Devemos escolher uma igreja como quem faz compras? Aprenda com os primeiros cristãos

Mesmo nessa era de cultos virtuais, algumas coisas nunca devem mudar.

Christianity Today March 12, 2022
Illustration by Mallory Rentsch / Source Images: Unsplash / Thibault Renard / Getty

Bastante coisa mudou em relação à frequência aos cultos na igreja, desde o início da pandemia da COVID-19, e algumas dessas tendências provavelmente continuarão durante este ano.

Muitos crentes ainda estão oscilando em busca de um precário equilíbrio entre a reunião presencial e a transmissão online, enquanto alguns estão procurando mudar de igreja ou de denominação este ano. Outros pararam de ir à igreja por completo.

Há ainda aqueles que frequentam várias igrejas, muitas vezes por meio de plataformas virtuais — uma prática que se intensificou no ano passado.

No verão de 2020, apenas alguns meses após o início da pandemia, mais de um em cada três cristãos praticantes — aqueles para quem o envolvimento em uma igreja é prioridade — estavam assistindo via streaming a cultos de igrejas diferentes daquela com a qual estavam formalmente comprometidos.

E embora essa tendência seja relativamente recente do ponto de vista histórico, o fenômeno de andar de igreja em igreja começou bem antes da pandemia — sendo que aproximadamente dois em cada cinco fiéis relataram frequentarem regularmente várias igrejas já em 2019.

Uma amiga me disse recentemente que, quando a pandemia forçou as igrejas [a se reunirem] online pela primeira vez, ela começou a assistir a cultos de uma igreja localizada do outro lado do país, porque sempre gostou do estilo do pregador e de seus livros. Mas, uma vez que a região em que mora permitiu que as igrejas se reunissem de novo, ela voltou a frequentar sua igreja local presencialmente. Quando perguntei por que, ela disse que chegou à conclusão de que “assistir a cultos é ótimo, mas isso não é igreja”.

Embora nem todos concordemos com essa afirmação, vale a pena discutirmos o que constitui uma “igreja” e o que a diferencia — e também como e por que somos chamados a nos comprometer fielmente com uma. Quer admitam isso ou não, alguns cristãos consideram principalmente os três elementos mencionados a seguir, quando se trata de reavaliar seus compromissos com uma igreja:

1. Qual [igreja] é mais confortável?

2. Qual está mais de acordo [comigo]?

3. Qual é mais divertida?

Infelizmente, as forças subjacentes que impulsionam algumas buscas por igreja são os princípios básicos do consumismo individualista, nascidos da suposição de que “igreja” é principalmente um pacote de produtos e serviços projetado e vendido para alcançar a satisfação do cliente.

O problema hoje em dia, como observa Carl Trueman, é que “todos vivemos em um mundo em que é cada vez mais fácil imaginar que a realidade é algo que podemos manipular de acordo com nossas próprias vontades e desejos”. Infelizmente, essa mentalidade moderna se infiltrou em nossa eclesiologia — na maneira como entendemos e encarnamos o que significa ser igreja. Mas esse instinto não é novo.

Décadas atrás, o teólogo Dietrich Bonhoeffer escreveu que “aqueles que amam seu sonho de uma comunidade cristã mais do que amam a própria comunidade cristã tornam-se destruidores dessa comunidade, mesmo que suas intenções pessoais possam ser as mais honestas, sinceras e sacrificiais” (ênfase acrescentada).

Buscar uma comunidade de fé com ponderação e fervor, uma comunidade à qual possamos pertencer de maneira significativa, é algo que tem valor. Contudo, quando isso se transforma em uma busca por uma igreja de acordo com algum ideal de perfeição ou hipotético, podemos ter saído dos trilhos.

Uma igreja local saudável, argumenta Mark Sayers, deve se ver como “um grupo díspar e desalinhado de pessoas bastante comuns, que clamam a Deus […], caem aos pés de Cristo, são cheias de sua presença, e se tornam agentes contagiantes do reino no mundo.”

Vemos essa dinâmica em ação na história da igreja primitiva — um exemplo que pode nos servir de guia para fazermos perguntas melhores em nossa busca por uma comunidade eclesiástica.

Primeiro, a igreja primitiva “se dedicava ao ensino dos apóstolos e à comunhão, ao partir do pão e à oração” (Atos 2.42). Segundo a Concordância de Strong, no grego, o verbo dedicar é definido como “persistência devota; uma disposição de ficar e permanecer leal.”

À medida que procuramos uma comunidade de fé à qual possamos pertencer, devemos perguntar “Esta é uma igreja com a qual posso me comprometer?”, antes de perguntar “Esta igreja é confortável ?” Colocar nosso conforto antes do compromisso é tratar a igreja como mera forma de lazer, o que pode levar à nossa estagnação espiritual disfarçada sob uma fina camada de confortos.

Em contrapartida, dedicar nosso compromisso devotado a uma igreja local — apesar de suas inevitáveis falhas e deficiências — pode nos ajudar a enfrentar as tempestades significativas da vida e da fé a longo prazo. E este é o verdadeiro tipo de conforto pelo qual todos nós realmente ansiamos e do qual, em última análise, precisamos.

