A esperança é um salto de fé

O Advento nos lembra que a esperança cristã é moldada pelo que aconteceu e pelo que vai acontecer novamente.

Christianity Today November 28, 2020
Fabrizio Conti / Unsplash

Minha mãe, Young Kim, nasceu na Coreia, em 1948, quando o país estava à beira de uma guerra civil. Quando ela tinha cinco anos, o país havia se dividido em dois, Norte e Sul. Sua família, uma vez próspera, havia perdido tudo. Os pais dela morreram quando ela era adolescente. Ela perdeu seus dois irmãos mais velhos poucos anos depois. Minha mãe acabou tendo um casamento problemático. Ela se separou de meu pai e, com cerca de 30 anos, migrou para os Estados Unidos como mãe solteira, com uma sacola de roupas e uns poucos dólares nas mãos, e comigo, na época, uma criança pequena. Sua vida tem sido uma história de lutas, dor e perda. Mesmo assim, apesar dos desafios, ela sempre foi a pessoa mais esperançosa que conheço.

Se você tivesse a chance de perguntar-lhe o porquê, ela diria, sem a menor dúvida ou hesitação, que Jesus é a fonte singular de sua esperança. Ela lhe diria que, desde o dia em que encontrou o Cristo ressuscitado, quase quarenta anos atrás, as circunstâncias passaram de vez para segundo plano, em face de algo muito mais imutável e sólido. Mas esse algo não é um conto de fadas utópico, arcaico ou sofisticado, construído com base em pensamentos felizes ou fantasias de uma vida sem problemas. Sua esperança é um agarrar-se com firmeza e muitas vezes de modo exaustivo a algo muito mais substantivo. É um apegar-se de forma resoluta e inabalável a algo que aconteceu e vai acontecer.

Em 1Pedro 1.13, lemos: “Portanto, preparem sua mente para a ação e exercitem o autocontrole. Depositem toda a sua esperança na graça que receberão quando Jesus Cristo for revelado”. No grego original, a palavra traduzida como “ação” (anadzonumi) é um termo que descreve a preparação física. Deriva de uma prática comum no antigo Oriente Próximo: as pessoas recolhiam as pontas de suas longas capas e as prendiam à cintura, quando se preparavam para entrar em ação, fossem elas fazendeiros a caminho dos campos, soldados rumo à batalha ou corredores prendendo suas roupas, a fim de poderem correr sem nada que os atrapalhasse.

Eu me pergunto se Pedro estava pensando em um de seus primeiros encontros com o Cristo ressuscitado, ao escrever essas palavras de sua primeira epístola. No final do Evangelho de João, lemos a história do Jesus ressuscitado que aparece a seus discípulos no mar da Galileia. Pedro e os demais estão pescando, mas, assim que reconhecem Jesus, que os chama da praia, Pedro “amarrou sua túnica à cintura […] e lançou-se ao mar” (Jo 21.7, A21). Ele prendeu sua capa à cintura. É a mesma palavra e imagem que ele usa em 1Pedro 1.13. Quando Pedro viu Jesus surgir nas praias da Galileia, ele imediatamente amarrou sua capa e entrou em ação. Várias décadas depois, Pedro convida os primeiros seguidores de Jesus a tomar a mesma atitude em relação à esperança que eles — e também nós — temos na “graça que receberão quando Jesus Cristo for revelado” (1Pe 1.13).

Expectativa e ação

Alguns linguistas sugerem que, na língua inglesa, a palavra "hope" — que significa "esperança"— compartilha raízes etimológicas com a palavra "hop" — que significa "salto" —, comunicando que esperar por algo é dar um salto em expectativa, saltar em direção à possibilidade. Verdadeira ou não, a ideia propõe um ponto interessante. Em nossos dias, a ideia de esperança foi assimilada pela passividade, e castrada de sua pretendida natureza orientada para a ação. Esperamos que as filas não sejam muito longas. Esperamos um bom diagnóstico. Esperamos que tudo corra bem.

