Este artigo foi adaptado da newsletter do Russell Moore. Para lê-la em inglês, inscreva-se aqui.
Nas últimas semanas, o mundo testemunhou um fenômeno que muitos supunham pertencer a eras passadas: um avivamento.
Para alguns, o avivamento de Asbury acendeu um renovado senso de esperança em relação ao futuro da igreja. Para outros, porém, os relatos de avivamento são recebidos de outra forma — um senso de cinismo embotado.
Por cinismo, não estou me referindo àqueles profissionais da mídia social, de qualquer tipo ou tribo, que são do contra — aqueles para quem quase tudo é uma ocasião para reacender velhas brigas com quem quer que eles encarem como “o inimigo”.
Em vez disso, estou me referindo àqueles de vocês que estão simplesmente desapontados e cansados. Você já viu tanta imitação, tanta coisa falsa, que fica difícil acreditar que algo tão extraordinário possa ser real.
Algumas semanas atrás, meu amigo Yuval Levin disse algo em nossa conversa no meu podcast que não consegui mais tirar da cabeça. Ele comentou que a maioria das pessoas pensa no cínico como o contrário do ingênuo — quando, na verdade, ser cínico é apenas outra maneira de ser ingênuo. Quanto mais pondero sobre esse ponto que ele levantou, mais acho que ele está certo.
O apóstolo Paulo nos disse “ponham à prova todas as coisas e fiquem com o que é bom.” (1Tessalonicenses 5.21). Existem pessoas que jogam fora esse árduo trabalho de pôr à prova todas as coisas e simplesmente ficam com tudo o que recebem — ou, ao menos, com tudo o que for pré-aprovado pela tribo, pela ideologia ou pelo movimento que essas pessoas seguem.
Essa é uma mentalidade preguiçosa que leva justamente para onde a Bíblia nos diz que levará — a convidar lobos que sabem como explorá-la. O cinismo, porém, demonstra o mesmo tipo de preguiça. Se a pessoa considerar tudo inautêntico já de início, não será preciso se dedicar ao árduo trabalho de pôr à prova os espíritos.
Para algumas pessoas, o cinismo é baseado em uma espécie de naturalismo materialista, que assume que as únicas coisas “reais” são as quantificáveis. Outros podem se apegar a determinada ideologia política que assume que as únicas coisas “reais” são aquelas que se podem mobilizar em prol dessa causa. Outros ainda podem ser cínicos devido a um fundamentalismo religioso, que evita qualquer mistério que pareça fora de sintonia com os seus silogismos.
Há outros — na verdade, para muitos — para quem o cinismo não é fruto de um espírito de luta, mas de um coração partido. Isso não é realmente cinismo da maneira como tendemos a concebê-lo, mas sim uma forma de autoproteção. Ninguém vai se machucar, supõe-se, se não esperar muita coisa. Tem a ver menos com embotamento ou cansaço e mais com entorpecimento, simplesmente.
Isso é compreensível. Algumas das pessoas mais nervosas que conheço com fatos como o avivamento de Asbury vieram de movimentos da igreja que eram, eles próprios, resquícios de algum outro avivamento, talvez o Movimento de Jesus [Jesus Movement] dos anos 1960 e 1970. Esses cristãos às vezes ficavam exauridos por uma espécie de estímulo emocional artificial — por meio do qual os líderes tentavam, de alguma forma, recriar o que haviam experimentado, quando o fogo do avivamento parecia mais próximo e mais forte.
Um amigo, oriundo de uma dessas tradições, me disse que não questionava a autenticidade do avivamento de Asbury. Na verdade, ele — assim como eu — fica animado com isso. Ainda assim, ele disse que não está preocupado com os próprios alunos ou com a direção da escola. Em vez disso, ele está preocupado com os vários parasitas que são atraídos por qualquer momento espiritual extraordinário e, em última instância, com aqueles que se farão presentes para vender coisas às pessoas ou usá-las para ganhar poder.
Se você se sentir nervoso ou cético em relação ao avivamento de Asbury, gostaria de lhe apontar para um dos lugares em que me senti mais cínico, exaurido e enojado: o rio Jordão.
Ao longo dos anos, levei grupos de alunos do seminário e outras pessoas a Israel e regiões vizinhas, para estudar a Bíblia nos lugares onde ocorreram os eventos das Escrituras. A maioria das pessoas que faziam essas viagens estava viajando para o Oriente Médio pela primeira vez.
Muitas delas comentaram sobre o quanto gostaram da Galileia em particular. Sentar-se nas campinas, perto do mar de Tiberíades, pode nos dar uma noção, a capacidade de imaginar como deve ter sido para alguém sentar-se nessa colina — talvez exatamente no mesmo lugar — enquanto ouvia Jesus ensinar. Muitos locais evocam uma reação semelhante.
