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Acolher refugiados da Ucrânia, mas não da Síria é uma atitude “cristã” da Europa?

Evangélicos do Oriente Médio e da Europa avaliam diferentes respostas do continente e os ensinamentos da Bíblia em relação ao estrangeiro.

Esquerda: Em campo de refugiados, sírios ascendem fogueira do lado de fora de suas tendas. Direita: Ucranianos na Polônia procuram refúgio fugindo da invasão russa.

Esquerda: Em campo de refugiados, sírios ascendem fogueira do lado de fora de suas tendas. Direita: Ucranianos na Polônia procuram refúgio fugindo da invasão russa.

Christianity Today March 25, 2022
Edits by Christianity Today / Source Images: Chris McGrath / Sean Gallup / Getty

Enquanto a Ucrânia continua sob ataque da Rússia, refugiados sírios oram.

“Foi isso que aconteceu conosco”, disseram estudantes refugiados do centro Together for the Family, em Zahle, no Líbano. “Não queremos que aconteça com os outros.”

Nascida em Homs, na Síria, filha de um pastor batista, Izdihar Kassis casou-se com um libanês e fundou o centro em 2006. Ela mudou seu ministério para cuidar de “seu povo”, quando a guerra civil síria começou, em 2011. Todo ano, cerca de 50 adolescentes traumatizados encontram aconselhamento lá, e 300 já se formaram nos programas vocacionais do centro.

Enquanto os refugiados discutiam a situação “terrível” na Europa, durante o culto semanal na capela, Kassis sugeriu que intercedessem. Abaixando a cabeça, as 40 crianças e os 30 funcionários e voluntários sírios sabiam melhor do que ninguém o que pedir.

Mas um menino queria ter certeza de que os ucranianos ficariam sabendo de sua solidariedade. Ele saiu para o frio e a neve do Vale do Bekaa, onde a maioria dos 1,5 milhão de refugiados sírios do Líbano se abriga.

O cartaz que ele segurava dizia: “Orando pela paz”.

Refugiado sírio em Zahle, Lebanon.Together for the Family
Refugiado sírio em Zahle, Lebanon.

Desde a invasão, cerca de 3,5 milhões dos 43 milhões que constituem a população da Ucrânia se tornaram refugiados. Outros 6,5 milhões foram deslocados internamente, dentro do próprio país.

No entanto, ao longo desses 11 anos de na guerra na Síria, a maioria de seus 6,8 milhões de refugiados — de uma população de 20 milhões de pessoas — ainda vive no limbo. A Europa em grande parte certamente lhes fechou as portas, em comparação com a recepção calorosa com que vem recepcionando aqueles que fogem da agressão russa.

Muitos se ressentem [dessa atitude].

“Existe um constante padrão duplo e uma indignação seletiva por parte da mídia global, dos governos ocidentais (e, infelizmente, até das igrejas ocidentais) quando se trata da narrativa sobre guerras, conflitos e a situação dos refugiados”, afirmou Vinoth Ramachandra, do Sri Lanka, um líder sênior da International Fellowship of Evangelical Students (IFES), afiliada à InterVarsity.

“Se os ucranianos não fossem loiros e de olhos azuis, sua situação teria ocasionado [toda essa] demonstração de compaixão?”

É uma pergunta justa. A hipocrisia europeia — até mesmo o racismo europeu — está em plena exibição?

Os cristãos árabes não fazem julgamentos apressados.

Nascido na Síria, Joseph Kassab hoje lidera o Supremo Conselho das Igrejas Evangélicas na Síria e no Líbano, com sede em Beirute. Ele observa os mais de um milhão de compatriotas acolhidos pela Europa — principalmente pela Europa Ocidental. As nações do Leste europeu, disse ele, estão se recuperando da era comunista e ainda não desenvolveram a mesma noção de direitos humanos.

Não deve haver discriminação, mas mesmo isso ele entende. A igreja primitiva lutou para estender sua missão aos que não eram judeus.

“O racismo está presente em todas as sociedades”, disse Kassab. “Mas os europeus têm sido mais receptivos aos sírios do que muitos libaneses.”

Ser muçulmano é um fator [que pesa], disse Elie Haddad, presidente do Seminário Teológico Batista Árabe em Beirute. Mas também pesa o fato de essa maioria ser composta por agricultores sem instrução formal. Seja isto legítimo ou não, fato é que as pessoas se sentem desconfortáveis com o diferente.

A Europa é um pouco hipócrita, mas ele também é.

“Se um membro do corpo docente precisar de abrigo, abrirei minha casa [para recebê-lo]”, disse Haddad. “Já para um estranho, nem tanto.”

Um mural pintado por artistas sírios para protestar contra a operação militar da Rússia na Ucrânia, em meio à destruição na cidade de Binnish, controlada pelos rebeldes, na província de Idlib, noroeste da Síria, em 24 de fevereiro de 2022.Omar Haj Kadour / AFP / Getty Images
Um mural pintado por artistas sírios para protestar contra a operação militar da Rússia na Ucrânia, em meio à destruição na cidade de Binnish, controlada pelos rebeldes, na província de Idlib, noroeste da Síria, em 24 de fevereiro de 2022.