Segundo, os primeiros cristãos “tinham tudo em comum” (Atos 2.44, ênfase acrescentada). Para esses crentes do passado, a comunhão era um valor vivido e encarnado, e não um mero conceito hipotético. Hoje, porém, quando fazemos a pergunta “O que tenho em comum com essas pessoas?” estamos essencialmente perguntando: “Essas pessoas concordam comigo?” E a diferença é gritante.

No livro de Atos, a comunhão consistia em compartilhar os fardos da vida cotidiana. Eles “vendiam propriedades e bens para dar a quem tivesse necessidade” (2.45). Em outras palavras, as necessidades tangíveis dos outros levavam a igreja à verdadeira comunhão.

Especialmente em nossos dias, dada a politização de nossa cultura atual, algumas pessoas buscam semelhanças por meio do alinhamento em várias questões sociais e políticas, em vez de oferecer suas habilidades, seus talentos e recursos para o bem comum da comunidade.

Esperamos descobrir uma semelhança perfeita que já exista, em vez de trabalharmos para alcançar uma semelhança real por meio do serviço. Nas palavras de Edwin Freidman, estamos nos tornando “uma [sociedade] de ‘leitores superficiais’ que constantemente extraem o que está no topo, na superfície, sem nada acrescentar de significativo à essência daquilo”.

Mas uma coisa estranha e maravilhosa acontece quando de fato nos dedicamos ao bem literal dos necessitados. Divisões podem ser superadas e uma unidade inesperada pode ser construída, quando surpreendemos os que estão do lado oposto com atos de cuidado altruísta e uma vontade de ir além para servir aos outros em momentos de necessidade.

É por isso que a igreja, no que tem de melhor, é o que o teólogo Scot McKnight chama de “comunhão de diferentes”. Quando concentramos nossas energias em atender às necessidades da congregação, em vez de tentar influenciar opiniões, é muito mais provável que encontremos um verdadeiro pertencimento.

Por último, os primeiros crentes “continuavam a se reunir nos pátios do templo. Partiam o pão em suas casas e comiam juntos com o coração contente e sincero” (Atos 2.46). A palavra contente, no grego, é muito mais exuberante do que seu termo equivalente em português. Um jeito melhor de entendê-la seria o termo “alegre”. A igreja primitiva se reunia com alegria genuína.

O que sempre me fascinou foi a simplicidade do cenário dos cultos da igreja do primeiro século. Os crentes se reuniam em torno das Escrituras, ensinando, orando e comendo juntos. Não havia nada chamativo, nada inovador. De fato, a Concordância de Strong indica que a palavra sincero na verdade significa “simples”. Em essência, a igreja primitiva se reunia diariamente com “alegria e simplicidade”.

Então, em vez de perguntarmos “Esta igreja é divertida?”, que tal começarmos com uma pergunta diferente: “Esta igreja é uma comunidade cheia de alegria e sinceridade?”

Em outras palavras, essa comunidade encarna uma simplicidade alegre — nascida do desejo de se reunir em torno das Escrituras, do ensino, da oração e da conexão genuína de uns com os outros — independentemente de quão espetaculares seus adereços exteriores pareçam e soem?

Nenhuma quantidade de entretenimento ou de autopromoção chamativa pode fornecer relacionamentos significativos, os quais surgem quando as pessoas trabalham duro para desenvolver relacionamentos reais umas com as outras. Se os primeiros cristãos se reuniam todos os dias e partiam o pão nas casas uns dos outros, o que nos faz pensar que podemos gerar relacionamentos dinâmicos apenas por meio de programas na igreja?

Apesar da tendência atual de andar de igreja em igreja e de escolher igrejas como quem faz compras (e das críticas válidas a tudo isso), a busca por uma comunidade eclesiástica saudável, via de regra, pode ser uma busca nobre. Muitos de nós têm boas razões para deixar uma igreja e procurar outra. Nas situações mais críticas, alguns crentes sofreram dores, traumas e abuso nas mãos de líderes desajustados.

Já ouvi e encontrei muitas dessas histórias ao longo da vida na igreja local. Mas sempre me comovo além da medida, quando vejo pessoas que foram feridas continuarem a acreditar que ainda é possível pertencer à igreja, esse lugar em que podemos buscar a santidade e a integridade juntos.

A despeito de toda dor causada por tantas igrejas e líderes nos tempos de hoje, nós podemos reescrever a história da nossa própria família de fé se nos lembrarmos e encarnarmos o que a igreja local sempre foi concebida para ser, no que tem de melhor.

Por mais quebrados, pecadores, inseguros, frágeis e falhos que sejamos, você e eu podemos fazer esse trabalho juntos, se confiarmos na graça de Deus e em seu imenso poder e força para simplesmente sermos igreja — de forma plena, graciosa e sacrificial.

Jay Y. Kim serve como pastor principal na Igreja WestGate. É autor de Analog Church e Analog Christian e vive no Vale do Silício com a esposa e seus dois filhos pequenos. Você pode encontrá-lo no Twitter em @jaykimthinks.

Traduzido por Mariana Albuquerque.

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