Nós jantamos apressadamente, deixamos a lavagem da louça para mais tarde e nos aconchegamos em torno de um iPad na mesa da cozinha. Estava na hora de uma apresentação de músicas da Disney e minha família, que é apaixonada por música, não queria perder. A verdade é que, na maioria dos dias da quarentena, nossos dispositivos Amazon Echo têm tocado listas de reprodução do Spotify, de "Hamilton" a "High School Musical", passando por trilhas de filmes da série "Descendentes". Adoramos música e dança, e nossa casa reflete isso, mesmo que tenhamos preferências musicais muito diferentes.
A música tem algo que eleva nosso espírito em épocas difíceis. Vimos cenas de italianos em pé em suas varandas, cantando canções folclóricas e óperas – e, sem dúvida, também assistimos a algumas paródias! Lembro de uma cena, passada em uma rua inglesa, em que um homem bem-intencionado tentou liderar seus vizinhos em uma emocionante canção de pub, a partir de seu quintal, e foi recebido com gritos para que ficasse quieto. Quando nos sentimos tristes, nosso impulso é cantar, apesar dos vizinhos irritados.
O sociólogo Randall Collins argumenta que os humanos buscam algo que ele chama de “energia emocional”, isto é, um “sentimento de confiança e coragem para agir, além de ousadia para tomar iniciativa”. Ganhar mais energia emocional, de acordo com Collins, é o objetivo da interação social. Os pesquisadores James Wellman Jr., Katie E. Corcoran e Kate Stockly-Meyerdirk argumentam que o que Collins chama de “energia emocional” pode “representar principalmente a ocitocina”, uma substância química associada ao bem-estar. Quando “as taxas de ocitocina aumentam, os níveis de estresse diminuem e a pessoa experimenta sentimentos de amor, calma, confiança e motivação para interagir socialmente”. Algumas atividades humanas levam ao aumento nos níveis de ocitocina, mas a maioria delas envolve toque físico, algo que está em falta nas sociedades ao redor do mundo durante a crise do COVID-19.
Então, o que fazemos sem toque físico e interação social? Nós cantamos. De acordo com o mesmo trio de pesquisadores, estudos mostram que “após uma sessão de canto em grupo, o nível de ocitocina aumentou significativamente nos cantores”. Cantar faz com que nos sintamos melhor. A ciência, como se vê, concorda.
Os antigos hebreus também concordariam. Em seu hinário, o livro de Salmos, eles fazem elogios e petições, exprimem lamentos e tristezas e clamam por atenção e ação da parte de Deus. Mas eles não estavam simplesmente cantando para se sentir melhor, como um ato de catarse ritual. Na oração e no cântico, eles elevavam a alma a Deus, seu Deus de aliança – o único soberano sobre a criação, que se unira a eles em amor. Aprendemos com os antigos hebreus que o poder do canto não está simplesmente na música, mas em quem é o destinatário da sua canção.
Séculos depois que os salmos foram escritos, dois mestres foram presos em meio a uma viagem, espancados e lançados na prisão. Eles faziam parte da primeira geração de seguidores de Jesus, o Messias, convencidos de que ele era de fato o Filho de Deus, o Deus de Israel que veio reinar como rei. Crucificado pelos romanos, ele havia sido elevado para ser o Senhor de todo o mundo. As cadeias de uma prisão romana em Filipos não conseguiram reprimir a esperança daquela dupla. E foi assim que Paul e Silas começaram a cantar, à meia-noite, quando tudo estava escuro e as perspectivas eram sombrias. Os cristãos cantam como se fosse manhã mesmo quando é meia-noite.
Cantar tornou-se uma marca das comunidades cristãs primitivas. Várias décadas após a morte de Paulo, um governador regional chamado Plínio escreveu ao imperador Trajano que os cristãos se reuniam em determinado dia da semana e cantavam hinos a Cristo como a um deus. Os cristãos cantam no culto semanal e nas celas sombrias da prisão, seja quando os corações estão animados, seja quando a esperança parece perdida.
Nós, cristãos, não cantamos simplesmente porque somos felizes; cantamos porque somos pessoas cheias de esperança. Permanecemos firmes diante do medo, à sombra da morte, no meio do sofrimento e da dor. Em tudo somos atribulados, mas não angustiados; perplexos, mas não desanimados. Perseguidos, mas não desamparados; abatidos, mas não destruídos. Cristãos são aqueles que acreditam que, porque Jesus ressuscitou dos mortos, o pior dia não será o último. Por isso, cantamos. E convidamos você a cantar junto.
Glenn Packiam é pastor sênior auxiliar da New Life Church, em Colorado Springs. Este artigo explora temas de seu livro Worship and the World to Come: Exploring Christian Hope in Contemporary Worship (IVP Academic).