Quem abriu sua casa em Nice foi um francês de ascendência libanesa.

Enfermeiro de um hospital local, em 2018, François Nader era o único falante de árabe disponível para ajudar uma família de refugiados, cujo filho, já em idade economicamente ativa, precisava fazer diálise renal de emergência. Ele os ajudou com a documentação necessária e, por três meses, deu hospedagem ao sírio em recuperação. Nader chegou a lhe oferecer um salário acima da média para fazer serviços domésticos, fornecendo-lhe trabalho informal, já que a lei francesa proibia o emprego formal no caso dele.

No entanto, a França hoje está permitindo aos ucranianos até três anos de residência e emprego (por uma diretiva da União Europeia).

E Nader, que hoje vive em Bordeaux e é casado com uma russa que têm parentes ucranianos, aplaude a diretiva. Um simples telefonema das autoridades validou a legalidade de quatro refugiados que ele agora abriga em sua casa. Cristão não-denominacional, ele acredita que o evangelho chama as pessoas a tratarem todos da mesma forma.

Mas esse chamado não se estende às nações.

“Os valores muçulmanos são totalmente opostos aos nossos”, disse Nader. “Serão necessárias várias gerações para que sua mente se adapte ao modo de vida europeu.”

O medo do terrorismo é um problema. Mas a adaptação também é. Os muçulmanos se concentram nos banlieues, guetos que reforçam um separatismo prejudicial à sociedade francesa, disse ele. Enquanto isso, turistas ucranianos visitam o Louvre, onde seus filhos se comportam, disse ele. No trem, eles permanecem sentados, em silêncio, lendo livros.

“É um estereótipo e é um pouco cruel”, disse Nader. “Lamento dizer isso, mas também é humano.”

Mas será que é bíblico?

Deus criou semelhanças e diferenças, disse Leonardo De Chirico, presidente da comissão teológica da Aliança Evangélica Italiana. De acordo com Gálatas 6.10, segundo ele, é apropriado dar preferência.

“O princípio da proximidade nos chama a dar atenção especial àqueles que estão perto de nós”, disse ele, “na fé, na família, na nação e no contexto que nos cerca”.

Embora isso se aplique à etnia, não se aplica à cultura ou à educação, disse De Chirico. Todos devem ser acolhidos e receber ajuda para se integrar. Mas, onde os recursos são limitados e os governos estão sobrecarregados, não é errado discriminar.

Até a Bíblia faz isso, diz ele, pois o hebraico original faz distinção entre “estrangeiros”. Os gerim (Levítico 19.33-34) devem ser tratados de forma idêntica aos judeus, mas os zarim (Êxodo 12.43) são impedidos de celebrar a Páscoa.

Uma distinção moderna é a que se faz entre refugiado e imigrante.

“A liberdade de movimento não é um direito absoluto”, disse Marc Jost, secretário-geral da Aliança Evangélica Suíça. “Aprecio a diversidade, mas ela envolve riscos que devem ser regulamentados.”

A proximidade cultural levou a Suíça a dispensar para os ucranianos o exame caso a caso que é exigido para os sírios. Jost rejeita o privilégio que muitos queriam dar à fé e à etnia, mas as autoridades suíças acharam que a distinção era necessária para eliminar potenciais terroristas.

Ainda assim, as dificuldades de integração são reais, e o governo queria reduzir o “fator de atração”, especialmente para os que imigram por razões econômicas, em busca de uma vida melhor. Aqueles “que têm a vida e a integridade física sob ameaça” devem ser acolhidos sem discriminação.

Mas muitos dizem que esses casos são a minoria.

A Grécia acolheu cerca de 5 mil ucranianos desde o início da guerra. Até 30 mil podem ser acomodados, disseram as autoridades. A nação mediterrânea tem estado especialmente atenta a Mariupol, repatriando cerca de 200 cidadãos de uma área originalmente colonizada pelos gregos, no século 6º a.C.

Mas a Grécia já acolhe cerca de 42 mil refugiados de vários países. Muitos mais são mandados embora do país de barco. O governo grego afirmou que, ao processar os pedidos, 7 em cada 10 candidatos não são refugiados.

“Não devemos igualar imigrantes a refugiados”, disse Slavko Hadžić, oriundo da Bósnia e coordenador de pregação da Langham para os Balcãs Ocidentais. “Imigrantes podem usar meios legais para se candidatar a empregos.”

Sua nação tem sido criticada por manter campos de imigrantes “desumanos”. Entretanto, de acordo com um relatório de 2020 da Human Rights Watch, entre os 18 mil requerentes de asilo, a Síria foi apenas a quinta mais comum entre as nações de origem, atrás do Paquistão, Afeganistão, Bangladesh e Iraque.

As igrejas ajudaram a todos, disse Hadžić, como deveriam. Mas ele criticou uma ideia ouvida com frequência na Europa Oriental sobre a preservação da “civilização cristã”. Embora os crentes tenham uma responsabilidade especial de ajudar todos os seguidores de Jesus, isso não inclui os cristãos nominais.