Hoje, a esperança é geralmente considerada uma versão adulta do desejo. É por isso que, quando nossas esperanças parecem um tanto remotas, podemos chamá-las de “pensamento positivo”. Mas a esperança cristã não é pensamento positivo. A esperança cristã é um salto de fé em frente. Nós agimos. Vivemos em movimento. Em A Mensagem, Eugene Peterson traduz o início de 1Pedro 1.13 desta forma: “Então arregace as mangas". A esperança cristã é arregaçar as mangas e começar a trabalhar. É uma esperança do tipo operária, que nos deixa prontos e dispostos a sujar as mãos, a trabalhar e a labutar em direção à expectativa e à promessa.

Essa natureza radicalmente contraintuitiva da esperança cristã é moldada por uma resistência e uma força que lamentavelmente faltam às expressões de esperança da cultura pop. A esperança cristã não foge do sofrimento e da dor em nosso mundo, mas sim corre em direção a ambos. Tim Keller escreve: “Enquanto outras cosmovisões nos levam a sentar em meio às alegrias da vida, prevendo as tristezas vindouras, o cristianismo capacita seu povo a se sentar em meio às tristezas deste mundo, saboreando a alegria vindoura”. A esperança cristã não se deixa enganar pelas promessas mundanas de conforto e facilidades nesta vida, enquanto espera ansiosamente pelo inevitável. Em vez disso, a esperança cristã se instala na luta da experiência humana com força e determinação. Sim, há dor e sofrimento nesta vida, mas a esperança cristã permite que seus destinatários permaneçam altivos em cada centímetro possível de dignidade de sua imago Dei.

Penso em meus amigos Landon e Sarah Baker. Nossa comunidade se alegrou, quando compartilharam a notícia de que o casal estava esperando um filho. Mas, quando o bebê nasceu, ocorreram complicações. No meio de uma pandemia global, entrei na UTI neonatal do hospital, com o rosto coberto por uma máscara, para apresentar ao Senhor uma linda garotinha, cuja vida na Terra duraria menos de três dias. Em lágrimas, os jovens pais oraram por sua filha e abraçaram-na, enquanto ela dava seu último suspiro e entrava na eternidade. Eles leram Salmos e cantaram seu amor por Jesus. Mesmo na dor, sua esperança jamais vacilou.

Penso em meu amigo Darren Johnson, que passou bem mais de um ano sem emprego. Com uma família para sustentar e contas para pagar, a situação era terrível. Ele não estava desempregado por falta de procurar emprego. As coisas simplesmente não estavam dando certo e ele não sabia por quê. Mas, em sua perplexidade, ele continuou a orar, a adorar, a liderar sua família com coragem e a servir a comunidade. Ele estava convencido de que Deus ainda estava operando e se movendo, até mesmo nos mínimos detalhes de suas circunstâncias desconcertantes, embora ele não soubesse como. Em meio às suas incertezas, ele modelou uma fé monumental. Sua esperança jamais vacilou.

Penso em minha amiga Christina Tang. Uma talentosa compositora de 20 e poucos anos, ela estava trabalhando em um álbum de canções, quando recebeu a notícia de que estava com câncer no estômago — um câncer agressivo. Houve tristeza e perplexidade por toda parte. Mas, então, houve uma decisão. Mesmo com o corpo enfraquecido, Cristina continuou a compor e a gravar suas músicas. Ela encontrava forças para, de vez em quando, liderar o louvor na igreja. Quando suas mãos não tinham mais forças para dedilhar o violão, ela recrutou amigos músicos para tocarem por ela. Algumas semanas após sua morte, demos a todos na igreja um CD de seu novo álbum: seis canções originais diligentemente compostas e gravadas em seus últimos meses de vida. Sua esperança jamais vacilou.