Mas, então, há o Jordão.
Muitas vezes esperamos cerca de meia hora para ver o rio, porque algum pregador do evangelho da prosperidade estava lá, afundando nas águas ônibus lotados de pessoas que tinham vindo para “dedicar de novo” suas vidas a Cristo. E começamos a imaginar: quantas dessas pessoas também não deram dinheiro a esses pregadores, em troca de algum tipo de “bênção” que acreditavam poder obter?
E, evidentemente, para entrar e sair do rio Jordão é preciso passar pelas lojas de presentes. Lá é possível comprar chaveiros do rio Jordão, enfeites de Natal e “água genuína do rio Jordão”. O lugar parece tão voltado para o comércio e dessacralizado que imagino que, se Jesus chegasse lá agora, é possível que virasse as mesas dos cambistas, antes de procurar por seu primo, João Batista.
Os estudantes geralmente saem resmungando: “Aquilo não se parecia em nada com o rio Jordão”. É claro que, por definição, se parece exatamente com o rio Jordão — mas entendo o que eles querem dizer.
Mas será que a presença de marqueteiros, golpistas e parasitas no rio Jordão invalidam o que aconteceu lá? Eles de alguma forma anulam o fato de que Jesus — naquele mesmo rio — se identificou com todos nós, pecadores, nas águas do batismo? O barulho dos comerciantes vendendo suas mercadorias por acaso encobre a voz que uma vez trovejou lá do alto: “Este é o meu Filho amado, em quem me agrado” (Mateus 3.17)? De jeito nenhum.
No Evangelho de João, Jesus se livrou de líderes religiosos que tentaram prendê-lo, depois de ter dito algo que eles — corretamente — interpretaram como uma reivindicação de divindade. Para onde Jesus foi? De volta ao rio Jordão, “para o lugar onde João batizava nos primeiros dias do seu ministério” (10.40). As Escrituras nos dizem que muitos encontraram Jesus lá e disseram: “Embora João nunca tenha realizado um sinal miraculoso, tudo o que ele disse a respeito deste homem era verdade” (v. 41).
O romancista Jonathan Miles certa vez escreveu: “Na esteira de qualquer milagre vêm os peregrinos e, atrás deles, inevitavelmente, os vendedores de souvenirs”. Se o Pentecostes acontecesse hoje, as pessoas estariam tirando selfies em frente [ao local] da pregação de Simão Pedro. Dentro de alguns meses, alguém lançaria um álbum com Cânticos de adoração do Pentecostes. E muitos de nós nos perguntaríamos se é disso que trata o Pentecostes — só de mais espalhafato, mais estardalhaço.
A pergunta para nós, hoje, é a mesma que aqueles que encontraram Jesus no Jordão estavam se fazendo. Quer nós vejamos sinais quer não — quer nós possamos acreditar em nossos próprios sentidos, quando os vemos, quer não — a questão é: o que ouvimos a respeito do Filho de Deus é verdade?
Podemos ter certeza de que sim.
Avivamentos, por definição, são fenômenos passageiros. É por isso que devemos ser gratos quando testemunhamos um, à medida que os efeitos posteriores do vento do Espírito soprarem ao nosso redor. Mas isso vale para todos os nossos encontros com Deus. T. S. Eliot nos lembrou que captamos apenas flashes desses momentos incomparáveis em que parece que o tempo se encontra com o atemporal.
Em geral, olhamos para algum momento de nossas vidas em que Deus esteve extraordinariamente ativo e nos perguntamos: O que aconteceu lá atrás? E, às vezes, porque não podemos explicar nem repetir o que aconteceu, nos perguntamos se foi real. Isso ocorre, em parte, porque nós também somos vendedores de souvenirs. Queremos transformar esses encontros com Jesus em sinais tangíveis que possamos controlar.
Queremos o vidrinho com a água do rio Jordão, quando o que realmente precisamos é daquele que saiu daquelas águas. O avivamento — pessoal ou coletivo — tem a capacidade de nos lembrar que não estamos no controle, mas também não estamos abandonados ao caos.
Os plenos efeitos do avivamento de Asbury levarão anos para serem vistos. O que aconteceu no rio Jordão, infinitamente mais, está se propagando através dos milênios. Aqueles de nós que às vezes se tornam cínicos podem argumentar — e de forma convincente — que tal cinismo é merecido.
Mas talvez o que possa romper com tudo isso seja realmente esperar que Deus tão-somente possa ouvir, como já ouviu antes, nosso apelo sincero: “Aviva-nos de novo”.
Russell Moore é o editor-chefe da Christianity Today e lidera o Projeto de Teologia Pública.
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