“Seja qual for o rótulo que um governo secular atribua a si mesmo”, disse ele, “não há nações cristãs no mundo”.

Mas é bom que haja uma herança cristã — disse Samuil Petrovski, presidente da Aliança Evangélica Sérvia —, e ela deve ser protegida contra novas ondas de políticas de identidade importadas do Ocidente. Mas, como é dever do governo “trazer luz a lugares sombrios”, isso não deve ser feito à custa de refugiados ou imigrantes, independentemente de sua religião, disse ele. A Bíblia ensina que a assistência deve ser dada a todos os que realmente precisam.

A Hungria simplesmente os define de maneira diferente.

O primeiro-ministro Viktor Orbán chama sua nação de “democracia cristã”; o país, de maioria católica, mantém um ministério em nível de gabinete para apoiar cristãos perseguidos no Oriente Médio. Mas, embora agora diga que os refugiados ucranianos estão chegando a um “lugar amigável”, dois meses antes da guerra, Orbán declarou: “Não vamos deixar ninguém entrar”.

Os europeus orientais apegaram-se à herança da cristandade por mais tempo do que seus vizinhos ocidentais. Mas é uma velha ideia ortodoxa — rejeitada como heresia em 1872, pelo Concílio de Constantinopla — que funde o nacionalismo político com uma igreja étnica. E, dado o argumento da Rússia de que a Ucrânia pertence devidamente ao patriarcado de Moscou, mais de 1.100 clérigos e estudiosos ortodoxos condenaram novamente o filetismo.

“A batalha é vencida nos corações e nas mentes alheias, não em leis restritivas, mesmo quando criadas com boas intenções”, disse Bradley Nassif, autor de The Evangelical Theology of the Orthodox Church e ex-professor de teologia da North Park University. “A melhor abordagem seria o Estado apoiar a Igreja sem promulgar leis e políticas contrárias às minorias religiosas.”

Jost acredita que, para defender a herança cristã de uma nação, deve-se continuamente demonstrar que ela beneficia a sociedade como um todo. Os direitos humanos, disse ele, são derivados da ética cristã.

Mas outros líderes evangélicos protestaram. De Chirico, oriundo de uma maioria católica romana na Itália, disse que uma identidade cristã vinculada a um Estado é algo “coalhado de problemas”. Kassab disse que, se o Oriente Médio promovesse sua identidade islâmica, isso “multiplicaria a miséria” dos cristãos.

O Estado deve proteger o patrimônio e a identidade de todos, disse Tom Albinson, presidente da Associação Internacional para Refugiados, uma afiliada da Aliança Evangélica Mundial (WEA). Há boas razões para as comunidades servirem através de redes e relações de confiança. E está dentro dos direitos de uma nação proteger suas fronteiras e deportar imigrantes.

Mas não é certo colocar imigrantes contra refugiados.

“Muitas nações hoje estão gastando muito mais dinheiro e energia para encontrar maneiras de impedir que refugiados e requerentes de asilo cruzem suas fronteiras do que para proteger pessoas que foram roubadas de seu lugar [no mundo] e estão entre as mais vulneráveis do planeta”, disse Albinson. “Isso precisa ser exposto e confrontado pelo que é.”

A migração mista confunde a questão, e faz de todos presas do tráfico humano. Enquanto isso, os refugiados que estão entre eles são frequentemente tratados como culpados, até que se prove sua inocência.

Tendo servido por oito anos como embaixador da WEA para refugiados, até o ano passado, Albinson aconselha as nações a investirem na infraestrutura necessária para processar os pedidos de asilo de forma justa. Atualmente, 86% dos refugiados do mundo estão hospedados em nações em desenvolvimento, disse ele. E, de um total de 26 milhões, apenas 1% são reassentados em um determinado ano.

A igreja, segundo ele aconselha, deve preencher as lacunas.

“Serviços governamentais e agências humanitárias não governamentais podem oferecer ajuda, mas não são capazes de fortalecer a esperança”, disse Albinson. “Somos o nosso melhor quando cuidamos daqueles que são diferentes de nós, daqueles que nos são estranhos.”

E quem é mais estranho para um ucraniano do que um sírio?

O Dia das Mães no mundo árabe cai em março. Além de oferecer oração, o Together for the Family coletou conselhos de esposas e viúvas sírias sobre como lidar com a vida, quando separadas de maridos e filhos.

Elas enviaram cartões — e o pouco dinheiro que puderam poupar. As pessoas que se formam no programa de carpintaria do centro ganham 2,25 dólares por semana. Mas devido à escassez de grãos ucranianos importados, seu pão diário agora custa 75 centavos.

“O Senhor as ajudou até aqui e as levantou”, disse Kassis. “Elas querem encorajar as mulheres ucranianas da mesma maneira.”

“Quanto tempo mais, Senhor?” e “Ó Deus, quebre os ossos do meu inimigo” soam agora como aleluias, enquanto líderes pedem defesa e assistência, lamentando o silêncio dos cristãos russos.

Traduzido por Mariana Albuquerque

Editado por Marisa Lopes

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