É com isso que a esperança cristã se parece. Não ignora o medo, a ansiedade e a dúvida; antes, os confronta. Ela se mantém firme, agarrando-se à paz em meio ao caos. Através das muitas tempestades traiçoeiras da vida — sejam elas pandemias, cisões políticas, agitação social ou luta pessoal —, a esperança cristã é impulsionada por algo maior que aconteceu, e por algo maior que vai acontecer novamente.

Jesus voltará; então, arregace as mangas

O Advento é o nosso grande lembrete disso. No final de novembro, começaremos a ver os jardins transformados em presépios. Mas a estação em que estamos prestes a entrar é muito mais uma jornada para o futuro do que uma jornada pela história. O Advento, que vem do latim adventus ("chegada"), é o nosso olhar ao longe e firme para frente, iluminado pela história. A luz da história do Natal invade as trevas de nossa culpa passada, da nossa dor presente e das nossas ansiedades futuras, apontando-nos para dias melhores à frente.

Em Atos 1.11, quando os primeiros seguidores de Jesus testemunhavam sua ascensão ao céu, eles foram lembrados de que “Esse Jesus, que foi elevado do meio de vocês ao céu, voltará do mesmo modo como o viram subir!” Ele voltará. Essa é a promessa que celebramos e lembramos durante o Advento; esse é o alicerce da esperança cristã. Lembre-se das palavras de Pedro: “Depositem toda a sua esperança na graça que receberão quando Jesus Cristo for revelado”. Arregaçamos as mangas e prosseguimos na obra da esperança cristã, porque Cristo está voltando. Podemos enfrentar toda e qualquer coisa com resiliência, coragem e paciência, porque o Advento nos lembra de como a história termina. É por isso que Paulo escreve: “Considero que nosso sofrimento de agora não é nada comparado com a glória que ele nos revelará mais tarde. […] Recebemos essa esperança quando fomos salvos. (Se já temos alguma coisa, não há necessidade de esperar por ela, mas, se esperamos por algo que ainda não temos, devemos fazê-lo com paciência e confiança.)” (Rm 8.18,24-25).

Minha mãe fez 70 anos alguns anos atrás. Visitar o Havaí estava havia muito tempo em sua lista de desejos; então fomos. Ficamos perto da praia de Waikiki e, da janela do hotel, podíamos ver Diamond Head, uma das trilhas mais populares e extenuantes da ilha. Perguntei a minha mãe se ela queria experimentar. Sem hesitar, respondeu que sim. A trilha Diamond Head tem 2,5 quilômetros de ida e volta, quase em linha reta, subindo cerca de 180 metros do início da trilha até o cume. Eu imediatamente me arrependi de ter perguntado; não tinha certeza se ela conseguiria fazer a trilha com a idade que tinha.

Na manhã seguinte, fizemos uma curta viagem até o ponto de partida da trilha. Perguntei de novo se ela realmente queria fazer aquilo, assegurando-lhe que poderíamos voltar e desfrutar de aperitivos na praia. Ela sorriu e começou a marchar. Na metade do caminho, vendo seu cansaço e estando eu mesmo exausto, perguntei novamente se ela queria voltar. Ela olhou para mim, sorriu e arregaçou as mangas. Continuamos e, finalmente, apreciamos a vista espetacular do cume. Claro que terminamos a trilha. É assim que a esperança funciona para minha mãe. E é assim que funciona a esperança cristã. Arregaçamos as mangas e damos um passo exaustivo após o outro, até chegarmos.

Assim que voltamos ao hotel para descansar, usamos o FaceTime a fim de ligar para meus filhos — os netos dela —, que estavam em casa. Minha mãe irradiava alegria, enquanto contava ao neto recém-nascido tudo sobre a conquista de Diamond Head. Ele nascera apenas três meses antes, e ela lhe dera um nome coreano: So-Mahng, que significa "esperança". É claro!

Jay Y. Kim é pastor titular da área de ensino na Igreja WestGate, professor residente na Igreja Vintage Faith e autor de Analog Church. Ele mora com sua família no Vale do Silício.

Traduzido por Maurício Zágari.

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