forças, tradições e crenças convergentes. Temos que transitar por elas com fidelidade e honestidade, mas não faremos isso sozinhos nem estritamente de acordo com as nossas vontades pessoais. Sim, temos arbítrio sobre nossas histórias de fé; porém, ao descentralizar o papel da escolha, somos libertados de seu poder paralisante.
Em minha própria vida de fé, aceitar esse caráter dado da minha jornada espiritual no passado me permitiu fazer as pazes com seus contornos sinuosos e a avançar para o futuro com confiança. Ao abrir mão do controle sobre o meu passado, eu simultaneamente abro mão do controle sobre meu futuro. E, como não descartei o caminho que percorri até aqui, estou livre para seguir para onde quer que Deus esteja me conduzindo agora.
Todos nós podemos ter certeza de que algo maior do que nossas próprias decisões está em ação. Assim como Deus nos fez nascer em certo lugar, ele pode nos chamar para viver em outros. Nesse processo, podemos entregar a nós mesmos e a nossas escolhas para o Senhor, sabendo que ele guiará nossos dias de peregrinação na terra.
Hannah Anderson é autora de Made for More, All That ’ s Good e Humble Roots: How Humility Grounds and Nourishes Your Soul.
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